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A pior inflação do mundo: o país onde os preços dobravam a cada 15 horas:
Parece uma quantia enorme, mas tudo o que ele conseguiu comprar foi um frango, dois litrosóleo e alguns vegetais. E se tivesse esperado até a tarde, já não seria o suficiente nem para isso.
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Fim do Matérias recomendadas
A Hungria estava nas garras da pior inflação já registrada. No auge, ela chegou a 41.900.000.000.000.000%.
Na vida cotidiana, isso significava que os preços médios dobravam aproximadamente a cada 15 horas .
Considerando que a hiperinflação é definida pelos economistas como um aumento50% nos preços médios mensais, esta entra na classificação com sobras.
Milhõeshúngaros viram seus salários reais e padrõesvida despencarem, mergulhando muitosuma nova luta pela sobrevivência.
Quando a espiralpreços foi controlada, o valor totaltodo o dinheirocirculação no país era uma fraçãoum centavo norte-americano.
Com muitos agora preocupados com a inflaçãovárias partes do mundo, pode ser apropriado perguntar o que causou a pior hiperinflação da história e que lições ela deixou.
Como era antes
Assim como outros países europeus, a Hungria sofria com as consequências da Segunda Guerra Mundial, na qual, inicialmente, havia estado fortemente ao lado do Eixo, participando inclusive do ataque1941 à União Soviética.
Em 1942, prevendo que a Alemanha perderia a guerra, seus líderes iniciaram negociações secretas com os Aliados. O resultado, no entanto, foi que Adolf Hitler descobriu os contatos e,março1944, invadiu o país e instaurou uma administração pró-nazista.
"A terrível consequência disso foi que 437 mil judeus húngaros foram deportados para Auschwitz", diz László Borhi, presidente da Peter A. Kadas e professor da Escola Hamilton-Lugar da UniversidadeIndiana, EUA.
"Depois disso, a Hungria se tornou um campobatalha entre a URSS e a Alemanha."
E Budapeste vivenciou um dos maiores cercos da guerra.
O resultado
No final do conflito, a economia do país estavafrangalhos.
Os alemães levaram cercaUS$ 1 bilhãomercadorias e commodities para fora do país.
Metadesua capacidade industrial foi destruída e, do que restou, 90% tinha danos.
A maioria das ferrovias e locomotivas foi destruída. O que tinha uso foi tomado por nazistas ou soviéticos. Todas as pontes sobre o rio DanúbioBudapeste estavam foraserviço, assim como a maioriasuas estradas.
70% dos edifíciosBudapeste foram total ou parcialmente transformadosescombros.
A produção agrícola caiu quase 60% .
“Basicamente, o país estava à beira da fome”, ressalta Borhi. "Apesar disso, a Hungria teve que alimentar 1 milhãosoviéticos que o Exército Vermelho tinha no país."
Alémtudo, quando assinou o armistício, a Hungria concordoupagar indenizaçõesUS$ 300 milhões (maisUS$ 4 bilhõesvalores atuais) a soviéticos, iugoslavos e tchecoslovacos.
E não houve empréstimos para ajudar os húngaros emrecuperação.
"Os países controlados pelos soviéticos foram excluídos da participação do generoso Plano Marshall, que basicamente alimentou a recuperação econômica da Europa Ocidental", explica Borhi.
Como resolver?
“As finanças do governo húngaro estavamestado absolutamente precário e havia a necessidadefornecer serviços à população, mas não havia infraestrutura que permitisse arrecadar receita da maneira convencional”, diz Pierre Siklos, professoreconomia da Wilfred Laurier UniversityWaterloo, Canadá.
Sem contar com o dinheiroimpostos, o governo húngaro decidiu estimular a economia imprimindo dinheiro — apesar da necessidadefazer um empréstimo para pagar a tinta importada da impressão das cédulas.
Com eles, o governo contratava trabalhadores diretamente, fornecia empréstimos aos consumidores e dava dinheiro às pessoas.
Concedeu empréstimos a bancos a taxas baixas, que, porvez, emprestaram a empresas do país.
O país foi inundadodinheiro.
E o dinheiro acabou afogadozeros.
Caleidoscópiopengős
O pengő, moeda que havia sido adotada como uma das medidas para controlar a primeira hiperinflação sofrida pela Hungria no século 20, após a Primeira Guerra Mundial, entrouqueda livre.
A inflação era tão excessiva que os zeros se acumulavam ao ponto do absurdo.
Em 1944, o valor mais alto da nota era1.000 pengős. No final1945, eram 10 milhõespengős.
Numa tentativasimplificação, surgiram o milpengő , equivalente a 1 milhãopengős.
Isso deu lugar a denominações bizarras como...
- 100 milhõesmilpengős, ou 100 trilhõespengős
- e 1 bilhãomilpengős, ou seja, 1 quatrilhãopengős
Logo, foi necessário emitir o B-pengő , equivalente a 1 trilhãopengős.
Isso se multiplicou até 11julho1946, quando o Banco Nacional da Hungria emitiu as últimas notaspengő: 100 milhõesB-pengős (10²⁰ =100 trilhões), a denominação mais altauso na história.
O banco também imprimiu notas1 bilhãoB-pengős (10²¹ = 1.000.000.000.000.000.000.000), mas elas nunca entraramcirculação.
Ao longo do caminho, uma moeda especial, o adópengő (ou pengő fiscal) também foi criada para pagamentos postais e fiscais. Devido à inflação, seu valor era reajustado diariamente e anunciado no rádio.
Em 1ºjaneiro1946, um adópengő era igual a um pengő, mas no finaljulho era igual a 2.000.000.000.000.000.000.000 pengős.
E as pessoas, como faziam?
Enquanto o governo tentava acompanhar os preços emitindo uma vertiginosa variedadenovas cédulas, as pessoas comuns começaram a se referir a elas com base emcor e nãoseu valor.
Mas chegou a um ponto que nem isso fazia sentido, então "se, digamos, eles quisessem uma dúziaovos, o vendedor os pesava e o comprador dava esse pesodinheiro", diz Béla Tomka, professorModerna História Social e Econômica da UniversidadeSzeged, na Hungria.
Os salários também não conseguiam acompanhar a realidade. Assim, muitas empresas passaram a pagarespécie, com o que produziam ou com batata, açúcar etc.
“As fábricas têxteis, por exemplo, desenvolveram seu próprio sistema salarial: pagavamcentímetrostecido.
"Os funcionários então trocavam o que recebiam por outras necessidades."
O mercado negro floresceu.
“Além disso, pela primeira e única vez na história da inflação no mundo, as empresas tiveram que fornecer certa quantidade e qualidadealimentos, determinadas pelas necessidades calóricas semanais dos trabalhadores e seus familiares dependentes”, diz Tomka.
"Embora essas medidas não resolvessem os problemas, devido à escassezalimentos, por um tempo eles forneceram um subsídio mínimo para as massas trabalhadoras."
À certa altura, os funcionários podiam até exigir o pagamento antes das 14h. Caso contrário, insistiamreceber o salário ajustado pela inflação no dia seguinte.
No entanto, não houve jeito: os salários reais caíram mais80% e, embora os trabalhadores estivessem empregados, a hiperinflação os empurrava para a pobreza.
No entanto, parece que a privação não foi sentida igualmente.
Uma reportagem do jornal The New York Times sobre Budapeste4abril1946 relatou que "em nenhum outro lugar da Europa se poderia encontrar um contraste tão gritante entre o padrãovida da maioria da população e o daqueles poucos que fizeram amizade com britânicos e americanos ou que, por algum outro meio, têm acesso a restaurantes caros."
"Nos clubes das potências ocupantes você encontrará comida comonenhum outro lugar da Europa: frutas exóticas, ganso, frango, creme e bolos como nos hotéis mais extravagantes do pré-guerra."
Mas quem poderia desfrutartais delícias?
"Aqueles cuja riqueza estavajoias, ouro ou outros objetosvalor poderiam vender esses bens ou trocá-los por necessidades básicas", diz Tomka.
"Além disso, quem tivesse acesso a divisas, fosse porque trabalhava para uma embaixada ou para uma empresa estrangeira ou outra instituição, teria mais condiçõessobreviver."
"A população rural que produzia alimentos estavauma posição mais favorável, então basicamente os pobres nas cidades e vilas sofriam mais ."
Como acabou?
No auge da inflação, os preços subiam a uma taxa150.000% ao dia.
Nessa altura, o governo havia desistido dis impostos, pois o podercompra do que arrecadava havia evaporadogrande parte.
Só uma nova moeda poderia estabilizar a situação financeira do país.
Em 1ºagosto1946, a Hungria introduziu o florim, reduzindo 29 zerosrelação à moeda anterior .
“Meus pais se lembramver os varredoresrua jogando as notas no lixo: as pessoas simplesmente jogavam os pengős fora, porque não valiam nada”, diz Borhi.
"O pouco que restou da fortuna da família foi destruído. As pessoas perderam suas economias e tiveram que começar do zero."
Mas, aparentemente da noite para o dia, a hiperinflação chegou ao fim.
Aparentemente.
"Os preparativos levaram alguns meses", diz Siklos.
"Eles estocaram alimentos para garantir que, quando a nova moeda fosse lançada, pelo menosalguns mercados haveria uma aparênciaabundância que levaria a pensar que a reforma era amplamente confiável".
“Também houve um esforço nas semanas que antecederam a reforma para convencer o públicoque acabaria a dependência do imposto inflacionário, que não haveria mais nenhum tipoindexação e que eles manteriam essas políticas no futuro próximo. ."
"Assim, eles conseguiram inspirar confiança suficiente no público para que o florim mantivesse seu valor . E lenta mas seguramente, a atividade econômica começou a se recuperar."
Um fator chave para restaurar essa confiança foi o retorno da reservaouro do Banco Nacional Húngaro.
"Ele havia sido retirado do país nos estágios finais da guerra para que o exército soviético não pudesse apreendê-lo. E acabou na zona da Áustria ocupada pelos Estados Unidos", diz Tomka.
"Em 1946, uma delegação do governo húngaro foi a Washingtonvisita oficial, e o presidente Truman, como um gesto para os húngaros, concordou com seu retorno total."
Sua chegada ao país foi um grande acontecimento, conforme noticiado pela Associated Press6agosto daquele ano.
"O antigo trem particularAdolf Hitler chegou aqui hoje com US$ 33 milhõesouro, todas as reservas capturadas do Banco Nacional Húngaro, para reforçar a nova estrutura financeira da Hungria."
"O carregamento22 toneladasouro, lingotes e moedas, trazido da Alemanha sob pesado esquemasegurança e sigilo militar, marcou o primeiro retornoativos monetáriosmassa a um país inimigo ."
"As autoridades húngaras expressaram profundas esperançasque a chegada do ouro, 100% intacto, salvaria a economia abaladasua nação."
Para o povo, esse aval deu credibilidade à nova moeda.
Por outro lado, o Banco Central tornou-se independente e o poderemitir cédulas foi limitado. Os bancos foram obrigados a manter reservas100%, os impostos aumentaram drasticamente, o númerofuncionários públicos foi substancialmente reduzido.
O florim tornou-se uma das moedas mais estáveis da região até a década1960.
Mas...
Em 1946 o cenário político e econômico da Hungria já estava completamente dentro da esferainfluência soviética.
“Em maio, o líder do Partido Comunista Húngaro deu ordem para clonar parcialmente o sistema stalinista para facilitar a estabilização da moeda”, diz Borhi.
“Eles começaram a tomar medidas que acabariam por levar à nacionalizaçãoempresas privadas estrangeiras e nacionais.
“Simultaneamente, foram introduzidas medidas para centralizar a economia, como um escritório que determinava o preçocada produto e uma tabela que determinava o saláriocada setor da economia.
"Portanto, tudo foi muito, muito controlado, e isso provavelmente ajudou a conter a inflação."
Então, podemos realmente lerforma confiável as estatísticasinflação?
"A resposta simples é não", diz Siklos.
"Mas acho que o sucesso inicial das reformas pode ser explicado pelo incrível conjuntopolíticas que foram introduzidas na época. Então, é claro, as coisas mudariam."
Lições?
No final, haverá alguma lição sobre como lidar com a espiral inflacionária que muitos países experimentaram?
"Um ponto comum é, primeiro, quando as condições econômicas se deterioram e os governos não têm outros recursos disponíveis, não demora muito para que a hiperinflação se instale", observa Siklos.
“A segunda lição é que se for introduzido um conjuntopolíticas que convença o públicoque o podercompra do dinheiro permanecerá estável, a inflação pode acabar rapidamente ”, acrescenta.
Tomka concorda que "a confiança do público nas instituições políticas e econômicas e, por extensão, no próprio dinheiro, é uma condição importante para a estabilidade da moeda".
“Se essa confiança evaporargrandes segmentos da sociedade, restaurá-la acarreta enormes custos econômicos e sociais”.
*Este artigo é baseado no episódio "Quando o dinheiro morreu: a pior inflação do mundo" da série da BBC "The Forum". Se você quiser ouvi- lo, clique aqui
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