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Como 'O Senhor dos Anéis' virou 'bíblia' da direita na Itália:roleta para treinar
Poderia ser mais um casoroleta para treinarum museu que se abre para apresentar atrações populares e que transitam por diferentes meios — como, no caso, o universo do escritor e seus livros.
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Mas o fato da primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, ter diversas vezes expressadoroleta para treinaradmiração por Tolkien gerou questionamentos sobre a motivação da mostra no museu público, mantido pelo governo nacional.
Meloni é a principal liderança do Fratelli d’Italia, partido nacionalista e conservador.
Na origem do partidoroleta para treinardireita estão ex-membros dos extintos Partido Nacional Fascista e Partido Republicano Fascista.
A primeira-ministra já se referiu a O Senhor dos Anéis como um "livro sagrado".
Emroleta para treinarautobiografia, Meloni relatou que, quando jovem, ela e outros ativistas do Movimento Social Italiano — fundado por veteranos fascistas — vestiam-se como os personagens da sagaroleta para treinarTolkien para alguns eventos.
Em 22roleta para treinarsetembroroleta para treinar2022, no último evento da campanha que levaria Meloni ao posto máximo da política italiana, o ator Pino Insegno, dublador do personagem Aragorn na versão italiana da trilogia cinematográfica O Senhor dos Anéis, foi quem deu as boas-vindas a ela.
O ator fez um discurso adaptadoroleta para treinarfalas do personagem Aragorn.
Mas a admiração da obraroleta para treinarTolkien pela direita italiana não éroleta para treinaragora e nem começou com Meloni: a tendência tem origem na décadaroleta para treinar1970 e foi retomada na última década. Por quê?
Discurso do 'nós contra eles'
Muitos acreditam que a identificação da direita radical com a obraroleta para treinarTolkien tenha se dadoroleta para treinarmodo muito mais forte na Itália por conta da primeira traduçãoroleta para treinarO Senhor dos Anéis publicada lá.
Na edição, coube ao filósofo e ensaista Elémire Zolla (1926-2002) a missãoroleta para treinarescrever o prefácio.
Zolla não era um fascista, masroleta para treinarobra, conservadora e apegada a antigas tradições, eraroleta para treinaralguma forma próxima à corrente ideológica dessa nova direita italiana.
Em seu texto, Zolla planta algumas sementes. Ele propõe uma leitura simbólica da obraroleta para treinarTolkien, analisando a lutaroleta para treinarFrodo e seus companheiros contra as forças obscuras como um embate entre o progresso e a tradição identitária.
Hoje deputado pelo Fratelli d'Italia, o político Basilio Catanoso declarou à imprensaroleta para treinar2002 que o sucessoroleta para treinarO Senhor dos Anéis, cujo primeiro filme acabararoleta para treinarser lançado, deveria ser instrumentalizado pela direita.
"Queremos usar a oportunidade como um incrível vulcão para ajudar as pessoas a entender nossa visãoroleta para treinarmundo", afirmou ele, que na época era líder da ala jovem do partido Alleanza Nazionale.
"Existe um profundo significado nesta obra. O Senhor dos Anéis é a batalha entre o indivíduo e a comunidade", definiu Catanoso.
Professor na Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, o antropólogo brasileiro David Nemer afirmou à BBC News Brasil que os livrosroleta para treinarTolkien se juntam a outros que foram "apropriados" pela direita radical.
"Fazem isso porque buscam uma literatura para endossar e teorizarroleta para treinarprópria existência. E nada mais convincente, para fazer isso, do que pegar autores e obras já amplamente lidos e,roleta para treinarcerta forma, aceitos na sociedade."
"Vemos eles se apropriandoroleta para treinarclássicosroleta para treinarRoma e Grécia antiga até os mais atuais, livros como 1984roleta para treinarGeorge Orwell, e O Senhor dos Anéis,roleta para treinarTolkien", analisa Nemer.
Nemer lembra da invasão do Capitólio americano,roleta para treinarjaneiroroleta para treinar2021, quando apoiadores do ex-presidente Donald Trump se manifestaram agressivamente contra a posse do seu sucessor legitimamente eleito, Joe Biden.
"Alguns usaram capacetes gregos que remetiam a obras clássicas. Eles distorcem as narrativas para reforçar um discursoroleta para treinarsalvação da raça branca contra os bárbaros", diz Nemer.
"Há sempre um discursoroleta para treinarnós contra eles. E é aí que entra a questãoroleta para treinarO Senhor dos Anéis", comenta.
Luta contra 'sistema globalista'
O Senhor dos Anéis, uma continuidade do universo inaugurado por O Hobbit, giraroleta para treinartornoroleta para treinaruma batalha contra Sauron, o Senhor das Trevas, e seus seguidores, que buscam dominar toda a Terra Média.
"Não éroleta para treinarsurpreender que eles utilizem [essa narrativa] para explicar a política do 'nós contra eles'", diz Nemer sobre os apoiadores da direita.
"O [personagem] Frodo é pequeno, frágil, totalmente oprimido pelo sistema. Na lógica deles, nós somos os hobbits lutando contra esse sistema globalista. E vamos lutar contra todas as forças do sistema para vencer o mal. Eles usam muito isso, veem esse homem comum branco como sendo o oprimido nessa nova ordem mundial, que é o globalismo", pontua o antropólogo.
O "globalismo" é um termo que vem sendo usado pela direita mundial para se referir a um posicionamento que seria contrário ao nacionalismo e ao patriotismo.
Pesquisador da obraroleta para treinarTolkien na Universidaderoleta para treinarSão Paulo (USP) e cofundador do site Valinor, especializado no assunto, o jornalista Reinaldo José Lopes analisa que as disputas retratadasroleta para treinarO Senhor dos Anéis são associadas pela direita italiana a seu desejoroleta para treinarconter a imigração.
Para ele, esse é o principal livroroleta para treinarTolkien incorporado pela direita do país.
O Hobbit, naroleta para treinaranálise, é "um livro infantil, mais ingênuo, e menos relevante" para esta interpretação política.
"[A históriaroleta para treinarO Senhor dos Anéis] Giraroleta para treinartornoroleta para treinaruma guerraroleta para treinarcivilizações,roleta para treinarpovos e até espécies inteligentes diferentes, na qual há sociedades bem estabelecidas na região ocidental da Terra Média […] que são atacadas e assediadas por um inimigo imperial, o Sauron", diz Lopes, tradutor para o mercado brasileiro dos livros do autor britânico.
"O principal elemento que leva a isso [o uso pela direita italiana] é justamente o fatoroleta para treinarenxergar a situação atual como um conflito entre o Ocidente e o resto. E esse resto estaria sob o domínioroleta para treinarum poder maligno."
"Isso mexe com o imaginário desse pessoal e muitas vezes esses povos que estão atacando são retratados com uma aparência não europeia, com pele mais escura ou pele do extremo Oriente."
Mas o tradutor frisa que, na obraroleta para treinarTolkien, "não existe, a rigor, nenhuma descrição ou afirmaçãoroleta para treinarque esses povos seriam intrinsecamente ruins ou perversos".
"O que existe é o fatoroleta para treinareles terem sido doutrinados e corrompidos. É por isso que eles atacam", diz Lopes. "É preciso forçar muito o cenário da obra ficcional para dizer que se aplica à situação atual da Europa."
Nemer diz que a direita radical italiana praticou weaponization na obraroleta para treinarTolkien — o termo,roleta para treinaringlês, seria o equivalente a instrumentalizar alguma coisaroleta para treinarforma bélica, armamentista.
"Em vida, o próprio Tolkien falou que não queria que a jornada épica do Frodo fosse interpretada como uma jornada do nosso dia a dia. Se há questões concretas, políticas, que foram materializadas na obra, ele não queria que fosse feita essa weaponization para fins específicos, para justificar ou legitimar um governo extremista", comenta o antropólogo.
Neste cenário, Nemer vê um conflitoroleta para treinarinteresse na exposição sobre a obraroleta para treinarTolkienroleta para treinarum museu estatal.
"Eles estão claramente instrumentalizando uma obra para justificar a existência desses valores da extrema direita no governo", afirma Nemer.
'Campo Hobbit'
Mas a admiração da direita italiana com a obraroleta para treinarTolkien não foi invençãoroleta para treinarMeloni.
Para entender essa conexão é preciso recuperar as ideiasroleta para treinarum teórico italiano que se tornou guru da direita contemporânea mundial: Julius Evola (1898-1974).
O controverso filósofo idealizava uma sociedade aristocrática muito próxima ao fascismo.
Emroleta para treinarobra mais conhecida, Rivolta contro il mondo moderno (em português, Revolta Contra O Mundo Moderno), o filósofo faz uma radiografia do que seria, para ele, uma Europa condenada a um declínio inexorável.
E Evola apontou duas razões para esta queda: o progresso, que afastava as pessoas das tradições; e a a miscigenação cultural.
Para Evola, a Itália havia sido entregue à retórica do progresso. E a única solução seria a recuperaçãoroleta para treinarmitos tradicionais por meio da arte, da religião e, claro, da política. Suas ideias encontraram solo fértil na juventude conservadora italiana.
Foi a mesma juventude que, nos anos 1970, ganhou dois livros para amar. Em 1970, saiu pela primeira vez O Senhor dos Anéisroleta para treinaritaliano;roleta para treinar1973, O Hobbit. Tolkien se tornou um fenômeno editorial no país.
Na analogia da direita, o anelroleta para treinarpoderroleta para treinarTolkien, adormecido, buscando o momentoroleta para treinarressurgir, era um símbolo da tradição que precisava ser recuperada.
Em 1976, jovens mulheres da direita radical italiana fundaramroleta para treinarFlorença uma revista chamada Eowyn — nome da personagem caracterizada como mulher guerreira na obraroleta para treinarTolkien.
A revista circulou até 1982.
Uma das criadoras da revista, a jornalista Flavia Perina, publicouroleta para treinar2021 um artigo a respeito da publicação.
"Em O Senhor dos Anéis há Eowyn, a princesa destinada a ficarroleta para treinarcasa para cuidar da família enquanto os homens vão para a guerra. Ela desobedece, sai vestidaroleta para treinarcavaleiro e, no auge da batalha, consegue derrubar o monstruoso líder dos exércitos inimigos", escreveu Perina no jornal online Linkiesta.
A jornalista defende que as feministasroleta para treinardireita são mais aguerridas do que asroleta para treinaresquerda e parte do pontoroleta para treinarque elas precisam lutar até para conquistar seu espaço dentro dos partidos, já que estes não as tratam automaticamente, por estatuto,roleta para treinarmodo igualitário.
Em 1977, os líderes da direita radical italiana resolveram transformar suas ideias e a admiração por Tolkienroleta para treinarum evento, que acabaria sendo chamado por detratores como a "Woodstock fascista".
Era o Campo Hobbit, um festival-acampamento com shows, debates, palestras e muita propaganda ideológica. A primeira edição ocorreu entre as colinasroleta para treinarMontesarchio, na Campania, sul da Itália. O evento ainda teria duas edições até ser descontinuadoroleta para treinar1981, por uma sérieroleta para treinardivergências entre os organizadores.
Em análise feita pelo historiador e teórico político Roger Griffin, professor na Universidaderoleta para treinarOxford Brookes, no Reino Unido, o acampamento tinha a funçãoroleta para treinar"recodificar" a linguagem utilizada pelos hippies, mas a partirroleta para treinarum outro prisma: a filosofia tradicionalistaroleta para treinarEvola.
Entre as barracas, participantes fixaram bandeiras,roleta para treinarestandartes a cruz celta. No local, foram espalhados cartazes e faixas com dizeres como "a juventude europeia luta contra a subversão comunista e a escravidão capitalista".
Os inimigos estavam declarados: os comunistas,roleta para treinarum lado; e os que haviam relegado o controle do mundo ao sistema financeiro,roleta para treinaroutro.
Tolkien era conservador?
Para o filósofo e cientista social Rocco D’Ambrosio, a apropriaçãoroleta para treinarobras por grupos políticos é comum "à direita, à esquerda e no centro".
"Aqueles sem uma tradição, aqueles com problemasroleta para treinaridentidade política e social, aqueles que desejam se apresentar com uma suposta ou real renovação tentam se apoiarroleta para treinaralgo novo ou provenienteroleta para treinaroutros mundos", afirma D’Ambrosio.
Especificamente sobre o uso da obra do britânico pela direita italiana, o filósofo diz que é algo "pouco respeitoso e altamente questionável".
"Tolkien, dizem eminentes estudiosos dele, não eraroleta para treinardireita, nemroleta para treinaresquerda: era um conservador, sim, mas contra todo totalitarismo e ditadura, tantoroleta para treinardireita quantoroleta para treinaresquerda", argumenta D'Ambrosio, professorroleta para treinarFilosofia Política na Pontifícia Universidade Gregoriana eroleta para treinarÉtica na Administração Públicaroleta para treinarcurso oferecido pela Universidaderoleta para treinarRoma La Sapienzaroleta para treinarparceria com a Autoridade Nacional Anticorrupção (Anac).
Reinaldo José Lopes endossa que, sim, o autor britânico era uma "figura muito conservadora".
"Ele era um católico tradicionalista, conservador, uma pessoa que a gente classificaria [hoje] comoroleta para treinardireita. Ao mesmo tempo, ele era libertário no sentidoroleta para treinarque sempre criticou muito o controle político do Estadoroleta para treinarmaneira geral", afirma o tradutor.
Lopes diz que Tolkien "sempre recusou muito fortemente" a ideiaroleta para treinarqueroleta para treinarobra fosse uma alegoria "com relação direta com eventos da época dele ouroleta para treinaroutras épocas".
O tradutor ressalta inclusive que isto aparece no prefácio escrito pelo autor para a segunda ediçãoroleta para treinarO Senhor dos Anéis.
"Ele dá liberdade aos leitores para aplicarem isso à realidade deles como quiserem, mas deixando claro que só queria escrever ficção, uma ficção que emocionasse e divertisse", diz.
Mas,roleta para treinaroutros escritos, Tolkien expressou-se claramente contra o nazismo e contra o apartheid, entre outros assuntos.
Sobre o primeiro, por exemplo, o autor chegou a escrever uma carta — que acabou nunca sendo enviada — quando foi cogitada a publicação alemãroleta para treinarO Hobbit.
Em 1938, Tolkien escreveu a editores alemães: "[...] Se devo deduzir que os senhores estão me perguntando se eu souroleta para treinarorigem judaica, só posso responder que lamento o fatoroleta para treinarque aparentemente não possuo antepassados deste povo talentoso."
Em outra carta,roleta para treinar1941, Tolkien escreveu ao filho que um "tampinha ignorante chamado Adolf Hitler" estava "arruinando, pervertendo, fazendo mau uso e tornando para sempre amaldiçoado aquele nobre espírito setentrional (do Norte), uma contribuição suprema para a Europa, que eu sempre amei e tentei apresentar sobroleta para treinarverdadeira luz".
Nessa correspondência, o escritor britânico estava falandoroleta para treinaruma ideologia que ele apelidavaroleta para treinar"teoria da coragem do Norte", presente na literatura medievalroleta para treinarlíngua germânica da Europa.
Essa ideologia, na interpretaçãoroleta para treinarTolkien, as forças do mal estão destinadas a triunfar e destruir os deuses e os heróis. Mas isso não impediria que o lado do bem continue lutando até o fim, para que haja uma esperançaroleta para treinarrecriação do mundo depois deles.
Essa crença no valor da coragem independentemente do resultado seria a "contribuição" — palavra usada por Tolkien na carta ao filho — da "teoria da coragem do Norte" à Europa.
Já o curador Oronzo Cilli da exposição na Itália afirma que a obraroleta para treinarTolkien não virou simbólica apenas para a direita italiana.
"Tolkien se tornou uma referência para a extrema direita inglesa, que exaltava seu espírito nórdico. E, durante anos, sob o regime soviético, a vendaroleta para treinarO Senhor dos Anéis foi proibida […] Pois era um texto que representaria Mordor [a região controlada por Sauron] como a União Soviética. Absurdo e inconcebível", pontua.
Em 2023, a agência antiterrorismo do governo britânico publicou uma relaçãoroleta para treinarobras literárias que poderiam funcionar como gatilho para atos da direita radical. O trabalhoroleta para treinarTolkien foi incluído no rol, ao ladoroleta para treinarlivrosroleta para treinarGeorge Orwell, Aldous Huxley e outros.
Cilli lembra que, quando o primeiro filme baseado na obraroleta para treinarTolkien foi lançado na Itália,roleta para treinar2001, a apropriação política parecia superada.
"Tolkien havia voltado a ser o que realmente é: um clássico da literatura", diz.
"Infelizmente, alguém quis reacender a controvérsia e proporroleta para treinarforma ainda mais absurda uma leitura políticaroleta para treinarTolkien […]. Nos últimos dez anos, isso ocorreu na Itália, como qualquer pessoa no universo tolkieniano italiano sabe muito bem."
Sobre o último capítulo controverso dessa história, Oronzo Cilli, curador da mostra Tolkien: Homem, Professor, Autor afirmou à BBC News Brasil por escrito que a Galeria Nacional já teve antes exposições “que colocam o livro no centro do palco”.
Cilli defende também que a mostraroleta para treinarhomenagem a Tolkien — descrito pelo curador como "uma das mentes mais criativas e influentes da literatura mundial" — traz vários itens visuais.
"A exposição sobre Tolkien é, pelo menosroleta para treinarparte, uma exposiçãoroleta para treinararte visual, pois inclui maisroleta para treinar100 obrasroleta para treinarartistas italianos e internacionais reonomados no mundo da ilustração", diz Cilli, autor do livro Tolkien’s Library: An Annotated Checklist.
O curador conta que, quando a exposição foi concebida, "as únicas recomendações do ministro [da Cultura Gennaro] Sangiuliano foram mostrar respeito pela memória e obraroleta para treinarTolkien".
"A escolha [do local] caiu sobre a Galeria Nacionalroleta para treinarArte Moderna porque é um museu estatal, promovido pelo Ministério da Cultura, e também porque é um espaçoroleta para treinarexposiçãoroleta para treinarRoma com grande prestígio", assegurou.
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