5 símbolos escondidos nas obrasVermeer, pintor'Moça com BrincoPérola':

Em fevereiro, o RijksmuseumAmsterdã, na Holanda, abriu suas portas para a maior retrospectiva já realizada do pintor holandês Johannes Vermeer (1632-1675), reunindo 28 dos 37 quadros existentes do artista.

A exibição é inteligente, elegante e cuidadosamente curada. Certamente, um evento único.

Mas o que chama a atençãoprimeiro lugar na mostra é a técnicapintura incrivelmente realistaVermeer, especialmenteretratação da luz — como ele dá forma e volume aos objetos e como diferentes tons da luz solar, filtrada através das vidraças e tingida pelo manto das nuvens, modificam as cores dos objetos, fazendo os tecidos parecerem brilhar.

O ponto central da obra é a silenciosa tranquilidade da mulher absorvida pela leitura.

Geraçõesamantes da arte admiraram a bela disposiçãoartefatos e a personagem humana na pintura. Mas um detalhe rompe propositadamente essa perfeita ilusão.

A cortina verde que cobre um quinto da composição está suspensa por um trilho e anéislatão. Na República Holandesa do século 17, os quadros costumavam ser cobertos com cortinas para protegê-los. Vermeer parece ter incluído essa cortina como uma ilusãoóptica, para tentar nos convencer a pegar a cortina e puxá-la.

A obra também relembra uma história famosa na história da arte, descrita na História NaturalPlínio, o Velho, publicada no ano 77 d.C.

Dois artistas, Zêuxis e Parrásio, disputaram uma competição para saber quem era o melhor pintor. Zêuxis criou uma natureza-morta, com uvas tão realistas que, quando a cobertura do quadro foi retirada, pássaros chegaram voando para comê-las. E, quando Zêuxis tentou descobrir o quadroParrásio, ficou surpreso ao perceber que a cobertura, na verdade, era pintada.

A cortinaVermeer é uma alusão a esta história bem conhecida. Ela simboliza atécnica e nos força a questionar a exploração da ilusão e da realidade pela arte.

2. O aquecedorpésA Leiteira (1658-59)

O cômodo é frio e simples, com manchasumidade na parede e uma vidraça quebrada. A criada dedica-se a uma das tarefas mais modestas que se pode imaginar: ela está fazendo pudimpão, com leite e pães velhos.

Mas o aquecedorpés no canto inferior direito transfigura inteligentemente o significado da imagem, transformando-amuito mais do que uma representação da vida diária.

Os aquecedorespés foram projetados para incluir pedaçoscarvão quente e eram colocados sob os vestidos das mulheres enquanto trabalhavamcasa nos mesesinverno. Mas, no quadroVermeer, o aquecedorpés ficafrente a um azulejo pintadoazul, ilustrando o deus do amor Cupido eflecha do desejo.

Esta combinaçãosímbolos tinha um significado específico para o público holandês do século 17. No estilo da época (a pinturagênero), os aquecedorespés simbolizavam a luxúria, já que eles aqueciam as partes mais baixas do corpo. Eles eram frequentemente exibidoscombinação com outros objetos eufemísticos, como jarros vazios, para representar a disponibilidade das criadas para o sexo.

No quadroVermeer, os símbolos da paixão estão presentes, mas tudo o mais sugere a respeitabilidade da mulher. Ela está olhando para longenós, seu corpo está envoltoroupas pesadas e ela estácostas para os símbolos lascivos, cuidando das suas tarefas domésticas.

3. A balançaMulher Segurando uma Balança (1662-64)

Uma jovem observa uma balançadois pratos atingir gradualmente o equilíbrioum cômodo silencioso, protegido por uma cortina. Os objetos sobre a mesa sugerem que ela irá começar a avaliar diversas moedas e pérolas, mas a presençaum quadro na parede diretamente atrás dela indica um desenrolar mais profundo dos fatos.

Sua cabeça obscurece a maior parte da pintura, mas a parte superior que está exposta revela Cristo no Juízo Final. Neste quadro retratado dentro do quadro, Jesus está fazendo o mesmo que a mulher – ele está pesando alguma coisa, com a diferençaque o seu trabalho é julgar as almas no Dia do Juízo.

Vermeer era muito religioso e codificou váriassuas obras com símbolosespiritualidade. A República Holandesa, onde ele viveu, era devota do protestantismo, mas ele era católico convertido. A balança pode ser uma alusão àfé, professada por uma minoria no seu país.

O fundador da CompanhiaJesus, Santo InácioLoyola (1491-1556) havia aconselhado que os bons católicos ponderassem seus pecados e suas boas ações quando rezassem: “Prefiro ser como os pratos equilibradosuma balança, pronto para seguir o curso que sentir mais apropriado para a glória e o louvor a Deus, nosso Senhor, e para a salvação da minha alma”.

Vermeer manteveconexão com os jesuítasvárias formas ao longo da vida. Acredita-se que ele tenha se casadouma igreja jesuíta perto dacidade-natalDelft, na Holanda, e até batizado um dos seus filhos com o nomeInácio,homenagem ao fundador da CompanhiaJesus.

“Vermeer era fascinado pelo catolicismo”, conta Pieter Roelofs. “Ele tinha pelo menos sete filhas e os quadros que ele criava podem ter funcionado como uma espécieexemplo para suas próprias filhascasa.”

4. O tecidoMoça com BrincoPérola (1664-67)

O quadro Moça com BrincoPérola parece outra imagemum momento natural e passageiro. A obra é um exemplotronie — um gêneroarte holandês que mostrava um personagem sem nomeuma roupa interessante.

O lenço na cabeça tenta mostrar a moça como uma personagem antiga ou exótica epérola pretende transmitir pureza espiritual ou beleza terrena. Seu casaco é feitoum tecido multicor, que parece ser cinza ou azul nas áreassombra e dourado com iluminação direta.

Na épocaVermeer, a representaçãomaterial fino erainteresse especial para os colecionadores, que avaliavam os pintores pelacapacidadeevocá-lo na arte. O paiVermeer trabalhou no comérciotecidos, o que ofereceu ao artista uma compreensão inicial da beleza e do significado dos preciosos panos.

Vermeer é conhecido por usar a linguagem simbólica da arte definida no livroalegorias do escritor italiano Cesare Ripa, Iconologia, que foi traduzido para o holandês1644. No livro, a figuraPittura — “Pintura” — é representada com uma roupaseda com cores que mudamfunção da luz.

A modeloVermeer também é enfeitada com as três cores primárias que formam a base do materialpintura — lábios vermelhos e roupascor amarela e azul.

No quadroVermeer, a jovem — pintada com a boca aberta e olhando diretamente para nós, para aumentar nosso desejo — estálado, com se fosse desaparecer no escuro.

Seria ela uma representação da própria arte, com seus ideaisperfeição tentadores, sempre fora do nosso alcance?

5. A esferavidroA Alegoria da Fé (1670-74)

A fé religiosaVermeer é expressaforma mais contundente naúltima pintura alegórica, A Alegoria da Fé.

A personagem principal é uma personificação do catolicismo. Sua aparência e seus gestos são novamente retirados da Iconologia,Cesare Ripa, desta vezuma figura que indica a “Fé”.

Mas a esferavidro acima dacabeça não está no livroRipa. Os estudiosos levaram décadas para descobrir o seu significado.

Em 1975, o historiador da arte EddyJongh descobriu o símbolo, representado exatamente da mesma forma que na Alegoria da Fé (suspenso por uma fita),um livro intitulado Emblemas Sagrados da Fé, Esperança e Caridade, do padre jesuíta flamengo Willem Hesius (1601-1690). O símbolo era acompanhadouma frase: “ela captura o que não pode reter”.

Um versículo no livro explica que a esfera é como a mente humana. Nos seus reflexos panorâmicos, “o vasto universo pode ser exibidoalgo pequeno”.

E, da mesma forma, “se você acreditarDeus, nada pode ser maior que aquela mente”. A esfera simboliza a interação da mente com Deus.

Pode-se acrescentar que todos os quadrosVermeer são como a esfera. Eles capturam ideias e eventos passageiros sobre suas superfícies planas e os retêm para a posteridade.

Apesar datécnica excepcionalcapturar a realidadetodos os seus quadros, Vermeer teve muito pouco sucesso ao longo da vida. Ele criou cercadois quadros por ano e o pouco dinheiro que ganhava com eles era insuficiente para que pudesse viver apenas da pintura.

Talvezarte seja ainda mais atraente para nós, no frenético século 21, porque ela oferece uma sensação únicacalma. Nas cenasVermeer, o tempo parece congelar na luz do sol cristalina e o silêncio cai como uma pesada cortina.

Mas um mundo exuberantesímbolos pulsa sob a superfície: ideias relevantes e perenes sobre a arte, o desejo, o materialismo e a espiritualidade, capturadas por Vermeer e esperando pacientemente peladescoberta.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.

- Este texto foi originalmente publicadohttp://vesser.net/articles/cy6j483np95o