'Meu deus, eles estão aqui': o massacre do Hamas capturadoum grupoWhatsAppmãesIsrael:

Combatentes do Hamas haviam dado início ao que seria um dia inteiroangústia naquele kibbutz (comunidade coletiva) no sulIsrael. As mulheres do grupo passariam as 20 horas seguintes compartilhando seu horror, descrença e mensagens tranquilizadoras pelo aplicativo, enquanto os integrantes percorriam a vizinhança, matando os moradores a tiros e incendiando as casas.

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Escondidasquartos secretos, essas mulheres – algumas delas, com suas famílias – descreveram os gritos e explosões que vinham do ladofora. Elas contavam umas às outras onde estavam os homens do Hamas, divulgavam instruções sobre como lidar com a fumaça que invadia seus quartos e pediam ajuda repetidamente.

E,alguns casos, essa ajuda nunca chegou.

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À medida que as horas se passavam, elas faziam perguntas. Onde está o Exército? Por que a ajuda está demorando tanto? Alguém pode, por favor, procurar a minha mãe? Como tranco meu quarto seguro? Devemos abrir a porta para um homem que afirma ser um soldado?"

Em dado momento, alguém mudou o nome do grupo para "MãesBe'eri – Emergência".

As conversas do grupo foram compartilhadas com a BBC por uma mulher indicada pela comunidade para falar à imprensa após os ataques. Ela é uma das mães do grupo e compartilhou os detalhes para nos mostrar como foi o desenrolar daquele diaterror – e como aquele grupo foi a tábuasalvação daquelas mulheres nas horas mais desesperadoras das suas vidas (que,muitos casos, foram também as últimas).

Nós não conseguimos buscar a permissãotodas as 200 mulheres que faziam parte daquele grupo. Mas três delas concordaramnos contar suas históriasdetalhes. E mantivemos todas as outras trocasmensagensforma anônima, com o cuidadogarantir que nenhuma delas possa ser identificada, protegendoprivacidade.

Algumas das participantes do grupo não foram encontradas e provavelmente estão mortas ou desaparecidas. As sobreviventes estimam que cerca100 pessoas foram mortas e muitas foram capturadas como reféns.

Minuto a minuto, o chat reveladetalhes inéditos como o Hamas perseguiu, assassinou e queimou pessoas nas suas próprias casas, indo e voltando, repetidamente. É uma percepção do sentimento que varreu o sulIsrael enquanto os combatentes do Hamas cruzavam a fronteira e devastavam dezenascomunidades.

Ele mostra como os moradores sobreviveram e se ajudaram. E também documenta, minuto a minuto, o desespero cada vez maior das pessoas, à medida ficava claro que elas não seriam resgatadas rapidamente pelo Estado israelense.

Como tudo começou

Dafna Gerster tem 39 anos. Ela havia vindo da Alemanha e passou a noitesexta-feira no kibbutz onde ela cresceu.

Eles se reuniram na casa do seu pai e jogaram o jogotabuleiro Camel Up até altas horas da noite, quando ela e seu marido dormiram no apartamento do irmão dela, perto dali.

Eles sabiam que o dia seguinte era um sábado, o diadescanso dos judeus, quando as famílias poderiam se reunir novamente.

A comunidade fica ao lado da fronteira com a FaixaGaza. Por isso, eles estão acostumados com mísseis.

Mas, quando Gerster acordou com o barulho dos foguetes às 6h30, ela imediatamente soube que algo estava diferente.

Legenda da foto, Dafna Gerster (centro) mora na Alemanha e estava visitando Israel. Ela estava hospedada com seu irmão (esq.) quando o Hamas atacou o kibbutz.

"Normalmente, você ouve um alarme e um disparo do [sistemadefesa antimísseisIsrael] DomoFerro. Desta vez, não houve alarme e foi muito alto. É um som que não conseguimos identificar", relembra ela.

"Fui até o quarto do meu irmão e perguntei: 'o que é isso?'"

Como as outras pessoas do kibbutz, eles correram até o quarto seguro – um quarto feitoconcreto reforçado com portasaço herméticas e janelas projetadas para suportar ataquesmísseis.

Mas logo ficou evidente que os mísseis não eram a única ameaça. Surgiu no grupoWhatsApp a notíciaque alguém havia sido alvejado e que havia homens armados nas ruas.

Imagens do circuito fechadoTV, verificadas pela BBC, mostram um pequeno grupo do Hamas chegando ao portão do kibbutz antes das seis horas da manhã.

Um carro chega, o portão se abre e os homens do Hamas correm para dentro depoismatarem os ocupantes do veículo. Um vídeoalguns minutos depois mostra os mesmos dois integrantes do Hamas atravessando uma praça, carregando suas armas.

Ao mesmo tempoque as primeiras mensagens começaram a ser compartilhadas no grupoWhatsApp, as imagens gravadas pela câmera mostram três motocicletas, cada uma com dois homens do Hamas fortemente armados, deixando a área pelo mesmo portão.

Outro vídeo mostra os integrantes no kibbutz às 9h05, três horas depois que eles entraram pela primeira vez. Nele, aparece o mesmo carro alvejado na primeira imagem, com pelo menos um corpo que foi arrastado e estirado na rua.

Legenda do vídeo, Por que Hamas decidiu atacar Israel agora?

Por todo o kibbutz, a comunidade se escondeu nos seus quartos seguros. E a sensaçãopavor no grupo aumentou quando muitas pessoas começaram a ter dificuldade para trancar as portas dos quartos.

"Como se faz uma travaemergência? Como sabemos se ela realmente está trancada?", alguém perguntou.

"Você consegue trancar o quarto seguro?", perguntou outra pessoa.

"Contra mísseis, sim, mas contra terroristas, não."

Imagens com instruções para trancar as portas foram compartilhadas no grupoWhatsApp. Mas as pessoas que não conseguiam trancá-las temiam que o Hamas pudesse simplesmente entrar nos quartos.

Os sons do ladofora

Na casaMichal Pinyan,44 anos, seu marido havia saído do quarto seguro para trancar a frente da casa. Foi quando a família ouviu gritosárabe no ladofora, seguidos por tiros.

Depoiscorrervolta para o quarto seguro, o maridoPinyan construiu um dispositivotrava com cordas e um tacobasebol, que ele ficou segurando pelas quase 19 horas que eles passaram no quarto.

No silêncio assustador dos quartos seguros, as pessoas não se arriscavam a gritar, mas digitavam freneticamente. Pinyan acompanhava o fluxo das mensagens.

Elas não conseguiam ouvir o que acontecia no ladofora, exceto pelos sons abafados através das espessas paredes. Mas, do pouco que conseguiam entender, elas tentavamconjunto compreender o que estava acontecendo.

As pessoas compartilhavam mensagens"batidas frenéticas" na porta enquanto os combatentes iamcasacasa.

"Não são batidas, são tiros", alguém disse.

Durante a primeira hora do ataque, as pessoas contavam ao grupo que conseguiam ouvir os tiros na vizinhança ou forauma casa específica. As respostas eram inevitáveis: "também ouvimos".

"Entendemos que não era um único terrorista, era um ataquemassa", conta Pinyan. "De cada canto do kibbutz, nós ouvíamos 'eles estão aqui, eles estão aqui'. Eles estavamtodos os lados ao mesmo tempo."

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Ambulância transporta feridos para hospitalTel Aviv, após uma incursão do Hamas nos assentamentos israelenses ao redor da FaixaGaza

À medida que ficava clara a escala do ataque, postagens temerosas e frustradas invadiram o grupo, perguntando quando chegaria o exército – e por que ainda não estava por lá.

"Você consegue ouvir os tiros por perto. Espero que seja o primeiro esquadrãoresgate atirando", escreveu uma mulher. Ela se referia a uma pequena unidade do kibbutz que reage a alertasintrusos antesentregar os trabalhos para os militares.

O irmãoGerster, Eitan Hadad, fazia parte daquela unidade e correu para ajudar, deixando o casal no quarto seguro. Mas aquela seria a última vezque ele seria visto.

"Ele saiu e nós ficamos no quarto seguro", ela conta. "Foi simplesmente um horror."

"Você não sabia o que estava acontecendo, você só ouvia os tiros a todo momento, bombas e lutas. E não parava por um minuto."

A unidaderesgatecerca10 pessoas claramente não foi páreo para os integrantes do Hamas.

No WhatsApp, as pessoas relatavam cada vez mais tiros e homens falando árabe no ladofora. Os apelos desesperados por ajuda ficaram mais frequentes.

"Estoucasa sozinha e muito assustada", escreveu uma moradora.

Em outro ponto do kibbutz, Shir Gutentag estava tentando confortar calmamente suas filhasoito e cinco anosidade, enquanto acompanhava as mensagens no WhatsApp sem acreditar no que lia.

"Primeiro, quando percebi que havia terroristas no kibbutz, fiquei abalada", ela conta. "Fiqueichoque. Mas logo disse para mim mesma, 'você precisa ficar calma', porque elas estão olhando para mim, minhas filhas, vendo minhas reações e começando a ficarpânico."

"Então, disse a elas que estava tudo bem. Tudo iria ficar bem", relembra ela.

Já haviam se passado horas desde o início do ataque e a crise só piorava. O Hamas invadia as casas das pessoas e ameaçava os quartos seguros. Enquanto isso, os membros do grupoWhatsApp imploravam por ajuda.

'Seu pai não está bem'

Pinyan lia os pedidosajuda e enviava mensagens parafamília,um grupo separado no WhatsApp. Ela compartilhou com a BBC o conteúdo daquele grupo, que mostra uma percepção assustadora do desespero da família enquanto detalhava o ataque do Hamastempo real.

Por volta das 9h30, a mãePinyan escreveu no grupo da família que estava ouvindo vozesárabe foracasa. Quinze minutos depois, outra mensagem confirmou que o paiPinyan havia sido ferido.

Crédito, Getty Images

Pinyan havia tentado ficarsilêncio no seu quarto seguro até então. Mas ela simplesmente não conseguiu permanecer quieta e ligou paramãe, que atendeu o telefone sussurrando.

"Eles estão aqui, eles atiraram no seu pai, ele não está bem", ela disse. "E,seguida, ela desligou", segundo Pinyan.

Sua mãe continuou escrevendo no grupo da família: "socorro, socorro".

Os combatentes do Hamas usaram uma arma para arrombar a porta do quarto seguro e atiraram no paiMichal Pinyan quando ele tentou revidar. Em seguida, eles atiraram granadas.

Sua mãe escreveu um apelo final por socorro às 10h15. A partir dali, ela não respondeu mais às mensagens dos filhos. Ela também havia sido morta.

Legenda da foto, Os paisMichal Pinyan foram mortos durante o ataque do Hamas7outubro.

Enquanto seus pais estavam sendo atacados, Pinyan enviava mensagens desesperadamente no grupo das mães, pedindo que alguém os ajudasse. Ela continuaria postando mensagens por todo o dia, na esperançaque,alguma forma, eles houvessem sobrevivido.

E ela não foi a única. Outras pessoas continuavam implorando para que alguém, qualquer pessoa, procurasse pelos seus pais, amigos, primos.

Mas ninguém conseguia. Todos estavam na mesma situação,barricadas nos seus próprios quartos seguros.

Casas incendiadas

As armas do Hamas eram pistolas e granadas, mas eles também incendiaram casas.

"Toda a casa é só fumaça", escreveu uma moradora. "O que devo fazer? Digam-me o que fazer."

"Temos fogo dentro do quarto seguro", "a janela do quarto seguro está toda preta", diziam outras mensagens.

Na rua mais próxima à FaixaGaza, a casa do paiDafna Gerster, Meir Hadad, estava sendo queimada. Hadad é portadornecessidades especiais.

No seu grupo da família, a cuidadoraHadad, Bhing Sol, filipina52 anos, implorava aos seus filhos que buscassem socorro.

"Eles estão aqui", escreveu ela, referindo-se ao Hamas,uma mensagem às 9h44.

"Está cheioterroristas", escreveu Sol mais tarde. Ela disse que eles pilharam a casa antesatear fogo.

"O quarto seguro estava cheiofumaça", ela conta. "Continuei pedindo a todos que nos ajudassem porque nós poderíamos ser queimados vivos. Mas ninguém podia nos ajudar porque todos estavam apavorados."

No grupo das mães, outras pessoas também pediram ajuda para Meir.

Como pouca coisa poderia ser feita para atender a todos os apelos, elas ofereciam sugestões práticas umas às outras – pequenas dicassobrevivência doméstica que as ajudassem e, talvez, até salvassem suas vidas, nos momentosque elas estivessem mais indefesas.

Este era o espírito do grupoWhatsApp, não só naquele dia, mas ao longo dos seus anosexistência. Era um lugar onde as mulheres podiam desabafar, oferecer conselhos e apoiar-se mutuamente.

"Toda a casa está cheiafumaça, o que devo fazer?", perguntou alguém. "Tente colocar um pano úmido sobre o rosto. Ou urina", respondeu outra moradora.

Em outra trocamensagens, uma moradora escreveu: "não consigo respirar dentrocasa, acho que há um incêndio, socorro, urgente".

"Fique no quarto seguro e não saia, coloque um pedaçopano sobre o nariz", respondeu uma vizinha.

Enquanto a esposa e os filhosGolan Abidbol (de 44 anos) se abrigavam no quarto seguro da família, ele se pôs na cozinha com uma arma, enquanto via os membros do Hamas atirarem um coquetel molotovoutro prédio.

Enquanto ele assistia, ele viu uma família saltar da janela do segundo andar e correr para o quarto seguro do vizinho.

Legenda da foto, Golan Abidbol (embaixo, à direita), montou guarda na cozinha enquantofamília se escondia no quarto seguro

"Foi uma injeçãoadrenalina", ele conta. "Se alguém entrasse na minha casa, eu teria a luta da minha vida."

"Mandei fotos para o vizinhobaixo porque a casa dele começou a pegar fogo", prossegue ele. "Eu disse: 'agora. Não vejo ninguém. É uma boa hora.' Ele então saiu para o abrigooutro vizinho."

Abidbol conta que esta é a "essência do kibbutz".

"Somos uma grande família", afirma ele. "Se precisarmos abrir a porta quando há terroristas no ladofora e deixar os vizinhos entrarem para que eles sobrevivam, nós abrimos. Ninguém sequer hesitou."

Perto do meio-dia, dois ou três homens tentaram entrar na casaAbidbol. Ele puxou o gatilho.

"Eles incendiaram a casa e saíram", ele conta. "Não sei por que eles decidiram fazer aquilo, mas eles saíram e não me enfrentaram mais."

Ao mesmo tempo, mensagens devastadoras continuaram a mostrar no grupo que o Hamas estava invadindo as casas e tentando entrar nos quartos seguros.

"Disparos na porta do nosso quarto seguro", dizia uma mensagem. "Socorrooo. Qualquer um."

Enquanto isso, na casa incendiadaBhing Sol e Meir Haddad, integrantes haviam começado a atirar no quarto seguro, que se encheufumaça.

Legenda da foto, A casaMeir Hadad (esq.) e Bhing Sol foi incendiada

"Assumi o risco e abri a janela do quarto seguro, pensando que o ar iria entrar, mesmo por um espaço pequeno", conta Sol.

"Eles continuaram lançando bombas, granadas ou algo assim, dentrocasa. Eu sabia que ela estava queimando porque a porta estava quente como fogo", segundo ela. "Mas continuei segurando a porta com um cobertor porque eu não sabia se eles conseguiriam abrir a porta."

Sol relata que, mais tarde, ocorreu um milagre: uma rachadura se formou no teto do quarto e a água começou a pingar sobre a cabeçaHadad. Ela apertou as bochechasalegria quando as primeiras gotas caíram e ela esfregou as mãos sobre o rosto.

Enquanto esperavam, Sol e Hadad conseguiam ouvir reféns sendo levadosdireção à FaixaGaza.

"Ouvi muitas pessoas que foram levadas para fora. Depois, ouvi gritos e o Hamas rindo e comemorando que havia capturado alguém", conta Sol.

A primeira referência no grupo das mães a alguém sequestrado surgiu às 12h09.

A BBC verificou as filmagens daquele dia, que mostram integrantes do Hamas conduzindo cinco reféns, incluindo uma idosa, pela rua no kibbutz Be'eri. Não sabemos o horário daquelas imagens.

Israel afirma que, ao todo, cerca150 pessoas foram raptadas e levadas para a FaixaGaza. Não se sabe quantas delas vieram do kibbutz Be'eri.

À esperasocorro

Enquanto algumas pessoas eram levadas embora pelo Hamas, outras se perguntavam quando chegaria o exército.

Shir Gutentag lia as mensagens enquanto tentava confortar suas filhas, colocando continuamente uma das mãos sobre cada uma delas.

"Ouvi mensagensvoz terríveis", ela conta. "Houve uma mulher que disse quebebê estava morta. Ela gritava, pedindo ajuda."

"Outra viumãe ser morta e estava esperando há horas no quarto seguro, sussurrando para pedir ajuda, dizendo 'salve-me, não quero morrer'."

Outras mensagens no grupoWhatsApp contam ferimentos horríveis, incluindo um familiar sangrando, com uma ferida enorme.

Existem muitas mensagens naquele chat. Algumas descrevem ferimentos, mas não conseguimos determinar o destinotodas as participantes do grupo.

Enquanto esperavam pela chegada dos soldados israelenses, sentadas nos quartos seguros, as moradoras do kibbutz continuavam a apoiar umas às outras.

Gutentag fez ligações silenciosas para as vizinhas que postavam mensagens expondoangústia, dizendo "respire comigo".

"Postei muitas mensagensincentivo: tenho certezaque o exército está aí, tenho certezaque eles estão chegando, tenha paciência, respire", ela conta. Outras pessoas do grupo fizeram o mesmo.

Em uma trocamensagens, alguém perguntou: "alguém pode dizer alguma coisa para nos acalmar?" Foi questãosegundos até que uma vizinha respondesse "eu posso" e descrevesse como o exército iria lidar com a questão.

Perto das 15 horas, Gutentag recebeu uma ligaçãovizinhos pedindo para ir para acasa porque a deles estava cheiafumaça.

Ela correu para a porta da frente e começou a desfazer uma pilhamóveis que ela havia colocado contra a porta, para impedir que alguém entrasse. Ela então deixou a famíliaquatro pessoas passar, levando-os para o quarto seguro antesmontar novamente a barricada.

Poucos minutos depois, outra mulher entroucontato pedindo para entrar e Gutentag conduziu novamente o mesmo processo.

Enquantofamília aguardava o resgate que elas não tinham certeza se iria acontecer, Michal Pinyan conta que colocava as mãos sobre seus três filhos e "dava beijinhos, massilêncio".

Uma mensagem no grupo do WhatsApp ofereceu conselhos sobre como manter as crianças calmas. A mensagem dizia que o medo é normal e aconselhava a acalmar as crianças com um abraço.

A chegada das forçassegurança

À tarde, as atualizações compartilhadas no grupo indicavam que os soldados das ForçasDefesaIsrael (IDF, na siglainglês) haviam chegado e começavam a avançar.

"Os soldados, agora, estão lutando... mais dois batalhões estão a caminho", dizia uma mensagem, enviada pouco depois das 15h30.

As pessoas continuavam a postar seus endereços, na esperançaque alguém viesse salvá-las. Elas acrescentavam informações rápidas, como "terroristas escondidos".

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, O grupo palestino Hamas realizou um ataque surpresa no sulIsrael nas primeiras horas deste sábado (7/10)

Mas a confusão continuava a dominar a todos e ninguém parecia saber quantos soldados haviam chegado, nem se eles vinhamum grupo organizadocondiçõescontrolar a situação.

As pessoas relataram ouvir gritos"IDF, IDF!" no ladofora, mas não sabiam se podiam confiar no barulho. Talvez fosse o Hamas disfarçado para tentar fazer os moradores abrirem suas portas.

Abidbol continuavapé comarma na cozinha. Ele conta que conseguia ver os homens do Hamas com granadas, gritando "IDF, IDF".

"Enviei mensagens para os vizinhos dizendo que eu não achava que fosse a IDF", ele conta. "Eles tinham sotaque e não estavam adequadamente vestidos – estavamuniforme, mas não estavam vestidos direito."

Esta mensagem também foi compartilhada no grupo. "Eles também se disfarçaramsoldados, não atendam ninguém do ladofora", dizia uma das mensagens.

A evacuação

À medida que a noite se aproximava, as mensagens começaram a trazer mais esperança.

Os sons ouvidos pelas pessoas nos seus quartos seguros eram diferentes. Muitos começaram a ouvir mais vozes falandohebraico.

Eles haviam esperado por socorro quase um dia inteiro.

Em uma das primeiras mensagens no grupo, uma das participantes disse às pessoas que não se preocupassem e que elas não precisavam do exército. Tudo estaria resolvidobreve.

Mas, poucos minutos depois, as pessoas estavam implorando pela chegada dos soldados.

Agora que a ajuda finalmente havia chegado, os moradores tentavam coordenar com os soldados os locais para onde as tropas das IDF deveriam ser enviadas para lutar.

Crédito, Twitter

Legenda da foto, Israelenses sob o controlehomens do Hamas na comunidade Be'eri

"Quem precisaajuda e onde? Mandem as localizações das casas", escreveu alguém.

Pouco antes das 18 horas, circulou uma mensagem dizendo que as principais forças do exército estavam cuidando do incidente.

"Até agora, vocês foram incríveis e corajosos. Permaneçam nos quartos seguros e o incidente irá terminar. Todos estão cientes da situação e as informações estão chegando a todo momento", dizia a mensagem.

Foi perto desse horário que Bhing Sol e Meir Hadad foram resgatados do seu quarto seguro.

A casa àvolta, onde a família estava reunidatorno do jogotabuleiro na noite anterior, agora eram cinzas. Mas,alguma foram, eles sobreviveram, presosum quarto minúsculo, enquanto todos os seus pertences queimavam.

Sol olhou para trás enquanto eles saíam escoltados pelos soldados. Pelo celular, ela tirou uma foto do que sobrou dacasa.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Médicos empurram um homem ferido na entradaemergência do hospital Ichilov,Tel Aviv, após uma incursão do Hamas nos assentamentos israelenses ao redor da FaixaGaza

De volta ao grupo, uma mensagem enviada às 18h08 dizia: "estão começando um processoevacuação". Esta postagem foi seguida pelas primeiras mensagenspessoas contando que haviam sido salvas.

Mas o processo foi lento. Muitas continuaram a pedir ajuda noite adentro.

"Muitas balas também por aqui. Não para. Por favor, eles estão aqui", disse uma mensagem enviada pouco depois das 19 horas.

Os militares chegaram ao apartamento do irmãoGerster às 20 horas, dizendo a ela e ao seu marido que eles seriam resgatadosuma hora.

Participantes do grupo das mães começaram a compartilhar as senhas que os soldados iriam fornecer para que os moradores pudessem confirmar que eram realmente eles. As pessoas continuavam preocupadas se, na verdade, não seria o Hamas tentando entrar nas suas casas.

Enquanto isso, o som dos disparos prosseguia. Eles foram informados que não havia acabado, mas, como eles haviam passado o dia inteiro sem ver nada, mas ouvindo tudo, a sensação era que eles não conseguiam diferenciar nada, nem confiarninguém.

"Eles não estão dizendo a senha, ajudem", escreveu uma moradora.

Legenda da foto, Antes e depois: casaMeir queimada pelo Hamas

Quando os militares chegaram à casaMichal Pinyan, ela inicialmente se recusou a abrir a porta. Uma das pessoas da unidadeemergência do kibbutz ligou para o maridoPinyan, para ter certezaque realmente eram as IDF.

"Eles disseram que eles iriam voltando e gritar", conta ela. "E ele disse a eles que gritassem o nosso nome e eles abririam."

Os soldados formaram um círculovolta da família e do cachorroestimação. E os escoltaram para fora do kibbutz.

"Eles nos disseram 'vamos sairsilêncio e,algum momento, vocês irão precisar cobrir os olhos dos seus filhos, pois existem muitos corpos no ladofora'."

"Então, nós andamos, com o cachorro e ele, realmente, estava muito calmo. Levamos, eu acho, 15 minutos para sair do kibbutz até onde eles reuniram todas as pessoas. Os soldados visitaram todas as famílias desta forma, então levou muito tempo."

Pinyan cobriu os olhos das crianças, mas manteve os seus abertos.

"Eu queria olhar", relembra ela. "Vi corpos. Meu marido disse que viu corpospessoas do kibbutz, mas eu vi corposterroristas."

Outras pessoas não conseguiam olhar para os restos dacomunidade. "Eu olhava para baixo", conta Gutentag. "Acho que isso salvou a minha alma."

Enquanto eles esperavam para serem levados embora, um atirador abriu fogo perto deles. Aquilo ainda não havia acabado.

Os moradores foram levadoscaminhões do exército para uma cidade próxima, antesserem transportados para um hotel no Mar Morto.

Dafna Gerster viu os militares pela primeira vez às 20 horas, mas só foi resgatada depoisuma hora da manhã. Ela havia passado as últimas 19 horasum estadotensão e horror tão grande que não havia se preocupado muito com seu irmão.

Ela descobriu que ele morreu lutando. E não foi o único.

Uma mulher postou às 10 horas que integrantes do Hamas estavam dentro dacasa e fez repetidos pedidosajuda por toda a manhã. Ela ficousilêncio por boa parte da tarde, até enviar uma enxurradapostagens perto das 17 horas.

A primeira mensagem foivoz, um sussurro devastador: "precisoajuda".

Outras pessoas responderam que ela permanecesse ali.

Às 18 horas, ela postounovo: "precisamos ser evacuados".

Estas foram as últimas mensagens daquela mulher observadas pela BBC no grupoWhatsApp. Seus amigos afirmam que ela deve estar morta ou ter sido capturada.

Os moradores do kibbutz agora relembram a vida que tinham antes daquela primeira mensagem que dizia "Deus nos livre" – um tempoque aquela comunidade, para eles, era um paraíso.

Eles descrevem um belo cenário, uma comunidademães e amigos que confiavam uns nos outros e cuidavam dos seus vizinhos.

Os sobreviventes afirmam que estão reunindo forças com acomunidade desfeita, mas não conseguem esquecer aqueles que perderam.

"Eles são nossos amigos, são nossa família, são tudo para nós", lamenta Golan Abidbol. "Nós os conhecemos. Eles fizeram parte das nossas vidas desde que nascemos e os queremosvolta."

Os moradores passaram décadas construindo uma comunidade no kibbutz Be'eri. Para eles, parecia algo indestrutível. Agora, muitos não sabem para onde ir e o que fazer.

"Não sei nem mesmo se teremos uma casa para onde ir depois disso", lamenta Gerster. "Vivíamos na ilusãoque estávamos seguros."

* Com tradução das mensagens originaisShaina Oppenheimer, Jonathan Beck, Liora Schurr e Jonathan Shamir, entre outros.

Design e visualizaçãoTural Ahmedzade e Joy Roxas.

Verificação pela equipe BBC Verify.

Edição: Samuel Horti.