Os candidatos a prefeito que usam propostas idênticasplanosgoverno: "Nada se cria, tudo se copia":
Uma análisetextocerca15 mil propostascandidatos a prefeitotodo o país feita pela BBC News Brasil revela informações genéricas, muitas vezes reutilizadas na íntegra, palavra a palavra,outros documentos.
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Não há uma única fonte primária: há textos que foram usadoseleições anteriores por outros candidatos, textos compartilhados entre colegaspartido, partes extraídasguiascomo fazer um plano, diretrizes genéricas dadas pelos partidos, dentre outros casos.
Os arquivos foram obtidos pela BBC News Brasil diretamente do site do Tribunal Superior Eleitoral e transformadosum único documento, para facilitar as análises - cerca5% dos planos foram descartados por não estaremum formato legível por máquina (como imagens). Havia ainda 300 pessoas que não tinham nenhum documento protocolocado no site do tribunal.
Apresentar um planogoverno é um requisito obrigatório para qualquer pessoa se candidatar a cargos eletivos no Brasil, segundo a lei eleitoral. Mas não há nenhuma regra específica sobre como esses planos devem ser elaborados e nem mesmo sobre como serão executados, se a pessoa for eleita.
Na prática, isso resultapropostasgovernotodo o tipo: há arquivos apresentadosformaimagem ou slides, arquivos com centenaspáginas e outros com apenas uma.
O candidato do PL a prefeitoAparecida (interiorSão Paulo), Zé Louquinho, por exemplo, apresentou talvez a proposta mais sucinta das eleições: "As principais propostas e metas da coligação Aparecida é Nossa História são Saúde, Educação, Emprego, Segurança e Meio Ambiente", texto que aparece na primeira e única página do projeto. Ele não respondeu ao pedidoentrevista.
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Uma pesquisa no Google por "Um planogoverno eficaz deve ir além da sugestãopropostas", por exemplo, exibirá programascandidatosvárias cidades e Estados. Isto porque mais700 candidatos a utilizaram na introduçãoseus planos só neste ano. A frase também já foi usadacampanhas anteriores e já levou até mesmo à acusaçãoplágio entre adversários.
Um desses trechos idênticos dá a entender que houve um processo ativo para desenvolver o planogoverno, não que se trataum texto genérico.
"Após escutarmos a população, atravésplenárias partidárias, vimos por meio deste planogoverno, registrar nosso compromisso com a cidade[aqui o candidato coloca o nome da cidadeque disputa a eleição], e para isso tornamos público este documento, oficializando nossas propostas por uma cidade mais justa, igualitária, participativa, responsável, transparente e democrática."
Em mais200 propostas, há ainda um mesmo erroportuguês: um capítulo dedicado aos "programas assitenciais" (ao invésassistenciais). cujo primeiro tópico é sempre "fomentar o programapolíticassegurança alimentar e nutricional".
Existem planos com frases iguais até entre candidatos que competem entre si. Em São Felix do Xingu, no Pará, o representante do Avante, Zé Wilson, e o do PL, Silvio Terraço Hotel, prometem "implementar programa para tornar a cidade conectada com instalaçãoWIFI (internet móvel) nos principais pontos e praça da cidade para facilitar comunicação e interação da população acompanhando as novas tecnologias", um texto que também é reproduzidooutros municípios. Outros trechos dos planos desses candidatos também são parecidos ou iguais. Os candidatos não responderam ao pedidoentrevista.
“Queremos pegar ideias boasquem quer que seja”, diz candidato
Um dos candidatos que fez usoum planogoverno com trechos inteiros iguais aooutras propostas é o Pastor Gerson, da Democracia Cristã,Cruzeiro, no interiorSão Paulo. O títuloseu projeto apresentado ao TSE é "Planogoverno (genérico)".
No texto, o candidato cita propostas para um município que não é o que ele concorre - a cidadeRancho Alegre, no Paraná. "O plano para o desenvolvimento econômico do municípioRancho Alegre será pautado na combinaçãodesenvolvimento humano (IDH) com o desenvolvimento econômico (PIB)".
A pequena cidade paranaense, aliás, apareceao menos 11 propostascandidatosdiferentes cidades e Estados, que dizem querer "reativar e reformular a AssociaçãoProdutores RuraisRancho Alegre".
O texto com essa proposta aparecia no planogoverno do atual prefeitoRancho Alegre, Fernando Carlos Coimbra, apresentado2020 quando ele disputou a eleição.
O documento enviado pelo Pastor Gerson ao TSE é assinado por uma prestadoraserviçoscontabilidade, a R & R Contabilidade e Serviços. A BBC News Brasil conversou com um representante, Rogério Miranda, por telefone, que afirmou ter sido ele a fazer o rascunho do plano. Ele reconheceu ter usado trechospropostasoutras cidades - inclusive Rancho Alegre - mas que achava que o pastor faria alterações antessubmeter o documento final ao tribunal.
"O Pastor Gerson é muito amigo. O que nós fizemos para ele foi um copy desk", explicou. "Eu coloquei bem claro lácima: genérico. Não é plano oficial. É plano genérico. Se ele transformouoficial, aí é dele".
Miranda disse que a prática é comum no mercado: buscar outras propostas passadas na internet e tentar alinhar às ideias do cliente. "É tipo propagandasupermercado: Agradecemos a preferência e volte sempre". Negou, no entanto, ter feito planos para outros candidatos - teria feito somente para o pastor, por amizade. O candidato não declarou nenhuma despesacampanha até o momento.
"Você sabe que no mundo nada se cria, tudo se copia. É até um princípio jornalístico. De repente o que é bom pra Sorriso do Oeste também é bom pra Cruzeiro. Opa, isso aqui do turismo é legal, deu certo lá ou vai dar certo lá, vamos colocarnossa cidade algo parecido?", explicou ele. "Por que não usar isso? Muda-se a cidade, muda-se algumas palavras, mas é simplesmente um copy desk".
Em nota, o pastor Gerson reconheceu que os planosgoverno “coincidem” com ooutras cidades, mas diz que não há nadaerrado na prática. “Queremos pegar ideias boasquem quer que seja.”
"Candidatos só cumprem o que a lei exige e, se eleitos, vão correr atráscolocar uma estratégia governamentalpé", diz especialista
Imagina-se que candidatos desenvolveram ideias que se alinham à corrente ideológicaseus partidos, discutiram essas ideias com a sociedade e então produziram planos enquadrados na realidade orçamentáriacada município.
Na prática, especialmente entre postulantes com menos estrutura e recursos, não é isso que acontece.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil que já trabalharam com candidatos dizem que o "copia e cola" é uma prática usual, especialmentecidades menores, e que a produção do plano não costuma ser uma prioridade.
"É uma exigência sem padronização. Exige-se documento, mas não se fala quantas páginas, quais as temáticas mínimas, o nívelprofundidade ou a necessidadeter especialistas que validem o documento", diz o diretor-executivo do RenovaBR, escolaformação política, Rodrigo Cobra. A organização realizou neste ano uma sérieaulas que discutiram como elaborar planosgoverno eimportância nas cidades.
Para o professoradministração pública da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP), Marcelo Coutinho, a exigênciaapresentar um planogoverno sem qualquer critério torna as propostas irrelevantes. "Abre-se oportunidade para uma figura especializada que vai atender a essa demanda do TSE, uma espéciedespachanteplanogoverno", diz.
Para ele, os planos servem hoje, na prática, apenas para gerar conteúdo para as campanhamarketing dos candidatos, mas nem sequer são lidos pelos eleitores - e possivelmente, nem pelos próprios políticos que os apresentam. "O eleitor sabe que o candidato não vai cumprir tudo que estáseu plano, que é necessário negociar com a Câmara e tudo mais. É uma peçaficção."
Para Jeconias Júnior, secretário-executivo adjunto da Frente NacionalPrefeitas e Prefeitos (FNP), a falta da qualidade dos textos está diretamente ligada à faltaestrutura à disposição dos candidatos, especialmentecidades menores. "Os candidatos só cumprem o que a lei exige e, se eleitos, vão correr atráscolocar uma estratégia governamentalpé."
A FNP lançou neste ano uma sériewebinários que discutem desafios nos municípios para ajudar candidatos a pensarempropostas. “As candidaturas nas cidadespequeno e médio porte enfrentam dificuldades estruturais que afetam diretamente a qualidade dos planosgoverno. Candidatos, por faltasuporte técnico ourecursos, acabam repetindo fórmulas genéricas que pouco dialogam com as necessidades locais”, destacou Jeconias.
Candidatos do PCO e do Novo usam texto único, sem citar nome da cidadeque disputam cargo
O levantamento da BBC News Brasil também identificou que ao menos 55 candidatos, sendo 42 do PCO e 13 do Partido Novo, apresentaram propostas ao TSE cujo texto é declaradamente genérico, sem apresentar informações específicas da cidade.
"Neste programa, apresentamos um programaeixos gerais, válido para todo o País e para a lutatodos os trabalhadores", diz a apresentação do texto genérico do PCO, que afirma ainda que as propostas concretas apareceriam somente na campanha.
No mesmo texto usado por seus candidatos, o PCO diz que o papel dos candidatos a prefeito, mesmo eleitos, "não é nem mesmo se propor a resolver todos os problemas das cidades. O papel primordial ése colocar como representante da luta dos trabalhadores no governo".
Tática parecida foi adotada por pelo menos 13 candidatos do Partido Novo, que usaram um mesmo arquivopropostas, sem alterações, embora tenham se lançado candidatoscidades e Estados diferentes.
Sharon Braga, candidato a prefeito do NovoMacapá, capital do Amapá com quase 500 mil habitantes, é um dos que fizeram uso da cartilha. O texto contém três páginas e se divide nos seguintes eixos: combate à corrupção e aos privilégios; liberdade individual e respeito ao próximo; império da lei e democracia; livre mercado e direito à propriedade; Estado enxuto, eficiente e a serviço das pessoas e oportunidade a alcance e todos.
Braga afirmou à BBC News Brasil que tem um planogoverno, mas admitiu que não foi ele ouequipe a enviar o arquivo ao TSE, e sim o próprio partido. "Com a correria da campanha, não verifiquei", disse. Ele enviou à reportagem um outro plano por e-mail, mas o documento ainda não aparecia no site do tribunal até o fechamento da reportagem.
O PCO informou que o usoum texto único foi orientação do partido. “O PCO é um partido centralizado e, portanto, nossa política é centralizada e representada integralmente por nossas candidaturas. Explicamos, no programa enviado ao TSE, que temos uma política geral para o País, pois achamos que os problemas fundamentais do povo brasileiro não podem ser resolvidos a nível municipal. Entretanto, também explicamos que as posições políticas acercatemas mais específicoscada cidade podem ser lidas atravéstoda a nossa imprensa”.
A reportagem não conseguiu contato com o Novo.