As cidades que se inspiramplantaçõesarroz para evitar enchentes:
Foram as maiores enchentes do paísdécadas – um desastre nacional que durou maistrês meses e matou mais800 pessoas. Os cientistas relacionaram o aumento das chuvas e as enchentes às emissõesgases do efeito estufa, causadas pelas atividades humanas.
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O desastre abalou Voraakhom profundamente. Ela acreditou que aquela seria a horausar seus conhecimentos para fazer algo pelacidade natal.
Ela abriu seu próprio escritórioarquitetura e paisagismo, chamado Landprocess. E, na última década, Voraakhom projetou parques, telhados verdes e espaços públicos na baixa altitude da cidade, para ajudar as pessoas a aumentarresistência às enchentes.
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Seu projeto mais curioso até agora talvez seja o enorme tetouma universidade tomada pela natureza, inspirado nos terraçosproduçãoarroz – uma formaagricultura tradicional, praticada na Ásia há cerca5 mil anos.
A Tailândia, a China e outros países asiáticos são vulneráveis aos impactos climáticos.
Neste ano, o númeroenchentes significativas na China foi o mais alto desde o início dos registros. Já os agricultores tailandeses estão expostos ao aumento do calor, das secas e das cheias, causado pelas mudanças climáticas.
O teto da universidade, projetado por Voraakhom, faz parteuma tendência maior. Os arquitetos asiáticos estão buscando inspiração nos terraçosarroz eoutras tradições agrícolas da região, para ajudar as comunidades urbanas a reduzir enchentes e alagamentos.
Os exemplos incluem parques alagáveiscidades chinesas até casas no Vietnã com telhados inspiradoscamposarroz.
Para Voraakhom, "muitas das respostas para o futuro das mudanças climáticas, na verdade, estão no passado."
Na Universidade Thammasat, na zona norteBangkok, pequenos camposarrozdiferentes níveis caemcascata do topo do edifício, ao longo do telhado verde projetado por Voraakhom. A estrutura permite que o campus colete água da chuva e cultive alimentos.
Existem quatro tanquestorno do edifício para capturar e reter o fluxoágua. Nos dias secos, esta água é bombeadavolta para cima, utilizando a energia limpa gerada pelos painéis solares instalados no teto. A água é então usada para irrigar os camposarroz no telhado.
Construído2019, o local formava, na época, a maior fazenda urbanatelhados do continente asiático. Dos seus 22 mil metros quadrados, 7 mil foram dedicados à agricultura orgânica.
Em comparação com um projeto feitoconcreto, o telhado verde pode reduzir a velocidadeescoamento da água da chuvacerca20 vezes, segundo as estimativasVoraakhom. O fluxo excessivoágua da chuva para a terra é um dos grandes problemasBangkok.
O telhado verde também pode reduzir a temperatura dentro do edifico2 a 4 °C durante os quentes verões que marcam a capital tailandesa, segundo a arquiteta.
Os terraços são formados por camposarrozdiferentes níveis. Eles são normalmente criados por pequenos agricultores ao longo das encostasmorros e montanhas, para maximizar o uso da terra.
Os terraçosarroz podem ser encontradosmuitos países asiáticos, como a China, Japão, Tailândia, Vietnã e Filipinas. Sua origem pode ser traçada até a bacia do rio Yangtze, na China, mais5 mil anos atrás.
Embora seus formatos e tamanhos possam variar, todos os terraçosarroz são construídos acompanhando as linhascontorno naturais. Isso significa que cada camada possui a mesma elevação sobre o nível do mar.
Este feito permite a coleta e retenção da água da chuva, que é utilizada para irrigar o solo e os campos agrícolas.
Alguns terraçosarroz, como os da etnia Han, no sul da China, ficam nas margens dos rios. Isso permite que o solo escalonado reduza, desacelere e purifique o excessoágua da chuva que corre do topo da montanhadireção ao vale.
Toda esta tecnologia nativa foi transmitida ao longogeraçõespequenos agricultores. Agora, ela pode trazer imensos benefícios para as cidades asiáticas que lutam para enfrentar as tempestades, segundo o professorarquitetura e paisagismo Yu Kongjian, da UniversidadePequim, na China. Ele é o responsável pelo conceito chinês"cidades-esponja".
Como ocorremuitas outras partes da Ásia, o clima das cidades chinesas émonções, caracterizado por verões chuvosos e invernos mais secos. Elas podem receber até um terço das suas chuvas anuais (300-500 mm)um único dia, segundo Yu.
O professor defende que, devido a estas fortes precipitações, as medidascontroleenchentes precisam fazer uso dos modos locaisadaptação às cheias, que foram testados e comprovados por milharesanos.
Os terraçosarroz são um dos pilares da teoria das cidades-esponja, desenvolvida por Yu. O arquiteto aconselha as cidades a recorrer ao solo e às áreas verdes – sem aço, nem cimento – para solucionar os problemasexcessochuvas e enchentes.
Yu destaca que a água da chuva precisa ser absorvida e retida na fonte. Seu fluxo deve ser desacelerado e dirigido até o seu destino. E os terraçosarroz tratamreduzir os fluxoságua na fonte.
Desde 1997, Yu já desenvolveu projetos para mais500 "cidades-esponja"toda a China, usando a formaçãoterraços. E os estudos demonstraram que alguns deles estão trazendo resultados impressionantes.
Um exemplo é o parque Yanweizhou,Jinhua, no leste da China – a cidade natalYu. Inaugurado2014, o parque inclui um bancoformaterraçoarroz, plantado com gramíneas que podem se adaptar ao ambiente subaquático.
Esta função"esponja" consegue reduzir o nível máximocheia anual do parqueaté 63%comparação com um parqueconcreto, segundo um estudo realizado2019.
Estes projetos também podem filtrar a água das enchentes, que é frequentemente contaminada por esgotos, produtos químicos e outros poluentes.
Outro projetoYu – o parque HoutanXangai, no leste da China – fica situadoum terreno que, antes, era altamente poluído, por ter sido usado como aterroresíduos industriais. O parque também utiliza o conceitoformaçãoterraçosYu.
Desdeinauguração,2009, o parque é capazpurificar 800 toneladaságua altamente poluída por hectare, todos os dias, segundo relatou Yuum estudo2019, depoisdiversos testes realizados no local.
Agora, segundo o estudo, a água do parque atende ao padrão chinêsterceira categoria – água suficientemente limpa para os peixes.
Outros países
A tendênciaformaçãoterraços já se espalhou para o Vietnã.
Doan Thanh Ha é o fundador e principal arquiteto do escritório H&P Architects, com sedeHanói. Ele combina a sabedoria da agricultura tradicional com seus projetosconstrução ecológica desde 2009.
Seus trabalhos incluem uma casatrês pavimentos com teto inspiradoterraçosarroz, onde seu morador pode cultivar produtos agrícolas.
Ele também criou uma casa flutuantebaixo custo, feitabambu, que pode ser adaptada para enfrentar enchentes e o aumento do nível do marresidências mais pobres. Nas Filipinas, as casasbambu flutuantes já estão ajudando os moradores locais a enfrentar enchentes, furacões e o aumento do nível das águas.
Para Ha, os camposarrozterraços do Vietnã são um exemploconhecimento local que transmite profunda compreensão das leis naturais, particularmente da água.
Segundo ele, este tipoconhecimento local também pode desempenhar "papel significativo" para ajudar as comunidades modernas a preservar a biodiversidade e os ecossistemas, enfrentando as mudanças climáticas.
Yu é da mesma opinião. Com o aquecimento global trazendo chuvas mais fortes para o continente europeu, por exemplo, o uso dos terraçosarroz poderia ser levado até para cidades como Londres, segundo ele.
"Qualquer encosta ou superfície inclinada pode ser transformadaterraços ocupados pela natureza, para absorver a água da chuva", destaca ele.
Toquesdespertar
Muitas das cidades asiáticas são vastas e densamente povoadas. A dupla ameaça causada pelas mudanças climáticas e por décadasurbanização desenfreada fez com que elas começassem a repensar suas estratégiasgestão da água da chuva nos últimos anos.
Em muitos lugares, as chuvas das monções estão ficando mais intensas, os furacões estão ficando mais destrutivos e o nível do mar está subindo. Algumas cidades estão afundando rapidamente, devido à perda do lençol freático e ao peso das construções, como Jacarta, na Indonésia, e Ho Chi Minh, no Vietnã.
Em muitas destas cidades, a água da chuva não consegue penetrar nas superfícies pavimentadas. Por isso, o solo não tem a chanceabsorver e armazenar a água da chuva para colaborar com o sistema natural do ciclo da água, explica a professoradesign e planejamento urbano Lei Yanhui, da Universidade Xi'an Jiaotong-LiverpoolSuzhou, na China.
Além disso, os sistemasdrenagemalgumas cidades não separam a água da chuva do esgoto, ficando sujeitos a sobrecargas e transbordamentos durante as tempestades, segundo Lei. A contaminação da água pelo esgoto é um problema que também ocorre no Reino Unido e no Brasil.
No verão2012, um ano depois das fortes cheias que atingiram a Tailândia, imensos volumeschuva atingiram Pequim, resultandoum recorde460 mmchuvaapenas 18 horas. O evento causou 79 mortes e prejuízoscercaUS$ 1,6 bilhão (cercaR$ 9 bilhões).
Mas a enchente2012Pequim trouxe transformações.
"Depois do evento, a China começou a dedicar mais atenção à drenagem da água da chuva [em áreas urbanas] e à prevençãoenchentes", afirma a professoracontrole das cheias urbanas Shao Zhiyu, da UniversidadeChongqing, na China.
Em 2014, a China adotou oficialmente o conceito"cidades-esponja" como programa nacional. No ano seguinte, 16 cidades foram escolhidas para servir"pilotos"teste do modelo.
Chongqing foi uma delas – uma megacidade montanhosa no centro da China, com 32 milhõeshabitantes.
"Costumávamos pensar que deveríamos controlar as enchentes", explica Shao. "Agora, percebemos que as enchentes não podem ser controladas e [precisamos] nos adaptar a elas, pois o poder da natureza é grande demais."
Shao tem formaçãoengenharia. Ela participouuma equipe que recebeu a tarefaprojetar uma nova área "esponjosa" nas margens do rioChongqing. A área inclui terraços repletosplantas nas encostas.
"O projeto pretendia inicialmente purificar a água da chuva antes que ela fluísse para o rio", ela conta, "mas ele também consegue reduzir o nívelpico das enchentes, excetochuvas excepcionais."
Para Voraakhom,Bangkok, os terraçosarroz são uma lembrança do estilovida dos seus ancestrais – simples, mas adaptável. Afinal, eles viveramharmonia com a água e as mudanças sazonais por milênios.
A chuva costumava ser bem recebida pelos tailandeses. Ela alimenta a terra e permite o cultivo do arroz.
"Mas estamos transformando a melhor região agrícola do mundo na pior cidade que você pode imaginar, que é Bangkok", segundo a arquiteta.
Com 11 milhõeshabitantes e situada a 1,5 metro acima do nível do mar, a capital tailandesa tem apenas sete metros quadradosáreas verdes públicas por habitante, um dos níveis mais baixos da Ásia.
Bangkok passou 30 anos sem construir um único parque público. Apenas2017, foi inaugurado o Parque Centenário Chulalongkorn, com 4,5 hectares – outro projetoVoraakhom, criado para reter as enchentes.
O parque foi construídoum ângulotrês graus, que permite canalizar a água das tempestades do seu ponto mais alto até um tanqueretenção. Ao todo, ele é capazreter 4,5 milhõeslitroságua – o equivalente a cercauma vez e meia a capacidadeuma piscina olímpica.
Para Voraakhom, "aumentar a resiliência urbana é [nossa] única formasobreviver".
Plantas vs. canos
As soluções baseadas na natureza – na formainfraestrutura "verde", como margensrios inspiradasterraçosarroz, parques urbanos arborizados ou telhados verdes – vêm chamando cada vez mais a atenção.
Com isso, os especialistas começaram a discutir se elas realmente poderiam enfrentar tempestades cada vez mais implacáveis,comparação com a infraestrutura "cinza" convencional, como represas e canos.
O professorengenharia Wang Yuhong, da Universidade PolitécnicaHong Kong, na China, acredita que a infraestrutura verde pode ser "um suplemento significativo" para a infraestrutura cinza, se for aplicadacondições geográficas adequadas.
Para ele, os projetos baseadosterraçosarroz poderão beneficiar cidades montanhosas, como Hong Kong, onde a água da chuva pode descer com rapidez pelas suas encostas inclinadas.
Famosa pela selva urbana vista do topo do pico Victoria, Hong Kong construiu um enorme túnelconcreto para interceptar a água da chuvaaltitudes intermediárias da ilha e levá-la para o mar, evitando inundações no centro da cidade.
"Mas este métodocoletaágua da chuva é caro", explica Wang. O projeto foi inaugurado2012 e custou cerca3,9 bilhõesdólaresHong Kong (cercaUS$ 504 milhões ou R$ 2,8 bilhões).
"Se copiarmos o princípio do terraçoarroz, podemos reter a água da chuvaaltitude intermediáriaformas diferentes – construindo jardinschuva, por exemplo. Para muitas cidades, este seria um método mais econômico."
O professor destaca que,algumas cidades, esta ideia ainda pode ser muito cara,difícil implementação técnica e causar altos níveisemissõescarbono. É o casolocais que exigem a construçãoestruturasconcreto a partir do solo, para imitar as encostas.
A verdade é que não será fácil oferecer qualquer tipoinfraestrutura verde às cidades mais densamente povoadas do mundo. As cidades asiáticas são compactas e, "por isso, é muito difícil encontrar espaços com tamanho suficiente para agirem como 'esponjas' que absorvam a água das enchentes", explica Wang.
Uma forma mais eficaz, segundo ele, é construir enormes reservatórios subterrâneos para armazenar a água das tempestades, como fizeram Hong Kong e Tóquio, no Japão.
Wang eequipe estão trabalhandouma solução para permitir que as cidades armazenem água da chuva sob as ruas, utilizando pedraspavimentação "porosas". Mas as "instalações artificiais", como reservatórios subterrâneos, trazem desvantagens.
"Eles são isolados e não conseguem ajudar muito a formar um sistemareciclagem natural da água da chuva, como [os baseados em] terraçosarroz", destaca Lei Yanhui.
Shao Zhiyu afirma que a infraestrutura verde pode trazer efeitos óbvios, como reduzir os níveispico das cheias, no caso das fortes chuvas normalmente observadas uma vez a cada três a cinco anos.
"Mas, para [tempestades] mais severas, como as que ocorrem uma vez a cada 10 anos ou mais, ainda precisamos depender da infraestrutura cinza, como a drenagem urbana, estaçõesbombeamento e comportas contra enchentes", explica ela.
A infraestrutura das cidades-esponja também pode ser combinada com outros mecanismos para reduzir as enchentes, segundo Shao.
Ela destaca que o planejamento urbano sistemático pode, por exemplo, desviar as águas das cheiasalgumas ruas principais para ruas menos importantes. Com isso, a cidade ainda pode manter suas funções básicas, principalmente tarefasresgate, durante as enchentes.
Já para Yu Kongjian, o conceitocidades-esponja não é uma rejeição completa da infraestrutura cinza. Ele afirma que as cidades deveriam priorizar o usoinfraestrutura verde, "mas, se for realmente impossível, podemos usar canos".
Deixandolado as discussões sobre o usoinfraestrutura verde ou cinza, muitos concordam que as cidades precisam aproveitar a experiência dos seus ancestrais para poderem se adaptar ao mundo natural e às suas mudanças.
Em veztemer e bloquear as enchentes, as pessoas deveriam "ser amigas da água" para sobreviverum clima menos previsível, segundo Yu. Ou seja, as cidades deveriam reprojetar suas áreas mais baixas e transformá-lasterraços úmidos, por exemplo. Isso permitirá que essas áreas sejam inundadas com segurança,épocasfortes chuvas.
Para Yu, estas medidas poderão mantersegurança as principais funções das cidades durante os desastres naturais. E também formarão um sistema naturalreciclagem da água da chuva – algo que as selvasconcreto urbanashojedia ainda não conseguem oferecer.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Earth.