Quem foi Vasili Arkhipov, homem que 'salvou' o mundoguerra nuclear:

Legenda do áudio, Oficial soviético Vasili Arkhipov (1926-1998) conseguiu evitar um holocausto nuclear no mar do Caribe

Foi no interiorum dos submarinos B-59 da frota soviética que ocorreu um episódio que poderia ter desencadeado um conflito atômico. O submarino perdeu a comunicação com o resto da frota e os tripulantes acharam que a guerra havia começado.

O protocolo da marinha soviética determinava que,casoataque inimigo, para responder com um torpedo nuclear, seria necessária a aprovação unânimetrês oficiais do mais alto escalão da embarcação.

Dois deles defendiam o lançamento, mas um terceiro se negava a participar.

Seu nome era Vasili Alexandrovich Arkhipov.

“Este homem,fato, salvou o mundoum holocausto nuclear, sobretudo, porque não se deixou levar pelos impulsos e seguiu rigorosamente o protocolo estabelecido por Moscou”, declarou à BBC News Mundo (o serviçoespanhol da BBC) Edward Wilson, autor do livro The Midnight Swimmer (“O nadador da meia-noite”,tradução livre), que detalha a históriaArkhipov.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, O presidente dos Estados Unidos John F. Kennedy informou aos americanos pela televisão sobre a basemísseis nucleares construída pelos soviéticosCuba

“Mas havia muitos fatores que impediam a realização do ataque e surpreende que Arkhipov não tenha recebido o reconhecimento merecido”, destaca Wilson.

As homenagens ao oficial só começaram depois damorte,1998. Uma organização americana chegou a outorgar a ele,2018, o prêmio póstumo Future of Life (“Futuro da Vida”), pelas suas ações na prevenção do conflito nuclear.

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No dia 22outubro1962, o mundo amanheceucrise. O então presidente norte-americano John F. Kennedy (1917-1963) informou que havia sido descoberta uma basemísseis nucleares soviéticosCuba.

A base ainda não estavafuncionamento, mas poderia ficar pronta para um possível ataque a qualquer momento. E, a apenas 200 kmdistância dos Estados Unidos, os mísseis poderiam atingir as principais cidades norte-americanas e destruí-lasquestãominutos.

Na mesma mensagem, Kennedy anunciou medidasdefesa e o enviotropas e embarcaçõesníveis raramente observados, incluindo o estabelecimentoum cerco navaltornoCuba para criar um bloqueio militar.

O objetivo era impedir a chegadamaterial para dar prosseguimento à construção da base.

Em resposta, Moscou pôsalerta todo o seu Exército e as embarcações soviéticas presentes na região.

Em 27outubro, segundo documentos fornecidos pelo Arquivo Nacional dos Estados Unidos e as memórias do capitão russo Vadim Orlov, que estava no submarino, a situação não podia ser pior no interior do B-59.

O submarino foi especialmente criado para disparar torpedos nucleares. Mas foi projetado para navegar nas águas geladas do hemisfério norte e o Caribe era quente demais para aquela embarcação. Com isso, o sistemaar condicionado entroucolapso e a temperatura no seu interior era sufocante.

Além disso, nas horas que antecederam o incidente, o submarino havia alcançado velocidade superior à das outras embarcações da frota e foi detectado por um encouraçado norte-americano.

“O encouraçado, segundo o relatório do Pentágono, começou a disparar munição não letal, para fazer com que o submarino viesse à superfície”, explica Wilson. “Mas, dentro do B-59, com todas as tensões anteriores e sem comunicação, eles pensaram que a guerra havia começado.”

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Legenda da foto, Os submarinos B-59 faziam parte da brigadaembarcações soviéticas que patrulhavam o entornoCuba durante a crise dos mísseis1962

Decisão tripartite

O submarino era comandado pelo capitão soviético Valentin Savitsky. Diante do ataque do navio americano, ele convocou uma reunião entre os três oficiaismais alta patente do submarino.

Um desses oficiais era Arkhipov, o segundo comandante. O capitão, perturbado pela munição que chovia da superfície, afirmou que a melhor resposta seria disparando um dos torpedos nucleares.

“Vamos destruí-los agora! Nós morreremos, mas afundaremos todos; não seremos a vergonha da frota”, gritou Savitsky, segundo o relatoOrlov.

Wilson destaca que “os submarinos soviéticos daquela época não precisavamaprovação ou ordem diretaMoscou para lançar um ataque nuclear. Era preciso apenas que os três comandantes estivessemacordo, nada mais.”

Mas Arkhipov desfrutavacerto prestígio entre os comandantes e se negou a apoiar a decisão do capitão. “Arkhipov foi o único que se negou”, segundo Wilson.

“É claro que a reputaçãoArkhipov foi um fator fundamental no debate na salacontrole. No ano anterior, o jovem oficial havia sido exposto a fortes radiações para salvar um submarino com reator superaquecido”, conta o escritor.

Em um relatório entregue pelo próprio Arkhipov tempos depois, ele destacou os motivos que os levaram a não responder ao ataque. Segundo ele, embora houvesse uma “situação tensa” quando partiram da base, aquele incidente não configurava uma situaçãoconfronto militar.

“Graças a ele e ao capitão que se acalmou, após ter se exaltado pelo calor do submarino e a perseguição da marinha norte-americana, não ocorreu uma Terceira Guerra Mundial com consequências apocalípticas”, destaca Wilson.

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Legenda da foto, Fotos da inteligência americana mostravam a construção da baselançamentomísseis nuclearesCuba

‘A vergonha da frota’

Na madrugada28outubro, os Estados Unidos e a União Soviética chegaram a um acordo para desmantelar a baseCuba,troca da desarticulaçãouma base nuclear norte-americana na Turquia.

A maior parte dos submarinos retornou aos seus portosorigem. Mas, quando se esperava que seus tripulantes fossem recebidos como heróis, o que ocorreu foi justamente o contrário.

No documentário sobre o episódio, produzido pela PBS (a rede públicarádio e TV dos Estados Unidos), a esposaArkhipov, Olga, afirma que seu marido ficou bastante decepcionado pela forma como foi avaliado porparticipação naquela decisão.

Outra testemunha destaca que um dos altos oficiaisMoscou disse aos comandantes da brigadasubmarinos que “teria sido melhor que eles tivessem morrido por lá” do que regressarem sem vitória.

Arkhipov encerroucarreira militar e morreu1998, aos 72 anosidade, sem receber reconhecimento algum porintervenção.

Foi com o relato do oficial Vadim Orlov2000 que as coisas começaram a mudar. Ele destacou que foi graças a Arkhipov que os torpedos não foram disparados - e a contribuição do militar começou a ser reconhecida.

Em 2007, o diretor do ArquivoSegurança Nacional dos Estados Unidos, Tom Blanton, fez uma apresentação sobre o tema e concluiu: “este homem realmente salvou o mundo”.

“Não sei o que teria acontecido se fosse realmente iniciada a guerra nuclear”, afirma Wilson. “O que talvez esteja mais claro é que a Europa teria sido mais prejudicada, já que a União Soviética não tinha mísseis com alcance para chegar aos Estados Unidos.”

“Acredito que o papelArkhipov foi monumental e que, certamente, é preciso agradecer a ele por ter impedido uma guerra nuclear”, conclui o escritor.