Como empresas brasileiras e multinacionais colaboraram com a ditadura:codigo do betano

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Embora tenha sido a primeira a ser investigada, a Volkswagen não foi uma exceção — foi umacodigo do betanomuitas empresas que colaboraram com a ditadura

O problema era o volumecodigo do betanotrabalho, que demandaria muito mais braços do que o MPF tinha disponível. Até um pesquisador independente — algo incomum por faltacodigo do betanoverba interna do MPF — foi contratado para analisar todos os calhamaços levados às autoridades.

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Fim do Matérias recomendadas

As entidades, incluindo sindicatoscodigo do betanotrabalhadores, queriam com o movimento que os fatos se tornassem públicos e que as empresas fossem responsabilizadas na Justiça.

Oito anos depois, nenhuma condenação veio.

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Uma toneladacodigo do betanococaína, três brasileiros inocentes e a busca por um suspeito inglês

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Mas uma investigação conjunta do MPF, do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Ministério Público do Estadocodigo do betanoSão Paulo (MPSP) apontou que uma dessas empresas — a Volkswagen — não só foi conivente como colaborou ativamente com o aparatocodigo do betanorepressão da ditadura.

O caso levantado com relatoscodigo do betanotortura e documentos movimentou até a matriz da montadora na Alemanha. Para não enfrentar uma ação na Justiça, a Volks acabou fechando um acordo na Justiçacodigo do betano2020 para pagar uma indenização milionária.

Uma das exigências do procurador Machado entrou no acerto: que parte do dinheiro da indenização financiasse a investigaçãocodigo do betanoquanto outras empresas colaboraramcodigo do betanofato com a repressão e a violência do regime.

“A Volkswagen era só o começo”, afirma o procurador.

E foi assim que o dinheiro da Volks, que hoje lamenta as violaçõescodigo do betanodireitos ocorridas na época e diz que aquelas práticas vão contra seus valores atuais, financiou a contrataçãocodigo do betanopesquisadorescodigo do betanoinstituições públicas renomadas para apurar o envolvimento com o regimecodigo do betanocompanhias sobre as quais o MPF considerou que havia mais provas.

Isso resultou na aberturacodigo do betanoinquéritos contra dez empresascodigo do betanoquatro Estados, como revelou uma sériecodigo do betanoreportagens da Agência Públicacodigo do betanojunho deste ano.

Entre elas há grandes companhias das indústrias siderúrgica, petrolífera, automotiva, aeroviária, alémcodigo do betanouma concessionáriacodigo do betanoserviços públicos e uma empresacodigo do betanomídia.

O elo da Volks com o regime

Crédito, Arquivo Nacional

Legenda da foto, Ditadura militar praticou graves violações contra os direitos dos cidadãos

O procurador Pedro Antôniocodigo do betanoOliveira Machado explica que a investigação começou com a Volkswagen porque era a empresa sobre a qual já havia mais evidências.

O relatório final do MPF, MPT e MPSP, baseadocodigo do betanodepoimentos e documentos colhidos na investigação, apontou que a Volkswagen teve uma “persistente e consistente” colaboração ativa com o regime militar.

Nesta época, o aparatocodigo do betanorepressão do Estado praticava graves violações contra os direitos dos cidadãos, incluindo tortura, prisões ilegais, perseguições, execuções sumárias e desaparecimentocodigo do betanopessoas.

“A empresa, por decisãocodigo do betanosua direção no Brasil e conivência da direção na Alemanha, se envolveu diretamente na perseguição política a opositores do regime”, diz o relatório do pesquisador brasileiro Guaraci Mingardi, contratado pelo MPF.

Uma pesquisa simultânea separada, feita pelo pesquisador Christopher Kopper, contratado pela direção da Volkswagen na Alemanha, teve praticamente as mesmas conclusões da investigação do MPF, MPT e MPSP.

Segundo essa investigação, a empresa colaborou com a perseguição na ditadura principalmentecodigo do betanotrês formas:

  • Espionando e delatando trabalhadores aos órgãos da polícia política, ou seja, conscientemente os expondo a prisões ilegais e tortura;
  • Facilitando a realizaçãocodigo do betanoprisões ilegais dentro da própria empresa, com o departamentocodigo do betanosegurança da montadora conduzindo interrogatórios, inquéritos e investigaçõescodigo do betanointeresse do regime;
  • Participando da criaçãocodigo do betanomentiras sobre o paradeirocodigo do betanotrabalhadores presos pelo regime, “ludibrindo as famílias quando se sabia que os funcionários se encontravam presos e submetidos à tortura”.

Tortura dentro da fábrica

Um dos ex-funcionários da Volkswagen ouvidos pelo MPF foi Heinrich Plagge, que morreucodigo do betano2018, dois anos antes da assinatura do acordo pela Volkswagen.

Plagge contou que foi preso pela repressão dentro da fábrica da montadora. Ele relatou ter sido chamado à sala do seu chefe e, ao chegar lá, ter sido levado por agentes para a sede do Dops, órgãocodigo do betanorepressão da ditaduracodigo do betanoSão Paulo, onde foi torturado brutalmente.

“Ele já estava velhinho, mas nunca tinha contado paracodigo do betanofamília sobre os detalhes”, conta Machado.

“Quando o ouvimos,codigo do betanofamília até ficou chocada, porque ele revelou detalhescodigo do betanotudo o que passou. Ouvir um outro ser humano contando sobrecodigo do betanotortura é algo que não saicodigo do betanovocê.”

Sua família repetiu ao MPF o relato à Comissão da Verdade. Quando Plagge foi preso, um representante da empresa foi pessoalmente à casa do trabalhador informarcodigo do betanofamília que ele não voltaria para casa naquele dia, pois tinha viajado a trabalho.

Sua família disse que não confiou nessa versão, mas só conseguiu vê-lo novamente quatro meses depois, quando foi solto.

A partir desse momento, contou Plagge ao MPF, ele passou a figurarcodigo do betanouma “lista negra”codigo do betanopessoas que a ditadura perseguia e que diversas empresas concordaramcodigo do betanonão empregar, fazendo com que ele ficasse anos sem conseguir trabalho.

O relatório da investigação contra a Volkswagen aponta que outro funcionário, Lúcio Bellentani, também foi preso dentrocodigo do betanouma fábrica da montadora e que seu paradeiro foi ocultado da família.

Um relato dele à Comissão da Verdade, reproduzido na pesquisacodigo do betanoKopper e confirmado ao MPF, aponta que ele foi torturado dentro das instalações da empresa.

“Na horacodigo do betanoque cheguei à salacodigo do betanosegurança da Volkswagen, já começou a tortura”, disse Lúcio Bellentani.

Acordo possível

Crédito, Arquivo Nacional

Legenda da foto, Comissão Nacional da Verdade investigou abusos e a violaçãocodigo do betanodireitos humanos cometidos na ditadura

Após uma longa negociação com os órgãos que conduziram as investigações, a Volkswagen assinou um Termocodigo do betanoAjustamentocodigo do betanoConduta (TAC), concordandocodigo do betanopagar uma indenizaçãocodigo do betanoR$ 36 milhões à Justiça, que destinou o valor a diversos usos, ecodigo do betanofazer um pronunciamento sobre o caso para não enfrentar uma ação judicial que poderia durar décadas.

Embora tenha publicado um anúncio pedindo desculpas e defendendo a democracia, como parte do acordo com os ministérios públicos, na visão do procurador, a Volkswagen nunca admitiu publicamente a extensão dacodigo do betanocolaboração.

No anúncio, veiculadocodigo do betano2021codigo do betanojornaiscodigo do betanogrande circulação, a empresa afirmou que, "em defesa incondicionável do Estado Democráticocodigo do betanoDireito, a Volkswagen lamenta profundamente as violaçõescodigo do betanodireitos humanos ocorridas naquele momento histórico e se solidariza por eventuais episódios que envolveram seus ex-empregados e seus familiares,codigo do betanototal desacordo com os valores da empresa”.

Questionada pela BBC Brasil, a montadora repetiu o que já havia dito no comunicado, que “foi a primeira empresa estrangeira a reavaliarcodigo do betanohistória durante o regime militar no Brasil” e que o “acordo reforça o compromisso da empresa com a transparência".

A tentativacodigo do betanofazer um acordo — com inevitáveis concessões dos dois lados — foi uma decisão estratégica, explica o procurador Pedro Antôniocodigo do betanoOliveira Machado.

Se não houvesse a assinaturacodigo do betanoum TAC, um processo poderia se arrastar na Justiça — sem contar a possibilidade da empresa não ser condenada no final.

Isso porque, embora a Lei da Anistia — que perdoou crimes ligados à ditadura cometidos por agentes do Estado e opositores do regime — originalmente seja destinada somente a indivíduos e seus atos, a Justiça brasileira muitas vezes entende que a lei pode ser adotadacodigo do betanoforma mais ampla, não responsabilizando também organizações e entidades, entre elas empresas.

Ou seja, havia uma chancecodigo do betanoque uma decisão judicial que seguisse essa interpretação mais ampla da lei concluísse que a Volkswagen não poderia ser punida por violaçõescodigo do betanodireitos humanos na ditadura.

Inicialmente, a direção da Volkswagen no Brasil nem estava interessadacodigo do betanofazer um acordo, diz o procurador.

Foi após trabalhadores pressionarem a direção na Alemanha, buscando o representante dos funcionários no conselho da empresa, que o termo foi pactuado.

À época, a empresa enfrentava outras acusações gravescodigo do betanoilegalidades nos Estados Unidos e problemas que arranhavamcodigo do betanoimagem na Alemanha.

A BBC News Brasil questionou a Volkswagen se o acordo foi uma orientação da sede da empresa, mas a companhia não respondeu este ponto na nota enviada à reportagem.

Machado ressalta que o acordo possibilitou a diminuição do tempo para que houvesse algum tipocodigo do betanoreparação por parte da empresa pelas violações na ditadura,codigo do betanocomparação com uma ação judicial.

Diante das gravidade das violações cometidas contra trabalhadores, havia uma expectativacodigo do betanoque a reparação por parte da empresa fosse mais robusta, tantocodigo do betanotermos da manifestação pública da Volkswagen, defende Machado.

"Foi o acordo ideal? Fiquei feliz com esse acordo? Olha, eu gostariacodigo do betanomuitas outras coisas. Mas foi o acordo possível”, avalia o procurador.

“Parte da destinação (da indenização) é determinada por lei. Mas fiz questão que outra parte fosse para investigar as outras empresas, porque havia muita coisa.”

Outras empresas investigadas por colaboração com a ditadura

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Investigação apontou que Petrobras participou da perseguição políticacodigo do betanoseus trabalhadores desde o início da ditadura

Embora tenha sido a primeira a ser investigada, a Volkswagen não foi uma exceção — foi umacodigo do betanomuitas empresas que colaboraram com a ditadura.

Com parte da indenização paga pela montadora, 55 estudiosos passaram a pesquisar o envolvimento com o regimecodigo do betanocompanhias sobre as quais o MPF considerou que havia mais provas.

Coordenado pelo Centrocodigo do betanoAntropologia e Arqueologia Forense (CAAF) da Universidade Federalcodigo do betanoSão Paulo (Unifesp), o trabalho revelou a colaboraçãocodigo do betanopelo menos 13 companhias com espionagem e violaçãocodigo do betanodireitos humanoscodigo do betanotrabalhadores.

A extensão dacodigo do betanocolaboração com o regime e os detalhes foram reveladoscodigo do betanoum informe divulgado neste ano pelo CAAF.

Alémcodigo do betanouma pesquisa acadêmica, o trabalho também reuniu provas e documentos para eventuais ações que seriam propostas pelo Ministério Público. Hoje, há inquéritoscodigo do betanoandamento sobre dez destas empresas.

A Petrobras, a maior estatal brasileira, está entre elas. A pesquisa aponta que a companhia tinha relação não só com a ditadura brasileira, mas também com acodigo do betanoAugusto Pinochet (1974-1990), no Chile.

A empresa participou da perseguição políticacodigo do betanoseus trabalhadores desde o início da ditadura, diz o informe.

“Com essa finalidade, atuoucodigo do betanouma articulação com as Forças Armadas caracterizada pela presençacodigo do betanomilitares no comando ecodigo do betanooutros cargos da empresa, instauraçãocodigo do betanoinquéritos contra trabalhadores/as, participaçãocodigo do betano‘comunidadescodigo do betanoinformações’ envolvendo o empresariado e a ditadura e disponibilização da infraestrutura da empresa para uso pelas Forças Armadas.”

Segundo o documento, um grande númerocodigo do betanotrabalhadores foi preso, e algumas prisões se deram nas dependências da empresa. Um dos locais que ficaram à disposição das Forças Armadas se tornou um centrocodigo do betanotortura.

Procurada pela BBC News Brasil, a Petrobras afirmou que a atual gestão da companhia "lamenta que tais episódios tenham ocorrido no passado, e tem buscado, no bojo das discussões sobre o iminente aniversáriocodigo do betano70 anos da companhia, refletir sobre esse momento com a responsabilidade devida".

"Atualmente, o respeito às pessoas e a busca por um ambientecodigo do betanotrabalho digno e saudável é prioridade para a Petrobras. A companhia mantém canais para que eventuais episódioscodigo do betanoviolência e/ou violaçãocodigo do betanodireitos possam ser denunciados, assim como não tolera qualquer episódio dessa natureza. A Petrobras tem reforçado ações e medidas buscando diversidade cada vez maiorcodigo do betanosua forçacodigo do betanotrabalho, refletindo nossa sociedade plural", disse a companhiacodigo do betanonota.

O documento da Unifesp também aponta que a siderúrgica CSN — estatal que foi privatizada nos anos 1990 — teve 58 funcionários presos pela ditaduracodigo do betanoseus locaiscodigo do betanotrabalho e três trabalhadores assassinados pelo Exército na siderúrgica durante uma greve.

Hoje uma empresacodigo do betanocapital aberto e uma das maiores siderúrgicas do mundo, a CSN disse que as violações identificadas se restringem ao tempocodigo do betanoque era estatal.

A CSN afirmou ainda à BBC News Brasil que “repudia qualquer tipocodigo do betanoviolação aos direitos humanos, pautando semprecodigo do betanoatuação por meio da ética, respeito e direitos constitucionais” e que os fatos relatados na pesquisa são anteriores a 1993, portanto “precedem a privatização da empresa, não tendo a companhia nenhuma ingerência, nacodigo do betanoorganização atual, sobre qualquer eventual acontecimento à época”.

A Fiat, montadora lídercodigo do betanovendas no mercado brasileiro, também espionou e cometeu violência contra funcionários, segundo a pesquisa, alémcodigo do betanoter empregado um ex-guerrilheiro infiltrado na luta contra a ditadura que ajudou o regime militar a perseguir opositores.

A empresa até o momento disse apenas que “não há memória” interna dos fatos e por isso não pode comentá-los publicamente.

Procurada pela BBC News Brasil, a Fiat não respondeu ao contato da reportagem até a publicação deste texto.

Alémcodigo do betanofigurarem na pesquisa, essas e outras empresas estão sendo investigadas pelo Ministério Público.

Mas, assim como no caso da Volkswagen, as investigações sendo conduzidas não necessariamente vão levar a ações judiciais.

Os procuradores e promotores podem decidir se vão apostar no litígio ou tentar acordoscodigo do betanoreparação — que podem ou não ser aceitos pelas empresas.

Como se tratacodigo do betanouma reparação civil, outros atores — como associaçõescodigo do betanovítimas — também podem usar os documentos como prova para abrir uma ação contra a empresa.

O comunicado do grupocodigo do betanopesquisadores coordenado pela Unifesp diz que as pesquisas não pretendem esgotar o assunto e nem chegar a conclusões finais sobre a responsabilidade das empresas, “mas sim estimular uma evolução no campo do processo brasileirocodigo do betanojustiçacodigo do betanotransição que o leve a abarcar a responsabilidade empresarial, tanto na esfera acadêmica quanto no plano das efetivas medidas jurídicascodigo do betanoresponsabilização”.