Como é viajar pelo 'lugar mais lindo da Terra':

"É engraçado, poucos turistas visitam esta parte da Geórgia. Mas é o lugar mais lindo da Terra – e o meu favorito", afirma Mirian Takvarelia, motorista da empresatransporte local GoTrip Georgia, que contrata táxis para viagensvários dias pelo país.

"Você precisa vir até aqui apenas uma vez para se apaixonar pelo Cáucaso."

Pergunto a Takvarelia há quanto tempo ele vem guiando turistas pela Rodovia Militar Georgiana. Ele sorri.

"Muito tempo", responde ele. "Talvez 15 ou 16 anos."

Dezesseis anos talvez não signifiquem muitooutros países, mas no sul do Cáucaso, onde fica a Geórgia, este período marca o tempo decorrido desde a Guerra Russo-Georgiana2008. O conflito durou cinco dias, mas deixou um rastrodevastação pela Rodovia Militar Georgiana.

A Geórgia fez parte da extinta União Soviética, entre 1921 e 1991. A estrada liga a capital georgiana, Tbilisi, à cidade fronteiriçaVladikavkaz, na Rússia. Ela é a única via terrestre direta entre a Geórgia e a Federação Russa.

Mas o históricoconflitos no país é muito mais antigo.

Historicamente, a Geórgia foi objetorivalidade entre os romanos, persas, otomanos e russos. O motivo élocalização estratégica, entre a Europa e a Ásia.

A Geórgia também mantinha uma antiga estrada no Cáucaso que conectava os dois continentes. Conhecida como Porta Caucasia, ela era fundamental para o transportetropas entre os diferentes impérios e para o lançamentoataques contra inimigos.

Após o TratadoGeorgievsk, no século 18, os russos fizeramPorta Caucasia um moderno caminho militar, que originou o nome Rodovia Militar Georgiana.

A estrada foi fundamental para muitas ofensivas militares russas nos séculos 18 e 19, como a Guerra do Cáucaso (1817-1864), a Guerra Russo-Circassiana (1763-1864) e a Guerra Múrida (1800-1864).

História militar à parte, a Porta Caucasia também foi um trecho importante da Rota da Seda, que ligava a China ao Mediterrâneo.

Caravanas carregadasseda, joias e especiarias passavam por ali, enquanto escritores antigos descreviam a beleza natural da região, como o grego Estrabo (c.63 a.C.-c.24 d.C.) e o romano Plínio, o Velho (23-79 d.C.).

Ainda hoje, a estrada é extremamente movimentada. Por ela, passatudo, desde produtos eletrônicos baratos até as perfumadas flores armênias da região do Cáucaso.

A estrada serveviapassagem para pessoas e ideias desde a Antiguidade, mas o rico patrimônio cultural da região foi ofuscado pelos conflitosmuitas ocasiões.

"[A Rodovia Militar Georgiana] é repletaarte e arquitetura. Ela representa o belo patrimônio histórico do nosso país", conta a guia turística local Sofia Knoeva, da agênciaviagens Friendly.ge.

"Todas as companhiasturismo da Geórgia estão, agora, incorporando a Rodovia Militar aos seus pacotes básicos para turistas estrangeiros, para que as pessoas possam vivenciar a riqueza cultural da região."

Percorrendo o trajeto

Para os próximos três dias, Takvarelia e eu estabelecemos um itinerário ao longo da rodovia, partindoTbilisi, no sul, até Stepantsminda, no norte do país. Iremos pararmosteiros remotos, mosaicos da era soviética, restaurantes que servem pratoskhinkali – os pastéis cozidos gigantes da Geórgia – e vales verdejantes, com seus fortes medievaisruínas.

Começamos pela cidade históricaMtskheta, sede da Igreja Ortodoxa Georgiana desde o século 4º.

Localizada entre a confluência dos rios Kura e Aragvi, Mtskheta foi um centro comercial importante da Rota da Seda e uma capital sagrada. Foi aqui que Santa Nina chegou à Geórgia, no ano 337, para converter a região ao Cristianismo.

Hoje, Mtskheta é Patrimônio Mundial da Unesco. A cidade abriga três igrejas: o Mosteiro Jvari, o Mosteiro Samtavro e o imenso complexo da Catedral Svetitstkhoveli.

O complexo do Mosteiro Samtavro abriga os túmulos do rei Mirian (o primeiro rei cristão da Geórgia) e darainha Nana. Acredita-se também que a Catedral Svetitskhoveli tenha recebido a túnicaJesus Cristo que foi trazida para Mtskheta por um judeu georgiano chamado Elioz.

O complexo da catedral data do século 11. Nele, admiro belos relevos escavados na pedra, vívida iconografia religiosa e detalhados afrescos.

Antigas ânforas quevri no jardim remetem à épocaque a catedral produzia seu próprio vinho, que era armazenado nestes recipientesbarro, embaixo da terra.

Enquanto passeio pelo centro históricoMtskheta, encontro pessoas vendendotudo, desde joias laqueadas e tapetes tradicionais até especiarias perfumadas e sorvetevinho. Eles me transportam ao tempoque as caravanas da Rota da Seda paravam nesta antiga cidadebuscacomida, repouso e oportunidadescomércio.

Mas o monumento mais simbólico do conjunto da UnescoMtskheta é o pequeno Mosteiro Jvari, do século 6º.

Empoleirado sobre um rochedofrente para os rios, o conjunto é um dos poucos exemplos remanescentes da arquitetura das igrejas georgianas do início da era medieval. Ele inclui detalhados baixos relevos e inscriçõesasomtavruli (a antiga escrita georgiana).

A igreja foi construída no local da primeira cruzmadeira erguida no século 4º, para simbolizar o surgimento do Cristianismo na Geórgia. Ela ainda é um dos locaisperegrinação mais sagrados do Cáucaso.

Depoisum dia explorando o passado religiosoMtskheta, começo a me embrenhar pelas montanhas para explorar os mosaicos soviéticos da Geórgia, antes que eles desapareçam.

Na exótica aldeiaTsikhisdziri, peço para descerum pontoônibus deserto, para admirar um painelcerâmica colorido, que está desmoronando. Ele mostra leões, cavalos, aves mitológicas e imagens folclóricastons brilhantesvermelho, azul e amarelo.

"Por que você quer parar aqui?", pergunta Takvarelia. "A Rodovia Militar [Georgiana] é repletamosaicos, especialmente nos muros das paradasônibus, mas ninguém mais vem até aqui para apreciá-los."

A maioria dos mosaicos ao longo da Rodovia Militar Georgiana data da segunda metade do século 20. Eles eram usados para difundir as mensagens culturais e políticas por todo o território da União Soviética.

Mas esta arte entrourápido declínio após o colapso da URSS,1991. Atualmente, a maior parte dos mosaicos da era soviética na Geórgia foi destruída ou se encontraruínas.

Percebendo meu interesse por este capítulo da história da Geórgia, Takvarelia se oferece para me levar ao AcampamentoJovens Pioneiros, o movimento infantil organizado pelo antigo Partido Comunista soviético.

O acampamento, chamado Tsiskari, hoje se encontra abandonado. Ele fica perto da aldeiaTskhvarichamia, a 30 km a lesteMtskheta.

À medida que me aproximoTsiskari, diversos mosaicos coloridos enfeitam cada centímetro da estrada que leva ao acampamento, ilustrando festividades georgianas earte popular.

O painel mais marcante mostra crianças uniformizadas como Jovem Pioneiros, tocando tambores e colhendo flores. Ele traz um poucovida a este desolado acampamentoverão.

"Oh, mas você ainda não viu o melhor mosaico da Geórgia", diz Takvarelia. Ele se refere ao Monumento à Amizade Rússia-Geórgia.

Nós então nos dirigimos ao Panorama Gudauri, onde fica o mais famoso mosaico da Geórgia – não sem antes provar o delicioso khinkaliPasanauri, uma bela aldeia nas margens do rio. Acredita-se que ela seja o localorigem dos famosos pastéis cozidos.

"Os khinkalisPasanauri são o equilíbrio perfeito entre massa, carne e caldo – uma combinação que literalmente explode naboca", descreve Takvarelia. Ele inclina a cabeça e prova o caldo, demonstrando a forma corretacomer khinkali.

"Se você não inclinar a cabeça, você irá derramar todo o caldo e você não quer que isso aconteça", explica ele, tomando outro gole.

Passo a tarde me maravilhando com o Monumento à Amizade Rússia-Geórgia. À primeira vista, a colossal estruturaconcreto oferece forte contraste com as deslumbrantes montanhas do Cáucaso. Mas um olhar maisperto revela imagens da história da Geórgia e da Rússia, celebrando os laços"amizade" entre as duas nações.

No último dia, Takvarelia aluga um veículo 4x4 e nos dirigimos ao remoto vale do Truso, no nordeste da Geórgia. Ao norte, fica a fronteira com a Rússia e, a oeste, a região separatista da Ossétia do Sul.

O vale do Truso fica a apenas 22 kmStepantsminda, mas a viagem leva duas horas, devido às precárias estradas das montanhas.

Repletoaldeias abandonadas e torresvigilância medievais, o vale éuma beleza deslumbrante.

Montanhas coloridasvermelho circundam pradarias cobertasflores silvestres e igrejas antigas contrastam com as águas brilhantes do rio Terek. A água mineral do pitoresco lago Abano borbulha, enquanto as ruínas do Forte Zakagori me convidam a invocar meu Indiana Jones interior.

"Reservei o melhor para o final", destaca Takvarelia. "Agora, você nunca mais irá esquecer a Rodovia Militar Georgiana."

E, neste ponto, estamospleno acordo.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel.