O gaúcho59 anos que resgatou 300 pessoascaiaque – sem saber nadar: 'Não posso me deprimir diante da tragédia':

Crédito, Fernando Otto/BBC News Brasil

Legenda da foto, Brizola nunca tinha andadocaiaque antesiniciar resgatepessoasPorto Alegre

Sem roupas ou nenhum equipamentoresgate além do caiaque, ele foi aprendendo a manusear a embarcação já no meio da inundação.

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“Eu fui meio surpreendido com o que eu conseguia fazer no caiaque”, conta ele, que diz ter uma ótima condição física por ter lutado kung fu ao longo da vida. Professor por formação, hoje ele trabalha com treinamentocachorros, shows e tratamentossaúde para crianças com ajuda dos bichos.

No segundo diaresgates, quando ajudava pessoas no bairroMathias velho, ele olhou para baixo, através da água, e viu que lá no fundo estavam os transformadores dos postesluz.

“A água chegou a oito, quem sabe dez metrosprofundidade. Então é muito alto isso, né?”, calcula.

Mesmo sem saber nadar, ele conta que não sentiu medo - estava apenas focado.

“Tanto que eu não saberia dizer exatamente que dia é hoje. Se você for perguntar no geral, só vai observar que as pessoas estão focadas. Elas não sabem que dia é hoje”, diz ele à BBC News Brasil.

“Faça uma pesquisa. Pergunte: ‘sabe que dia hoje, desde quando o senhor está aqui’. A maiorianós não sabe. Então estamos todos assim, muito focados, sabe? Tipo, a missão mesmo éajudar o irmão.”

Crédito, Fernando Otto/BBC News Brasil

Legenda da foto, Brizola está há uma semana trabalhando voluntariamente no resgate

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Em parceria com outros voluntários, Brizola ajudou a levar para os barcos maiores diversas pessoas ilhadaslocaisdifícil acesso.

De acordo com as contas do filho dele, que também ajudou nos resgates, Brizola deve ter socorrido mais300 pessoas ao longo da última semana - sem contar os bichos.

“Hoje fomos buscar um cachorro brabo que estava preso no segundo andarum prédio”, conta Brizola.

“Vários tentaram buscar e o dono veio junto. Mas o cachorro foi pra cima deles. Ai eu falei, queridão, deixa, eu vou”, diz ele, orgulhoso dahabilidade com os cães.

Com o caiaque, ele fez também o resgateum senhor90 anos com malAlzheimer.

Ele mesmo vai se tornar oficialmente um idoso na próxima semana, quando faz 60 anos. E apesar da boa saúde, os diastrabalho voluntário tem sido um esforço contínuo.

“No primeiro dia eu tive que tomar um relaxante muscular, mas depois deixei a coisa andar tranquila”, conta ele, que é dono19 cães (dez adultos e nove filhotes).

“Hoje eu acordei às 04h30 da manhã, levantei, alimentei os cães, limpei os canis, fritei o ovo lá com pão e fui embora”, conta ele.

Crédito, Diego Vara/Reuters

Legenda da foto, A perspectiva é que todo o Estado sofra com mais chuvas e ventos fortes no fimsemana

Reconstruir

Crédito, Fernando Otto/BBC News Brasil

Legenda da foto, Ivan ao ladocaiaque emprestadopeixeiro que usou para fazer a maior parte dos 300 resgates após enchentes no Sul

As enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul deixaram, até quinta (9/5), 107 mortos, 327 mil desalojados e afetaram 1,7 milhãopessoas431 municípios.

E a perspectiva é que todo o Estado sofra com mais chuvas e ventos fortes no fimsemana, segundo os serviçosmeteorologia.

Brizola tenta não desanimar e diz que tem energia para mais dias trabalhando no resgate.

“Uma coisa que a gente tem que levar no nosso coração, quem tá ajudando, é não se deprimir diante da tragédia”, afirma. “Está todo mundo muito, muito, abalado.”

Ele conta que, assim como os voluntários resgatam os moradores, quem pode também ajuda as equipesresgate: "Oferecem água (que estáfalta no Estado), comida, ajudam com o que podem".

“Quem está recebendo ajuda entende que tá ganhando muito amor, e essa união é o que vai nos manter, vou levar a coisa pro amor, pro lado bonito dessa irmandade, esse amor. Se a gente virar essa energia para o outro lado, ficar todo deprimido, aí a conta fica mais cara.”

“Só tenho vontadetrabalhar,fazer tipo formiguinha que cada dia carrega minha carga. E vamosfrente.”

Crédito, EPA-EFE/REX/Shutterstock

Legenda da foto, Cidades inteiras foram devastadas pelas inundações

A preocupação dele eoutros voluntários é sobre o que vai acontecer quando a água baixar.

“Eu tenho duas preocupações: primeiro o que a gente vai encontrar debaixo da água”, afirma. “E segundo, pensar que isso aqui é só a metade do trabalho feito.”

Ele conta que alémkung fu, treinar cachorros e ser professor, ele tem alguma habilidade para reforma - e se disponibiliza para trabalhar voluntariamente.

“Eu, quando guri, fiz um cursoeletricista no Senai. Então fico à disposição da comunidade para na minha hora livre ajudar na reconstrução com a parte elétrica”, diz.

“Écasa,empresa, do que precisar. Eu acho que a gente tem que dar as mãos agora também pra ir pra essa outra parte, que é a reconstrução, que as pessoas têm uma vida para retomar”, afirma.

Apesartudo, Brizola não perdeu o bom humor.

“A gente passa alegria para as pessoas quando vai resgatar, sabe?”, diz ele. “Eu pergunto pro senhoridade: já esteveVeneza? Não? Eu também nunca fui. Mas olha, aqui, o barqueiro vai te conduzir, querido. Vai tranquilo.”

*colaborou Letícia Mori,São Paulo