Revolta da Vacina: como leics go betvacinação obrigatória provocou caos no Riocs go betJaneiro há 120 anos:cs go bet

Bonde virado durante a Revolta da Vacina

Crédito, Autor desconhecido/ Domínio Público

Legenda da foto, Bonde virado durante a Revolta da Vacina

“O Brasil passava por um momentocs go betvolta da varíola, que havia sido dada como erradicadacs go bet1896”, contextualiza à BBC News Brasil o historiador João Manuel Casquinha Malaia Santos, professor da Universidade Federalcs go betSanta Maria.

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“Além do crescimento do númerocs go betcasoscs go betvaríola, o Riocs go betJaneiro, então capital federal, passava por inúmeras reformas urbanas, principalmente na região central. O maior símbolo dessa reforma era a abertura da Avenida Rio Branco. Portanto, a leics go betvacinação obrigatória estava dentrocs go betum contextocs go betreformas urbanas e sanitárias.”

No dia 9cs go betnovembro, o jornal A Notícia publicou um projetocs go betregulamentação da nova lei. A ideia seria que comprovantescs go betvacinação se tornassem necessários para o registrocs go betnovos empregos, matrículas nas escolas, viagens, hospedagenscs go bethotéis e até mesmo para a realizaçãocs go betcasamentos. Multas estavam previstas aos que não se sujeitassem ao procedimento.

Charge crítica à vacinação por conta da leics go bet1904

Crédito, Arquivo Nacional

Legenda da foto, Charge crítica à vacinação por conta da leics go bet1904

Revolta e favelização

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Foi o estopim para uma revolta popular. Ao longocs go betuma semana, conflitos e manifestações tomaram conta do centro do Rio, então capital da República. Um grupocs go betmilitares, com apoiocs go betcivis descontentes, chegou inclusive a flertar com um golpecs go betEstado, na madrugada do dia 14 para o dia 15.

A confusão, contudo, foi restrita à capital federal.

“A Revolta foi um episódio restrito ao Riocs go betJaneiro e surgiucs go betum contextocs go betdisputas pelo poder político,cs go betreforma urbana no então Distrito Federal,cs go betlutas sindicalistas por melhores salários,cs go betcarestia ecs go betreação ao caráter autoritário e intervencionista das medidas sanitárias determinadas”, explica à BBC News Brasil a historiadora Christiane Maria Cruzcs go betSouza, doutoracs go betHistória das Ciências da Saúde.

“No restante do país, pode ter havido resistências individuais à vacina e à vacinação, motivadas por questões ideológicas, médico-científicas,cs go betcaráter religioso ou mesmo por desconfiançacs go betrelação aos métodos, à eficácia e aos possíveis efeitos colaterais da vacina e da vacinação”, completa ela. “Mas não há registroscs go betmovimentos semelhantes ao ocorrido no Rio.”

Conforme esclarece à BBC News Brasil a farmacêutica e historiadora Tania Dias Fernandes, pesquisadora da Casacs go betOswaldo Cruz, da Fundação Oswaldo Cruz, esta leics go bet1904 não foi a primeira tentativacs go bet“implantar a obrigatoriedade da vacina no Brasil”. Iniciativas semelhantes vinham desde o pós-Independência, sem sucesso.

Oswaldo Cruz

Crédito, Arquivo Nacional

Legenda da foto, Oswaldo Cruz

“Esta [acs go bet1904] estács go betum contexto muito específicocs go betmudanças na cidade do Riocs go betJaneiro e propostascs go betreorganização dos serviçoscs go betsaúde, serviços sociais e da própria cidade, com reurbanização dos grandes polos do centro, onde havia uma gama enormecs go betmoradias populares”, explica ela. Além disso, a pesquisadora ressalta que entre 1903 e 1904 o Rio havia sofrido com um surto muito intensocs go betvaríola — o que aumentou a pressão para que o governo fizesse algo.

Fernandes frisa ainda que a legislação “trazia dentro dela um aspecto coercitivo e punitivo muito violento”.

“O movimento paralisou a cidade do Riocs go betJaneiro entre os dias 10 e 16cs go betnovembrocs go bet1904”, diz Souza. Então o governo decretou estadocs go betsítio e suspendeu a vacinação obrigatória. A ideia era botar panos quentes no fervor popular. Forças policiais se encarregaram na repressão. O saldo oficial da revolta foram 30 mortos, 110 feridos, 945 presos no Presídio Naval da Ilha das Cobras e 461 deportados para o Acre. “O governo repreendeu fortemente a população que se revoltou”, avalia Santos.

Mas a revolta não foi apenas por conta da vacina. Havia já um contextocs go betinsatisfação popular na capital do Brasil naqueles anos — pesquisadores costumam dizer que a vacinação obrigatória acabou sendo o pretexto que faltava para que o descontentamento se tornasse motim.

No início do século 20 o Riocs go betJaneiro passava por mudanças urbanísticas e sanitaristas profundas, encabeçadas pelo então prefeito Francisco Pereira Passos (1836-1913), com anuência da presidência da República.

A ideia era modernizar a capital do país, preparando-a para o século 20 e expurgandocs go betseu centro as marcas do colonialismo. As ruas foram alargadas e os cortiços, que dominavam a região central, foram destruídos.

Vale ressaltar que esses cortiços não surgiram por acaso. De 1890 a 1906 a população do Rio saltoucs go betpouco maiscs go bet500 mil para 800 mil habitantes, com o início da industrialização e a afluênciacs go betex-escravizados e imigrantes europeus. Na faltacs go bethabitação popular, antigos casarões do centro acabaram redivididos por seus proprietários, sendo cada cubículo destinado a uma família. Eram as pensões populares ou os cortiços.

Com a destruição desses espaços, a população mais pobre,cs go betgrande parte formada por ex-escravizados e seus descendentes, se viu expulsa do centro da cidade —cs go betum fenômeno socio-urbanístico que hoje é chamadocs go betgentrificação. Acabaram se instalando nos morros, formando as primeiras favelas do Rio.

Nesse processocs go betmodernização, o já renomado médico Oswaldo Cruz (1872-1917) foi nomeado Diretor Geralcs go betSaúde Pública. Ele tinha grandes problemas sanitários para enfrentar. E precisava controlar as epidemias, principalmente a febre amarela, a peste bubônica e a varíola.

O médico assumiu o cargo com carta-branca para conduzir suas ações. Sua divisão tinha autoridade para invadir, vistoriar, fiscalizar e demolir casas e construções. Era uma verdadeira guerra contra as doenças.

Para controlar a febre amarela, ele focou os esforços na eliminação do mosquito transmissor e no isolamento dos doentes. Contra a peste bubônica, promoveu uma intensa campanhacs go betdesratização. “A imprensa do período passou a atacar duramente Oswaldo Cruz. Notícias começaram a aparecer na imprensa dando contacs go betque os agentes invadiam as casas atráscs go betratos, para desfazer focoscs go betágua parada, ou despejar nas casas fumaçacs go betenxofre para matar mosquitos”, afirma o historiador Santos.

Já para acabar com a varíola, o jeito eficiente era a vacinaçãocs go betmassa.

“Um dos motivos que levou ao descontentamento popular foi o fatocs go betque as medidascs go betsaúde pública não foram bem informadas, principalmente para as camadas mais pobres. A população não entendeu e nem gostou das medidas. E Oswaldo Cruz começou a caircs go betdesgraça”, avalia Santos.

Naquela época, não existiam campanhas maciçascs go betvacinação. “O que havia eram apenas algumas iniciativascs go betalgumas cidadescs go betvacinaçãocs go betpessoascs go bethorários restritos, geralmente na sede das intendências, atuais prefeituras”, explica o historiador Santos. “Mas eramcs go betpoucos lugares ecs go bethorários bastante restritos. Havia ainda alguns médicos, alguns deles ligados às delegaciascs go bethigiene, que aplicavam vacinas a quem quisesse,cs go betsuas próprias casas.”

Foi esse contexto que permitiu, depoiscs go betdebates acalorados no parlamento, a criação do decreto presidencial. O povo pobre, já incomodado pelas mudanças, revoltou-se. “A população então passou a se concentrar no centro da cidade. E os atos começaram: lampiões foram incendiados, barricadas foram montadas, bondes virados e incendiados”, afirma o historiador Santos.

Mas se o motim terminou com a suspensão da vacinação obrigatória, a conta veio. Em 1908, uma epidemiacs go betvaríola matou quase 6,4 mil pessoas no Rio.

Barricada erguida no bairro da Saúde, no Rio

Crédito, Autor desconhecido/ Domínio Público

Legenda da foto, Barricada erguida no bairro da Saúde, no Rio

O caso da Cypriana

Santos situa a Revolta da Vacina como “uma das maiores revoltas urbanas que o Brasil já conheceu”. E lembra que havia um climacs go betpolarização, com a oposição ao governo fazendo campanha contra. A imprensa também se dividiu. De um lado, a revista O Malho defendia o progresso científico. De outro, a Tagarela argumentava que era preciso respeitar “o direitocs go betcada um decidir se queria ou não ser vacinado”, exemplifica Santos.

Houve um caso que reverberou muito na imprensa e, segundo o historiador, pode ser entendido como “uma gasolina a mais na fogueira”. Uma mulher negra, chamada Cypriana Leocadia, morreu e o médico legista declarou como causa da morte “septicemia consecutiva à vacina”. “Foi o que bastou para o deputado [Alexandre José] Barbosa Lima [(1862-1931)], ligado ao grupo dos positivistas [oposição ao governocs go betentão] levar esse laudo ao Congresso como uma prova: a vacina mata”, conta Santos.

“O caso da ‘preta Cypriana’, como ficou conhecido nas páginas da imprensa, passou a ser usado inclusive para acusaçõescs go betque o governo queria matar a população pobre”, diz o historiador. “Os jornais começaram a noticiar outras ‘vítimas das medidas da defesa sanitária’.”

Também foi propagada a notícia falsacs go betque os agentescs go betsaúde queriam se aproveitar da vacinação para ver os braços e o dorso das moças. “A [revista] Tagarela publicou várias charges fazendo piada com essa situação, o que inflamou ainda mais os ânimos”, relata Santos.

“A mídia contribuiu para acirrar os ânimos naquele período, com matérias contra a lei e charges ridicularizando Oswaldo Cruz e sugerindo efeitos colaterais desastrosos”, comenta a historiadora Souza.

Charge publicada na época satirizando a leics go betvacinação obrigatória, publicada na revista O Malho

Crédito, Acervo Casacs go betOswaldo Cruz

Legenda da foto, Charge publicada na época satirizando a leics go betvacinação obrigatória, publicada na revista O Malho

E a varíola?

“A legislaçãocs go bet1904 acabou não sendo levada a cabo. Ficou como uma letra encostada”, comenta Fernandes. Em outras palavras: depoiscs go betacalmados os ânimos, a lei seguiu vigendo, mas ninguém se dava ao trabalhocs go betfiscalizarcs go betaplicação.

Fernandes explica que a varíola foi controlada no mundo a partir dos anos 1940, graças à programascs go betvacinação. A essa altura, o Brasil fazia partecs go betum pequeno grupocs go betpaíses onde a doença seguia sendo registrada.

Houve pressão internacional. No início dos anos 1960, o país criou uma campanha nacional contra a varíola, reforçadacs go bet1966 com a campanhacs go beterradicação da doença.

Segundo a pesquisadora Fernandes, passou a ser utilizado um injetorcs go betpressão para melhorar a agilidade da imunização e, nessas campanhascs go betmassa eram vacinadas até mil pessoas por hora.

O último caso brasileirocs go betvaríola ocorreucs go bet1971. Desde 1973 o país tem a certificação da Organização Mundialcs go betSaúdecs go beterradicação da doença. Em 1980 a varíola foi considerada erradicadacs go bettodo o planeta.