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Gisèle Pelicot, a mulher que abalou as atitudes dos franceses sobre o estupro:casino aurora
- Author, Andrew Harding
- Role, Correspondente da BBC Newscasino auroraParis
casino aurora Aviso: Esta reportagem contém descriçõescasino auroraabuso sexual.
Todas as manhãs, as filas começavam a se formar antes do amanhecer. Gruposcasino auroramulheres — sempre mulheres — permaneciam no friocasino auroraoutonocasino aurorauma calçada adjacente a um anel viário movimentado, do ladocasino aurorafora do tribunalcasino auroravidro e concretocasino auroraAvignon, na França.
Elas vieram, dia após dia. Algumas traziam flores. Todas queriam estar a postos para aplaudir Gisèle Pelicot enquanto ela subia, determinada, os degraus e atravessava as portascasino auroravidro. Algumas ousavam abordá-la.
Outras gritavam: "Estamos com você, Gisèle". Ou: "Seja valente".
A maioria permanecia no local, na esperançacasino auroraconseguir um lugar na salacasino auroraescuta pública da corte,casino auroraonde poderiam assistir ao julgamentocasino aurorauma telacasino auroratelevisão.
Elas estavam lá para testemunhar a coragemcasino aurorauma avó, sentadacasino aurorasilêncio no tribunal, cercada por dezenascasino auroraseus supostos estupradores.
"Eu me vejo nela", disse Isabelle Munier,casino aurora54 anos.
"Um dos homens que está sendo julgado já foi meu amigo. É nojento."
"Ela se tornou uma representante do feminismo", acrescentou Sadjia Djimli,casino aurora20 anos.
Mas essas mulheres também estavam ali por outros motivos.
Acimacasino auroratudo, ao que parece, elas estavamcasino aurorabuscacasino aurorarespostas. Enquanto a França digere as implicaçõescasino auroraseu maior julgamento por estupro, que deve terminar nesta semana, fica claro que muitas mulheres francesas — e não apenas as que estavam no tribunalcasino auroraAvignon — estão refletindo sobre duas questões fundamentais.
A primeira questão é visceral. O que isso pode dizer sobre os homens franceses — alguns diriam todos os homens —, já que 50 deles,casino auroraum pequeno bairro rural, estavam aparentemente dispostos a aceitar um convite casual para fazer sexo com uma mulher desconhecida enquanto ela estava deitada, inconsciente, no quartocasino auroraum estranho?
A segunda questão é um desdobramento da primeira: até que ponto este julgamento vai ajudar a combater uma epidemiacasino auroraviolência sexual ecasino auroraestupro facilitado por drogas, e a desafiar preconceitos e ignorância profundamente arraigados sobre vergonha e consentimento?
Simplificando, a posição corajosacasino auroraGisèle Pelicot ecasino auroradeterminação — como ela mesmo disse,casino aurorafazer com que a "vergonha troquecasino auroralado", da vítima para o estuprador— vão mudar alguma coisa?
Por trás das máscaras dos acusados
Uma toneladacasino auroracocaína, três brasileiros inocentes e a busca por um suspeito inglês
Episódios
Fim do Novo podcast investigativo: A Raposa
Um julgamento longo cria seu próprio microclima e, nas últimas semanas, um estranho tipocasino auroranormalidade se desenvolveu dentro do Palaiscasino auroraJusticecasino auroraAvignon.
Em meio às câmerascasino auroraTV e aos gruposcasino auroraadvogados, a visãocasino auroradezenascasino aurorasupostos estupradores — com os rostos nem sempre escondidos por tráscasino auroramáscaras — não provocava mais o choque que causava no início.
Os acusados passeavam, batendo papo, fazendo piada, pegando café na máquina ou casino aurorauma cafeteria do outro lado da rua e, durante o julgamento,casino auroraalguma forma enfatizaram o argumento centralcasino aurorasuas várias estratégiascasino auroradefesa: que eram apenas caras normais, uma amostra representativa da sociedade francesa, que estavam procurando uma aventuracasino aurora"swing" online e se envolveramcasino auroraalgo inesperado.
"[Esse argumento] é a coisa mais chocante sobre este caso. É angustiante pensar sobre isso", diz Elsa Labouret, que trabalha para o grupo ativista francês Dare to be Feminist.
"Acho que a maioria das pessoascasino aurorarelacionamentoscasino auroralongo prazo com homens pensacasino auroraseu parceiro como alguém confiável. Mas agora há esse sensocasino auroraidentificação [com Gisèle Pelicot] para muitas mulheres. Tipo: 'Isso pode acontecer comigo'."
"Não se tratacasino auroragênios do crime", ela acrescenta. "Eles simplesmente entraram na internet. Portanto, é possível que coisas semelhantes estejam acontecendocasino auroratodos os lugares."
Esta é uma visão amplamente aceita, mas também amplamente contestada na França.
O Institutocasino auroraPolíticas Públicas da França divulgou dadoscasino aurora2024 mostrando que,casino auroramédia, 86% das denúnciascasino auroraabuso sexual e 94% dascasino auroraestupro não foram processadas ou nunca foram levadas a julgamento, no período entre 2012 e 2021.
Labouret argumenta que a violência sexual acontece quando certos homens sabem que "podem sair impunes".
"E acho que este é um grande motivo pelo qual ela é tão desenfreada na França", ela completa.
'Nem monstros, nem homens comuns'
Durante os quatro mesescasino aurorajulgamento, ao finalcasino auroracada intervalo no tribunal, os acusados se reuniam junto ao detectorcasino aurorametais antescasino aurorapassar pela imprensa, emcasino auroramaioria jornalistas mulheres, que também aguardavam para entrar na sala. Lá dentro, um por um, os homens se revezavam para compartilhar seus relatos.
Um psiquiatra nomeado pelo tribunal, Laurent Layet, afirmoucasino auroradepoimento que os acusados não eram "monstros", nem "homens comuns".
Alguns choraram. Outros confessaram. Mas a maioria ofereceu uma sériecasino auroradesculpas, com muitos afirmando que eram simplesmente "libertinos" — como dizem os franceses —, satisfazendo as fantasiascasino auroraum casal, e que não tinham como saber que Pelicot não havia consentido. Outros alegaram que Dominique Pelicot, o maridocasino auroraGisèle, os havia intimidado.
Existem poucos padrões claros ou características compartilhadas entre os 51 homenscasino aurorajulgamento. Eles representam um amplo espectro da sociedade: três quartos têm filhos.
Metade é casada ou estácasino auroraum relacionamento. Pouco maiscasino auroraum quarto deles disse ter sofrido abuso ou estupro na infância.
Não há um fator comum perceptível relacionado à idade, emprego ou classe social.
As duas características que todos compartilham são o fatocasino auroraserem homens — ecasino auroraterem feito contatocasino auroraum fórumcasino aurorabate-papo online ilícito chamado Coco, conhecido por atender adeptoscasino auroraswing, alémcasino auroraatrair pedófilos e traficantescasino auroradrogas.
De acordo com os promotores franceses, o site, que foi fechado no início deste ano, foi citadocasino auroramaiscasino aurora23 mil relatórioscasino auroraatividades criminosas.
A BBC descobriu que 23 dos que estão sendo julgados — ou 45% — tinham condenações criminais prévias.
"Não existe um perfil típicocasino aurorahomens que cometem violência sexual", concluiu Labouret.
Uma pessoa que acompanhou o caso maiscasino auroraperto do que a maioria é Juliette Campion, uma jornalista francesa que esteve no tribunal durante todo o julgamento para fazer uma reportagem para a emissora pública France Info.
"Acho que este caso poderia ter acontecidocasino auroraoutros países, é claro. Mas acho que ele diz muito sobre como os homens veem as mulheres na França. Sobre a noçãocasino auroraconsentimento", diz ela.
"Muitos homens não sabem o que é consentimentocasino aurorafato, portanto [o caso] diz muito sobre nosso país, infelizmente."
Uma questãocasino aurora'Sr. Todo Mundo'
O caso Pelicot certamente está ajudando a moldar as atitudescasino aurorarelação ao estupro na França.
Em 21casino aurorasetembro, um grupocasino aurorahomens francesescasino auroradestaque, incluindo atores, cantores, músicos e jornalistas, escreveu uma carta pública que foi publicada no jornal Libération, argumentando que o caso Pelicot provou que a violência masculina "não é uma questãocasino auroramonstros".
"É uma questãocasino aurorahomens,casino auroraMonsieur-Tout-Le-Monde (algo como 'Sr. Todo Mundo')", dizia a carta.
"Todos os homens, sem exceção, se beneficiamcasino auroraum sistema que domina as mulheres."
O texto também esboçava um "roteiro" para os homens que buscam desafiar o patriarcado, com conselhos como "vamos pararcasino aurorapensar que existe uma natureza masculina que justifica nosso comportamento".
Alguns especialistas acreditam que o grande interesse público no caso Pelicot já pode estar gerando benefícios.
"Este caso é muito útil para todos, para todas as gerações, para meninos, meninas e adultos", diz Karen Noblinski, advogada baseadacasino auroraParis especializadacasino auroracasoscasino auroraabuso sexual.
"Ele aumentou a conscientização entre os jovens. O estupro nem sempre acontececasino auroraum bar,casino aurorauma boate. Pode acontecer na nossa casa."
A hashtag #NotAllMen
Mas há, claramente, muito mais trabalho a ser feito. No início do julgamento, me encontrei com Louis Bonnet, que é o prefeito do vilarejo natal dos Pelicot, Mazan.
Embora tenha sido categórico ao condenar os supostos estupros, ele declarou claramente — e por duas vezes — que achava que a experiênciacasino auroraGisèle Pelicot havia sido exagerada, e argumentou que, como ela estava inconsciente, havia sofrido menos do que outras vítimascasino auroraestupro.
"Sim, estou minimizando, porque acho que poderia ter sido muito pior", afirmou ele, na época.
"Quando há crianças envolvidas ou mulheres mortas, isso é muito grave porque não se pode voltar atrás. Neste caso, a família vai ter que se reconstruir. Vai ser difícil, mas ninguém morreu. Então, eles ainda podem fazer isso."
Os comentárioscasino auroraBonnet provocaram indignaçãocasino auroratoda a França. Mais tarde, o prefeito emitiu uma declaração, expressando suas "sinceras desculpas".
Na internet, muitos dos debatescasino auroratorno do caso se concentraram na sugestão controversacasino auroraque "todos os homens" são capazescasino auroraestuprar. Não há nenhuma evidência que sustente esta alegação. Alguns homens se opuseram ao argumento, usando a hashtag #NotAllMen.
"Não pedimos a outras mulheres que carreguem a 'vergonha'casino auroramulheres que se comportam mal, por que o simples fatocasino auroraser homem nos qualificaria para carregar a vergonha?", perguntou um homem nas redes sociais.
Mas a reação foi rápida. As mulheres reagiram à hashtag #NotAllMen com raiva e, às vezes, com detalhescasino auroraseus próprios abusos.
"A hashtag foi criada por homens e usada por homens. É uma formacasino aurorasilenciar o sofrimento das mulheres", escreveu a jornalista Manon Mariani.
Mais tarde, um músico e influenciador do sexo masculino, Waxx, acrescentoucasino auroraprópria crítica, dizendo aos usuários da hashtag para "calarem a bocacasino aurorauma vez por todas".
"Não se tratacasino auroravocês, trata-secasino auroranós. Homens matam. Homens atacam. Ponto final."
Elsa Labouret acredita que as atitudes francesas ainda precisam ser desafiadas.
"Acho que muitas pessoas ainda pensam que a violência sexual é sexy ou romântica ou algo que faz parte da maneira como fazemos as coisas aqui [na França]", ela argumenta.
"E é muito importante que questionemos isso, e que não aceitemos esse tipocasino auroraargumentocasino auroraforma alguma."
Submissão química — e evidências
Em seu pequeno escritório, logo atrás do prédio do Parlamento francês no Rio Sena, Sandrine Josso, uma parlamentar, tem um cartaz com um palavrãocasino auroraquatro letras ao ladocasino aurorasua mesa.
Ele captura o espíritocasino auroradesafio e determinação que está conduzindocasino auroracampanha contra o que é conhecido na França como "submissão química", ou drogar para estuprar.
Um ano atrás,casino auroranovembrocasino aurora2023, ela estavacasino aurorauma festa no apartamentocasino auroraum senador chamado Joel Guerriau,casino auroraParis.
Ela alega que ele colocou uma drogacasino auroraseu champanhe com a intençãocasino auroraestuprá-la.
Guerriau negou ter tentado drogá-la, culpando uma "falhacasino auroramanuseio", e dizendo aos investigadores que a taça havia sido contaminada um dia antes.
Em uma declaração, seu advogado disse: "Estamos a quilômetroscasino auroradistância da interpretação obscena que alguém poderia inferir ao ler os relatos iniciais na imprensa". Um julgamento está previsto para o próximo ano.
Atualmente, Josso está fazendo campanha, como ela diz, para "tornar a jornada das vítimas mais fácil" quando se trata do sistema judiciário francês.
"Hoje, é um desastre. Pouquíssimas vítimas que registram queixa conseguem levar o caso a julgamento, devido à faltacasino auroraevidências. Não há apoio médico, psicológico ou jurídico suficiente. Encontramos deficiênciascasino auroratodos os lugares quando se tratacasino auroraviolência sexual."
Josso agora uniu forças com a filhacasino auroraGisèle Pelicot, Caroline, para criar um kitcasino auroratestecasino auroradrogas que poderia ser disponibilizadocasino aurorafarmáciascasino auroratoda a França. Ela obteve apoio do governo para um lançamento experimental, auxiliado pela publicidade gerada pelo caso Pelicot.
"Estou otimista. O mundo médico e o povo francês querem que a vergonha mudecasino auroralado [da vítima para o acusado]", diz Josso, citando a expressão que Gisèle Pelicot tornou famosa.
Mas a química Leila Chaouachi, especialista do Centrocasino auroraMonitoramentocasino auroraDependênciacasino auroraParis, diz que o julgamentocasino auroraAvignon é apenas um passocasino aurorauma longa luta para conscientizar as pessoas sobre drogas e estupro.
"Isso precisa se tornar uma questão importantecasino aurorasaúde pública, que todos levem a sério e que obrigue as autoridades a resolver urgentemente essas questões para melhorar o atendimento às vítimas."
"É importante que todos nós pensemos sobre o problema, que o consideremos uma questãocasino aurorasaúde, não apenas uma questãocasino aurorajustiça. Isso diz respeito a todos nós."
Atualmente, a palavra "consentimento" não está incluída na definiçãocasino auroraestupro na legislação francesa, por isso alguns argumentam que a lei deve ser alterada para torná-la mais explícita. Mas Noblinski acredita que o foco deve ser outro.
"Deveria ser na polícia, nas investigações, no financiamento adequado, e nãocasino auroramexer na lei", diz ela.
"Eles não têm recursos suficientes. Eles têm casos demais, e esse é o verdadeiro problema. Quando você tem muitas coisas para lidar, é muito difícil encontrar evidências."
Em seu trajeto diário para o tribunal, durante as primeiras semanas do julgamento, Gisèle Pelicot caminhava com os ombros curvados e a postura defensiva. Ela parecia perturbada pelo grande nívelcasino aurorainteresse que o caso despertou.
No entanto, nos argumentos finais, seu comportamento se mostrou totalmente diferente — e ela se sentou perfeitamente preparada.
Isso coincidiu com uma mudança maior: à medida que o julgamento avançava, os promotores, os espectadores — e a própria Pelicot — passaram a entender o impacto extraordináriocasino aurorasua decisãocasino auroraoptar não apenas por um julgamento aberto, mas por mostrar todos os detalhes no tribunal.
"Ela está nos mostrando que, se você é uma vítima, faça o possível para não carregar a vergonha. Mantenhacasino auroracabeça erguida", diz Elsa Labouret.
"Como mulher, você começa sendo duvidada. Você começa como uma mentirosa, e temcasino auroraprovar que é verdade. Não duvido que toda mulher tenha passado por alguma coisa. Alguma coisa, você sabe. Dessa forma, ela representa todas as mulheres do mundo."
"[Gisèle Pelicot] decidiu tornar isso maior do que ela mesma. Para tornar isso sobre a maneira como nós, como sociedade, tratamos a violência sexual."
Ao saircasino auroramais um dia no tribunal, a jornalista francesa Juliette Campion parou para refletir sobre o impacto que o caso poderia ter.
"Foi difícil ver todos aqueles vídeos. Como mulher, é complicado, e me sinto cansada", diz ela.
"Mas pelo menos fizemos nosso trabalho e falamos sobre isso. É um passo muito pequeno. Não será uma grande coisa. A única coisa que posso esperar agora é que seja um divisorcasino auroraáguas para alguns homens. E para algumas mulheres também, quem sabe."
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