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Porto Alegre enfrenta cheia inédita e teme próximos dias: 'Estamos agradecidos por estarmos vivos':
A cheia1941 traumatizou Porto Alegre e foi um dos motores para que a capital gaúcha construísse um complexo sistema anti-enchentes, agoradebate: ele deixouser suficiente como defesa?
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Assim como há 83 anos, o centroPorto Alegre, da Ponta do Gasômetro ao Mercado Público, numa extensãocercadois km, submergiu diante do avanço da água. A região abriga os principais órgãos da administração municipal, museus e a sede do Comando Militar do Sul.
Na manhãsábado, barcos circulavam na região, evacuada horas antes.
A inundação, porém, não se limita ao centro. Há pontosalagamentonorte a sul na capital.
O Aeroporto Internacional Salgado Filho suspendeu os voos na noite do dia 3. O trensurb, metrôsuperfície que liga a capital a municípios da região metropolitana, está foraoperação.
A principal ligação rodoviária da capital com a região sul do Estado, a BR-290, tinha até a noitesexta-feira (3) oito pontosbloqueio, incluindo a ponte velha sobre o Guaíba.
Um dique junto ao rio Gravataí, no bairro Sarandi, zona nortePorto Alegre, começou a apresentar extravasamento na noitesexta-feira.
O Hospital MãeDeus, no bairro Menino Deus, foi atingido pela água, assim como o estacionamento do Shopping PraiaBelas.
A situaçãoPorto Alegre esua região metropolitana – também há bairros inteiros sob as águasCanoas, Guaíba e Eldorado do Sul – junta-se aos danosoutras áreas do Estado.
No Rio Grande do Sul, mais800 mil pessoas estão sem água e quase metade desse contingente está sem luz,acordo com a Defesa Civil.
Mais70 mortes foram confirmadas e há dezenasdesaparecidos, repetindo cenastragédia que a região viveu no ano passado, também com fortes temporais.
“Não foi sem precedente”
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Porto Alegre tem um sistema anti-enchentes formado por diques e comportas e criado nos anos 1970, mas ele não deu conta da alta velocidade com que as águas do Guaíba subiram nos últimos dias, explica o professor do InstitutoPesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Rodrigo Paiva à BBC News Brasil.
Segundo ele, como a cidade passou décadas sem registrar cheias tão significativas como a1941, a demanda popular por melhorias no sistema não era grande.
A semana, no entanto, foialertas e debate sobre se essas defesas da cidade eram suficientes, num cenáriointensificação das chuvas nos últimos anos, que estudos e cientistas creditamparte à crise climática global.
O sistema anti-cheias conta com 68 kmsdiques, 14 comportas e 19 casasbomba,acordo com a prefeituraPorto Alegre. Além dessas estruturas, o sistema conta ainda com o célebre Muro da Mauá, uma estruturaquase 3 kmcomprimento, com três metros abaixo do solo e outros três acima dele, construído para proteger os principais prédios históricosPorto Alegre.
Foi justamente essa barreira real e também psicológica que a cheia atual ultrapassou, com as águas invadindo o Centro Histórico – aléminformações a respeito da pressão sobre as demais estruturas.
Na sexta-feira, o diretor do Departamento MunicipalÁgua e Esgotos (Dmae), Maurício Loss, disse que o arcabouçocontenção da cidade nunca havia recebido tamanho volumeágua, segundo o jornal Zero Hora.
“Não foi sem precedente. Havia avisosque o padrãochuvas estava mudando”, pontua Fabricio Pontin, analista político e professorRelações Internacionais da Universidade LaSalle.
“Uma cidade como Santa Teresa, no interior, foi destruída duas vezesoito meses. Como não se verificou a manutenção do sistemaPorto Alegre?”, questiona ele, que também é professor do departamentopós-graduaçãoEducação na mesma universidade.
“Estou num apartamento seguro, estou blindado. Mas nos gruposWhatsApp das minhas turmas o que me passam é desespero puro com o que estão perdendo”, diz ele, frisandoespecial a cidadeCanoas, ondeuniversidade tem um campus.
Para Pontin, as chuvas atípicas encontraram nas cidades opções ambientais eplanejamento urbano que potencializam os danos. O quadro, segundo ele, obriga a debater a dimensão política da tragédia.
“Mas não estou otimista que esse debate racional aconteça”, afirma ele, que avalia que a discussão atual já foi capturada pela polarização política, com alas à direita e à esquerda, ora culpando apenas o governo federal ou apenas forças mais conservadoras pelo problema.
Sem ter para onde ir
A BBC News Brasil percorreu 60 quilômetros na orla do Guaíba na manhãsábado, do Lami, no extremo sul da capital, ao Centro.
Em todos os bairros do trajeto, havia pontosalagamento e vias interrompidas. Nos pontos mais críticos, moradores atingidos pela inundação contemplavam o cenário com atitudes que iam da resignação à perplexidade e ao desespero.
Na Praia do Lami, as moradoras Adelita Maria Ramgrab, 57 anos, e Maria Helena Silveira Carvalho, 68 anos, foram expulsassuas casas pela água, sem ter para onde ir.
"Na última enchente,novembro, o nível do Guaíba ficou vários metros abaixoagora”, disse Adelita.
Na esquina da avenida BorgesMedeiros com a rua dos Andradas, celebrada como Esquina Democrática, três policiais da Brigada Militar, a cavalo, montavam guarda dianteuma barreiracontenção feita com tapumes e contêineres. O númerotranseuntes, que costuma ser intenso no local nas manhãssábado, era pequeno.
Diante da garagemuma empresaônibus na Avenida Beira-Rio, no bairro Belém Novo, na Zona Sul, o motorista Marco Aurélio Santos da Silva, 68 anos, e o cobrador Paulo Fernandes Antunes, 70, contemplavam a praça alagada do outro lado da via.
De um campofutebol, via-se apenas a parte superior das goleiras. “A empresa retirou os ônibus da garagem como formaprevenção se o rio subir mais”, afirmou Silva.
Previsão do tempo e água racionada
A meteorologista Estael Sias, uma das fundadoras do site MetSul, uma das referências para previsão do tempo na região e no país, conta que ela mesma foi obrigada a deixarcasa no bairro Harmonia,Canoas, onde reside há 15 anos,razão da inundação da área.
“Somos agradecidos por estar vivos. Ficamos desesperados pelos amigos que não quiseram sair, mas agora é torcer para que as condições melhorem”, afirma.
E que deve acontecer nos próximos dias, para além da torcida? Estael Sias afirma que o vento está mudando para o quadrante norte, contribuindo para mitigar a força das águasdireção a Porto Alegre. Ela antevê uma pausa na chuva entre segunda e quarta-feira na capital.
“A visibilidade na Serra e nos vales só vai aumentar na noitedomingo. Isso significa que o domingo será propício para o resgate”, afirma.
No restante da semana, a chuva deve retornar ao Estado, mas, segundo a meteorologista,volume menor do que no início do mês.
Em meio aos transtornos, a cidade e o Estado correm para atender as emergências e sequer começaram a calcular as perdas materiais.
O prefeitoPorto Alegre, Sebastião Melo, fez uma apelo neste sábado para que os moradores racionem água, já que 4 das 6 estaçõestratamentoágua estão paradas na cidade:
“É fundamental que não haja desperdícioágua. Não dá para desperdiçar um copoágua, neste momento.”
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