Revolução iraniana, 45 anos: como revolta popular deu origem ao atual regime dos aiatolás:
"Não estou dizendo isso por teimosia, nem por ódio, nem por orgulho, mas se eu voltasse a 1979, faria o mesmo novamente e participaria da revolução", diz Zibakalam, que passou seus anos universitários no Reino Unido.
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Fim do Matérias recomendadas
"O que a gente queria? Queríamos eleições livres, não queríamos presos políticos e queríamos que a pessoa que lidera o país não fizesse o que bem entendesse."
E ele atribui os problemas atuais do país aos líderes do Irã, não à revoluçãosi.
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"O erro que eu e pessoas como eu cometemos foi que,vezperseguir os objetivos da revolução, que eram a liberdade e a Democracia, seguimos slogans anti-imperialistas como 'Morte à América', 'Morte a Israel' e 'Vamos destruir Israel'."
Ele diz que ainda acredita nos mesmos princípios pelos quais lutou nos anos 1970. No ano passado, ele perdeu o empregoprofessorCiência Política na UniversidadeTeerã depoisprotestar contra a repressão brutal do movimento "Mulher, Vida, Liberdade" do país.
Ele explica que, há 45 anos, a liberdade era o que o aiatolá Ruhollah Khomeini, fundador da República Islâmica, repetidamente prometia a ele e a seus companheiros revolucionários.
"A liberdade é um direito do povo. A independênciaum país é um direitotodos. Eles não devem prender uma pessoa e impedi-lafalar livremente", disse Khomeinium discurso enquanto estava exilado na França,1978.
Ouvir esses discursos agora faz com que muitos, especialmente da geração que nunca viveu a eraKhomeini, pensem na lutahoje entre ativistas e o establishment atual.
Reza Pahlavi e a revolução
O xá Mohammad Reza Pahlavi reinou como monarca do Irã por mais37 anos e comandou um processoocidentalização e crescimento econômico, sob um regime autoritário sobre o qual recaiam denúnciascorrupção.
Em 1953, o xá chegou a deixar temporariamente o poder após uma disputa com o primeiro-ministro democraticamente eleito Mohammad Mosaddegh, que tentou nacionalizar empresaspetróleo britânicas que atuavam no Irã. O monarca, no entanto, voltou ao poder poucos dias depois após um golpeEstado apoiado por Estados Unidos e Reino Unido.
Durante o regime do xá, as mulheres ganharam o direito ao voto na década1960 e gozaramdireitos relativamente iguais aos dos homens. Teerã era conhecida como uma cidade com uma vida noturna vibrante e o país exportava vinho persa para o mundo.
Mas, apesar dessas liberdades sociais, o xá enfrentou críticas por seu estilo autocrático e pela faltaDemocracia. O clero muçulmano xiita frequentemente o denunciava por minar os valores islâmicos, enquanto gruposesquerda, influenciados pelo vizinho do norte do Irã, a União Soviética, pediam maior igualdade dentro da nação.
Até meados1978, poucos podiam imaginar uma revolução capazalterar profundamente o Irã. Mas quando chegou, ela abrangeu intelectuaisesquerda, nacionalistas, secularistas e islâmicos.
À medida que o ano avançava, os manifestantes antixá enquadravam cada vez mais as suas reivindicaçõestermos religiosos. No final do ano, a retórica islâmica prevaleceu nas ruas.
Khomeini habilmente se projetou como uma figura unificadora para diversas vertentesum governo islâmico. Milhões o reverenciavam como uma figura sagrada que se esforçava para transformar o Irã na prometida sociedade islâmica descrita no livro sagrado do Alcorão. Khomeini levou o títuloimã, o chefe da comunidade muçulmana.
Reportagens televisivas1979 mostram a ondaemoção enquanto milhõespessoas se aglomeravam nas ruasTeerã para receber Khomeini após 15 anos no exílio.
Houve até um boatoque, antes do retorno, pessoas que olhassem para o céudeterminado horário poderiam ver uma imagem que sinalizaria o retornoKhomeini.
"Ficamos chocados, nos perguntando o que levou as pessoas a acreditartais coisas", diz Farah Pahlavi, ex-imperatriz do Irã, que agora vive no exílio. Junto com seu marido, o xá, e seus três filhos, ela deixou o país no início1979 e nunca mais voltou.
Falando sobre as semanas que antecederam a revolução, ela diz que "depoistodos os esforços que fez pelo país, testemunhar aquilo foi profundamente desanimador" para o marido, que não está mais vivo.
Ela observa que as pessoas que participaram das manifestações eram principalmente acadêmicos e intelectuais. "Ficamos nos perguntando que tipogrupos organizados tinham sido capazesconvencer as pessoas assim e trazê-las para as ruas."
Entre os gruposesquerda e antirreligiosos que apoiavam Khomeini, estava o comunista Partido Tudeh do Irã.
Shahran Tabari, que agora viveLondres, era membro do partido e seu tio era um dos líderes. Ela agora questiona a decisãoderrubar o xá. "Não entendíamos o que era Democracia", admite. Ela diz que algumas pessoas da oposição não concordaram com o que estava acontecendo, mas se calaram.
"Todo mundo queria que o xá fosse embora a qualquer custo", diz ela. "É difícil entender como aconteceu. Parecia que todos sofríamos lavagem cerebral e estávamos sendo manipulados."
'Fins justificam os meios'
Quem concordou com ela foi Homa Nategh, professor da UniversidadeTeerã durante a revolução. Nategh, que morreu2016, até se sentiu pessoalmente responsável por tudo o que aconteceu.
Conhecida como uma das mentoras esquerdistas da revolução, ela traduziu e escreveu livros e artigosapoio ao movimento.
Poucos meses depois que o regime revolucionário assumiu o poder, Nategh se desiludiu com as autoridades religiosas e fugiu para a França, onde refletiu sobre seu papel na revolução.
"Minha culpabilidade pode ser maior do que outras", escreveu elaum artigo na década1990, "já que durante a revolução, eu ocupei papéis tanto como educadora quanto como pesquisadora. Lamentavelmente, fui arrastada pelo fervor, descartando minhas reservas e conhecimentos e me juntando às multidões nas ruas, alinhando-me à ignorância da multidão."
Na mesma época, ela também deu inúmeras entrevistas à BBC, reconhecendo que suas obras incitavam as pessoas a derrubar o xá, e disse que não concordava mais com o que havia escrito na década1970.
"Os fins justificam os meios", observou. "Clamávamos por liberdade, mas tínhamos pouca compreensãoseu verdadeiro significado. Nem eu, nem ninguém que discutia a liberdade, compreendiaessência; interpretámo-laforma adequada aos nossos interesses."
Mas Sadegh Zibakalam refuta a noçãoque as pessoas foram manipuladas e submetidas a lavagem cerebral.
"Não foi nada disso. Basta olhar para as fotos", diz. "Não dá para alegar que estavam todos desinformados. Quem eram os revolucionários? Eram estudantes e professores universitários. É desrespeitoso sugerir que eles foram influenciados pela propaganda."
Mesmo que, após a revolução, vários gruposesquerda tenham sido banidos, seus membros e algumas figuras revolucionárias proeminentes que ajudaram Khomeini a estabelecer a República Islâmica tenham sido executados, ele acredita que as críticas "decorrem da insatisfação das pessoas com o regime atual".
Os líderes iranianos dizem que a revolução libertou o Irã do domínio estrangeiro, especialmente dos EUA e das potências ocidentais. Eles apontam o Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC) e o estabelecimentouma indústria nacionalarmas como evidênciadefesa autossuficiente. E levam o crédito pela melhoria da saúde e da educação, especialmente para as pessoas mais pobres.
'Não quero carregar rancor comigo'
Quatro décadas e meia após a revolução que pôs fim ao governo do xá, a República Islâmica enfrenta um novo problema, já que alguns manifestantes gritam agora a favor dos reis Pahlavi.
"Reza Xá, abençoealma" e "Irã sem rei não tem razão" estão entre as palavrasordem que foram gritadas recentemente.
Além disso, alguns ex-revolucionários estão pedindo perdão.
"É muito encorajador que as pessoas agora, apesaranospropaganda, entendam o que o rei fez pelo Irã", diz a ex-imperatriz Farah Pahlavi.
"Muitos me enviam e-mails dizendo que participaram da revolução, mas agora se arrependem. Pedem-me que os perdoe."
"E você os perdoaria?", questiona a reportagem da BBC.
"Claro!", diz ela.
"Porque não quero carregar rancor comigo."
'Ocidentalização'
A revolta contra Pahlavi, segundo especialistas consultados pela BBC, teve alguns motivos principais.
"Ele [o xá] queria transformar o Irãum grande exemplomodernização ocidental, secular, dessa visãomodernização ocidental. Queria vender a imagemque o Irã seria o centro do Ocidente no Oriente", resume à BBC News Brasil a especialistarelações internacionais e cientista política Luíza Cerioli, pesquisadora sênior na UniversidadeKassel, na Alemanha.
Ela argumenta que o governo iraniano era dissonante "das necessidades e dos valores da sociedade".
Prova disso é que, a certa altura, uma mulher iraniana religiosa muçulmana não podia usar o véupúblico. Resultado: ela ficava confinada dentrocasa.
A monarquia parlamentar que governava o Irã passou a se tornar autoritária com o autogolpe promovido pelo próprio xá Pahlavi1953. A partir daí, ele passou a atuar fortemente para coibir manifestações culturais e religiosas orientais, alinhando-se ao ocidente capitalista, sobretudo aos Estados Unidos.
O golpe fez com que o regime se convertesseparlamentar para uma monarquia autoritária, com amplos poderes ao xá.
Com apoioforças internacionais, sobretudo dos governos dos Estados Unidos e do Reino Unido, o evento foi uma maneiratirar do poder o então primeiro-ministro Mohammed Mossadeq (1880-1967), que promoveu medidas para conter a influência estrangeira no país, entre elas a nacionalização do petróleo.
Cabe lembrar que historicamente sempre pairou um ressentimento na antiga Pérsia, hoje Irã: aque a região sofria constantemente com ingerênciaslíderesoutros povos.
Sobre isso, pesam a localização estratégica — no Oriente Médio,certa forma, no centro entre Ásia, Europa e África — e, desde o início do século 20, a farta produçãopetróleo.
Com a manobra, o país caminhou para seu processoocidentalização. "Havia o sentimentoque o que acontecia na trajetória do Irã não correspondia às necessidades do povo iraniano", contextualiza Cerioli.
"Nos anos 1960, o xá destituiu o Parlamento e promoveu a chamada ‘Revolução Branca’, um programa extremamente agressivomodernização, com ambição ocidentalista."
"O xá, com apoio da Inglaterra e dos Estados Unidos, começou a impulsionar um movimentoocidentalização, entendida como modernização da Pérsia", diz à BBC News Brasil o cientista político Leonardo Bandarra, pesquisador na UniversidadeDuisburg-Essen, da Alemanha, e da Middle East Treaty Organization.
"É quando as vestimentas, por exemplo, começam a se modificar, o acesso à educação e tudo aquilo que, por parte dos críticos conservadores, era um avanço ruim."
Crítico do xá, a quem acusavaentreguismo elaicização — abdicando dos valores do Alcorão — o aiatolá Ruhollah Khomeini (1902-1989) foi exilado1964.
Luíza Ceroli lembra que,menosuma geração, o país se transformou completamente, com um processourbanização crescenteuma sociedade conservadora e com cada vez menos espaços para a politização.
O cenário se agravou nos anos 1970, com a crise do petróleo. "Foi brutal o aumento do valor dos barris, com explosãopreçostodo o mundo", comenta à BBC News Brasil o historiador e cientista político Leonardo Trevisan, professorRelações Internacionais na Escola SuperiorPropaganda e Marketing (ESPM).
Naquele ano1973, o preço do barril do petróleo saltou2 para 40 dólares. "Essa realidade econômica alterou todos os quadros políticos do mundo. O cenário iraniano é um deles e, ali, é preciso lembrar os aspectos particulares: havia a questão teocrática, já que o Irã tinha esmagado durante 26 anos o sentimento religioso muito forte, já que o xá Pahlavi ficou 26 anos no poder impedindo qualquer manifestação religiosaum contextoque [a religião tem um valor] muito alto."
Anos 1970
Era um períodoque o Irã mergulhavaforte crise econômica e política. "Crescia um ressentimento popular ao governo do xá", conta Cerioli. "Ele e seu pai [e predecessor no poder] eram vistos como grandes implantadoresintervenções externas e esse sentimento foi aumentando."
Em 1978, o país viveu uma ondaprotestos populares. "Eram todos antirregime do xá, mas havia diversos grupos diferentes, entre proprietáriosterras, comerciantes, intelectuais e bases sociais", aponta a especialistarelações internacionais. "Foram protestos da base para a cima."
Ela contextualiza que, no período, o Irã enfrentava altíssimas taxasinflação, com perda do podercompra pela população. "E surgiam imagens como aque a esposa do xá tomava banho com leite, essas narrativasque o xá e seus amigos estavam enriquecendo enquanto as pessoas comuns ficavam cada vez mais oprimidas. A sensação eraque o governo, nesse processo rápidomodernização, estava centralizando o dinheiro e o poder político", diz a pesquisadora. "Foi a crise política e a crise econômica que levaram o povo para as ruas."
Diretamente do exílioParis, o aiatolá Khomeini passou a gravar mensagensfitas cassete e enviar para o Irã. "Essas mensagens, contrárias ao xá, eram veiculadas nos únicos locais onde o povo conseguia se reunir, ou seja, nos espaços religiosos", diz ela.
O aiatolá rejeitava o processomodernização, ocidentalização e secularização que vinha sendo implementado e imposto à essa sociedade que se considerava, na maioria, tradicionalista, conservadora e rural. Sua liderança acabou ganhando respaldo até mesmo por grupos que não eram ligados ao Islã.
Trevisan lembra que gradualmente ocorreu "o esfacelamento da autoridade do xá". E isto veioum momento "de profunda aversão aos valores americanos", já que os Estados Unidos simbolizavam este modelo ocidentalorganização.
Em agosto1978, na cidadeAbadan, ocorreu aquele que seria o maior atentado até os ocorridos11setembro2001 nos Estados Unidos: quatro incendiários trancaram a porta do cinema Rex e atearam fogo — pelo menos 400 pessoas morreram queimadas.
Khomeini atribuiu a autoria ao xá e àpolícia política, a Savak. Isto incitou a população, que passou a sair nas ruas contra o monarca.
"Este foi o estopim para a revolução", frisa Bandarra. "A partir daí, os protestos se tornaram cada vez maiores. Alguns grupos pediam a volta do sistema parlamentar que havia antes, outros queriam a volta do grupo que era do Mossadeq, outros propunham algo totalmente novo."
"No final1978, o país não funcionava mais econômica nem politicamente. Todo mundo queria a deposição do xá", pontua Cerioli.
A situação política passou a ficar insustentável. Em janeiro1979, Pahlavi alegou férias e saiu do país. No iníciofevereiro, Khomeini organizouvolta triunfal. "Ele chegou como uma grande voz que unificou todos os interesses", define a pesquisadora.
No dia 11, exatamente a dataque se considera a concretização da revolução, as Forças Armadas do país declararam neutralidade. Em outras palavras, eles não iriam mais defender o governo do xá.
Em abril, houve um plebiscito. O povo decidiu que queria que o Irã se tornasse a primeira república islâmica do mundo.
"Ocorreu o apoio da maioria da população que escolheu a fundaçãouma República Islâmica", afirma Bandarra. "Uma repúblicaque o líderEstado seria um aiatolá, que controla o país sob preceitos do Alcorão,uma maneira relacionada aos princípios religiosos. O Irã é uma teocracia, sim. O maior Estado xiita do mundo é um governo teocrático."
Então, ocorreu um novo episódio histórico: um gruporadicais islâmicos tomou a embaixada americanaTeerã e manteve 52 pessoas como reféns por 444 dias,defesa da Revolução Iraniana. A crise diplomática deixou o recém-criado governoKhomeini abalado.
Em seguida, veio a sangrenta guerra entre Irã e Iraque, que durou1980 a 1988.
"Naturalmente, esses acontecimentos fizeram do pós-revolução um caos. E a crise dos reféns consolidou a imageminimizade entre Irã e Estados Unidos", pontua Cerioli.
A instabilidade obrigou politicamente que houvesse uma concentraçãopoder na única figura que era então um consenso, o aiatolá Khomeini. "Foi o momentoouro para que os religiosos [islâmicos] conseguissem agir para excluir [das esferaspoder] todos os antigos aliados, como a esquerda, os nacionalistas, os intelectuais, as mulheres, todos eles", contextualiza a pesquisadora.
A sociedade foi se transformando, a partirnovas leis. Novas leiscostumes. Novas leis que definiam o que era família. Novas leis que regiam o casamento.
"A guerra com o Iraque foi extremamente trágica. Mas toda essa tragédia serviu para justificar o estanqueamento do processouma revolução popular. Que acabou virando uma revolução para a sobrevivênciaum regime. Etermossobrevivência, são sempre os mais fortes que sobrevivem. E os mais fortes eram os clérigos", explica a pesquisadora.
*Com reportagem adicionalEdison Veiga, da Eslovênia para a BBC News Brasil