'É um absurdo que festejemos que a maioria dos generais preferiu não dar o golpe', diz historiador:bônus da galera bet

Para o historiador Carlos Fico, professor titularbônus da galera betHistória do Brasil da Universidade Federal do Riobônus da galera betJaneiro, a constante presença dos militaresbônus da galera betquebras institucionais ou ao menos planos para tal são frutobônus da galera betinterpretações do artigo 142 da Constituição ebônus da galera betsuas versões anteriores.

O dispositivo sobre as Forças Armadas, que descreve os militares como "garantidores" dos poderes constitucionais, costumava ser bastante citado por apoiadores bolsonaristas e pelo próprio ex-presidente para invocar a "intervenção das Forças Armadas para restabelecer a ordem no Brasil".

Trata-sebônus da galera betuma intepretação rejeitada por juristas e pelo Supremo Tribunal Federal (STF),bônus da galera betuma liminar. Para Fico, o problema só será sanado se houver mudança no texto da Carta. "O governo Lula não tem força política para alterar essa aberração."

O historiador também critica o enaltecimentobônus da galera betparte do alto comando militar, que teria impedido a concretizaçãobônus da galera betum golpebônus da galera betEstado ao negar apoio ao suposto planobônus da galera betruptura sob investigação pela PF. "É um absurdo que a gente naturalize a possibilidade, mesmo que fracassada,bônus da galera beto alto comando do Exército discutir isso", diz.

Nos próximos meses, Fico terá reeditado pela editora FGV seu livro Reinventando o Otimismo: Ditadura, Propaganda e Imaginário Social no Brasil (1997), sobre propaganda política durante a última ditadura militar.

Ele trabalha atualmentebônus da galera betseu futuro livro, Utopia Autoritária Brasileira, que analisa todos os episódiosbônus da galera betintervencionismo militar desde o fim da Guerra do Paraguai até hoje, que tem lançamento previsto para este ano e é voltado para o público não acadêmico.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista, que foi editada por razõesbônus da galera betconcisão e clareza:

bônus da galera bet BBC News Brasil - Na visão do senhor, por que esse suposto planobônus da galera betgolpe no âmbito das últimas eleições não foi consumado? Teria havido faltabônus da galera betconsenso na alta cúpula militar?

bônus da galera bet Fico - Ainda vai demorar muito tempo para a gente saber por que o Alto Comando do Exército não apoiou as iniciativas golpistas. Isso, inclusive, é um aspecto terrível. Ouvi muitos analistas festejando o fatobônus da galera beta maioria do alto comando não ter apoiado o golpe, como se isso fosse um elemento a se festejar. É um absurdo que a gente naturalize a possibilidade, mesmo que fracassada, do Alto Comando do Exército discutir isso, que festejemos que a maioria preferiu não dar o golpe. Ou seja, a democracia brasileira estaria então nas mãos do Alto Comando do Exército. É isso? Então, nós estamos muito mal das pernas.

bônus da galera bet BBC News Brasil - O senhor foi críticobônus da galera betuma estratégiabônus da galera betLula bônus da galera bet sinalizando conciliação aos militares bônus da galera bet , principalmente no início do governo. Acredita que algo mudará nessa postura a partirbônus da galera betagora?

bônus da galera bet Fico - Eu já disse várias vezes, atébônus da galera bettom crítico realmente, que a nomeação do ministro [da Defesa José] Múcio tem a ver com essa estratégiabônus da galera betconciliação, que expressa esse temor reverencialbônus da galera betrelação aos militares.

E também eu critiquei muito o governo Lula por ter aceitado aquela históriabônus da galera betnomear os comandantes militares ainda durante o governo Bolsonaro [a posse dos definidos por Lula foi antecipada]. Com certeza isso foi muito ruim.

Agora, o que poderia fazer um governo eleitobônus da galera betmeio a uma crise política tremenda com os militares? Porque o governo Bolsonaro foi um governobônus da galera betmuitas ameaças militares. Ainda mais com Lula obtendo uma votação que não foi a mais expressiva. De modo que claramente ele teria que fazer uma estratégiabônus da galera betconciliação. Então isso é mais uma frustração, vamos dizer assim, uma lamentação, do que propriamente uma crítica. Porque uma crítica teria que pressupor a possibilidadebônus da galera betele fazer o contrário. E isso é praticamente impossível.

bônus da galera bet BBC News Brasil - O senhor acha que o riscobônus da galera betruptura institucional está no momento controlado?

bônus da galera bet Fico - Esse risco no Brasil só vai ser controlado quando a gente tiver proeminência do poder civilbônus da galera betrelação aos militares. Para que isso aconteça, como já falei, é preciso retirar do artigo 142 a determinação da garantia dos poderes constitucionais pelos militares. E enquanto isso não acontecer, os militares brasileiros vão se considerar com a atribuiçãobônus da galera betarbitrar e tutelar os poderes constitucionais.

Evidentemente que, neste momento preciso, a conjuntura política não favorece,bônus da galera betmodo algum, uma ruptura institucional. A gente está no rescaldobônus da galera betuma tentativabônus da galera betgolpe que está sendo investigada. Mas enquanto houver essa quase licença constitucional para intervencionismo militar, isso poderá acontecer. Vamos supor que um governantebônus da galera betextrema direita seja eleito novamente. Pode haver todo um apoio novamente para os militares. É preciso realmente pensarbônus da galera bettermos estruturais, históricos. É preciso deixarbônus da galera betlado essa visão ingênua e otimista das instituiçõesbônus da galera betque é só uma questãobônus da galera betinterpretação equivocada [do artigo 142].

bônus da galera bet BBC News Brasil - Os acontecimentos da última quinta podem ser considerados históricos ao ter tantos militares, inclusivebônus da galera betalto escalão, como alvobônus da galera betuma operação policial no Brasil?

bônus da galera bet Carlos Fico - É algo inédito porque nunca houve prisão ou investigação com bastante consequência para militares golpistas. Tradicionalmente, nas diversas tentativasbônus da galera betgolpebônus da galera betEstado no Brasil, as que fracassaram e as que foram efetivadas, nunca houve punição.

bônus da galera bet BBC News Brasil - O senhor sempre faloubônus da galera betum certo espíritobônus da galera bet"temor" e "reverência" que há na sociedade brasileirabônus da galera betrelação aos militares. Esse último episódiobônus da galera betalguma forma abala isso?

bônus da galera bet Fico - Esse episódio mostra que esse temor e reverência estão se abrandando. É algo positivo, porque outrora,bônus da galera betoutras etapas da história brasileira, sempre houve uma certa leniência. Sobretudo com oficiais militares superiores e oficiais generais. Há um certo temor, uma certa reverência excessivabônus da galera betrelação a essas pessoas.

bônus da galera bet BBC News Brasil - Por que a ideiabônus da galera betintervenção militar como saída para os problemas do país há tantos anos tem bastante adesão na sociedade brasileira?

bônus da galera bet Fico - A Proclamação da República foi um golpe militar. Os dois primeiros presidentes foram militares e bastante autoritários. Os militares interpretaram a determinação constitucional republicanabônus da galera betgarantia dos poderes constitucionais como sendo uma substituição do poder moderador do Império.

A Constituiçãobônus da galera bet1824 dizia que o imperador exercia o chamado poder moderador. Ele era o árbitro dos demais poderes. Então, se houvesse, por exemplo, um conflito, quem decidia era o imperador. A primeira Constituição republicana,bônus da galera bet1891, atribuiu às Forças Armadas uma sériebônus da galera betcompetências tradicionais: defesabônus da galera betcasobônus da galera betguerra etc e também a garantiabônus da galera betpoderes constitucionais. Os militares interpretaram isso como sendo a substituição do velho poder moderador do Império. Isso foi se reproduzindo até hoje. Nós nunca conseguimos afastar essa infelicidade das diversas constituições republicanas.

bônus da galera bet BBC News Brasil - A invocação do artigo 142 da Constituiçãobônus da galera bet1988 bônus da galera bet por bolsonaristas durante manifestações é reflexo disso?

bônus da galera bet Fico - Reflexo não, é a reprodução literal do artigo 14 da Constituiçãobônus da galera bet1891 ebônus da galera betoutros artigos das várias constituições republicanas desde então. Foi ficandobônus da galera bettodas. E vai permanecer. O governo Lula não tem força política para alterar essa aberração. Sempre se tentou alterar, inclusive na Constituiçãobônus da galera bet1988, mas não foi possível por pressãobônus da galera betmilitares. Então os militares brasileiros têm essa interpretaçãobônus da galera betque eles são garantidores ou árbitros dos poderes constitucionais. Por isso esse poder tutelar,bônus da galera betque eles se acham investidos e que acabam exercendo porque detêm a força das armas. É por isso que a gente tem essa tradiçãobônus da galera betintervencionismo militar no Brasil.

bônus da galera bet BBC News Brasil - Em breve, o último golpe militar no Brasil completará 60 anos. Acredita que será uma oportunidade para uma nova reflexão sobre esse período?

bônus da galera bet Fico - Essa tradiçãobônus da galera betintervencionismo militar não vai mudar com o debatebônus da galera betideias. Só vai mudar realmente com uma operação política e simbólica que consiste na alteração do artigo 142. Muita gente me diz: "Ah, mas isso é besteira. Até parece que se vai combater o golpismo com mudançabônus da galera betlei". Não é nada disso. O que precisa é enfrentar esse problema da interpretação que os militares dão à garantia dos poderes constitucionais. O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, tem uma liminar dizendo que o artigo 142 não significa isso. A mesa da Câmara dos Deputados também tem um parecer formal negando que o artigo 142 seja sobre isso.

Mas não adianta. É preciso ter esse gesto político simbólico,bônus da galera betcoragem, do Congresso Nacional, dizendo claramente que não compete às Forças Armadas a arbitragem das crises institucionais. Enquanto isso não acontecer, os militares brasileiros vão sentir que essa licença para intervir está constitucionalizada. É uma interpretação errada? Sim. Adianta a gente dizer que é uma interpretação errada? Não.

Os eventos dos 60 anos vão ser academicamente muito relevantes e eu vou participarbônus da galera betvários, mas não vão mudar a mentalidade dos militares.