Por que desenhar é o melhor detox digital:

Mulher negra pintandocavalete

Crédito, Alamy

Legenda da foto, Desenhar ganhou popularidade nos últimos anos, principalmente com lockdowns da pandemiacovid-19

Desenhar sempre foi fundamental para a práticatodos os artistas, desde o Renascimento. Foi ali que o desenho floresceu, com Leonardo da Vinci (1452-1519) criando estudos anatômicos detalhados do corpo humano.

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Atualmente, os poderosos filmes do artista sul-africano William Kentridge são criados com desenhos, enquanto a britânica Tracey Emin expressaseus desenhos o seu luto e solidão pessoal.

Auladesenho

Crédito, Angela Moore/ Royal Drawing School

Legenda da foto, Busca por aulas da Escola RealDesenho,Londres, aumentou nos últimos anos

Embora a popularidade do desenho tenha "enfrentado altos e baixos ao longo dos séculos", Balchin identifica uma profunda queda nos anos 1970.

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Na época, o mundo acadêmico das artes considerava que o desenho era algo "muito antiquado", especialmente o desenhomodelos vivos. Instituições como a EscolaBelas ArtesSlade e a Real AcademiaArtes, ambasLondres, pararamensinar a desenhar.

A Escola RealDesenho (RDS, na siglainglês) foi criada no ano 2000 para preencher essa lacuna e se transformar"um local para onde os artistas e as pessoas que queriam desenhar pudessem vir para desenhar".

Atualmente, o desenho voltou a ser popular. As pessoas apreciam essa atividade pelas suas qualidades terapêuticas e pelo senso"fluxo" que ela gera, especialmente desde os lockdowns da pandemiacovid-19.

As matrículasalunos (online) da RDS dobraram2020 — e continuam apresentando crescimento estável, passando1 mil para os atuais 3 mil alunos por semana. E o desenhomodelos vivos representa mais da metade dos seus quatro módulos.

"Acho que o que se demonstrou aqui foi um desejo realtoque e contato humano", afirma Balchin. "Se as pessoas não podiam ficar pertooutros seres humanos, elas os desenhavam."

Os alunos confirmaram que o desenho ajudou a melhorarsaúde mental. "Muitos vieram exclusivamente para isso... para reduzir a velocidade da vida."

Pegar um lápis ou carvão e fazer traçosforma consciente nos conecta às nossas habilidades tácteis, ao sentido do tato, e oferece um descanso do interminável esgotamento digital. E isso é importante para a saúde mental.

No Reino Unido, o próprio NHS (o sistema públicosaúde) oferece arteterapia para alguns pacientes.

Quando a artista britânica Emily Haworth-Booth começou a sofrerencefalomielite miálgica (síndrome da fadiga crônica), ela não conseguia trabalhar. Tentar ler ou escrever a "fazia girar", conta ela no livro Ways of Drawing ("Formasdesenhar",tradução livre).

Ela percebeu que o desenho consciente "se tornou uma espécieâncora que eu podia lançar para ficar firme, para me tranquilizar... eu estava 'aqui', a realidade era sólida".

Desenhar "claramente diminuiu minha ansiedade e me fez respirar mais lentamente", permitindo que "ocorresse a cura", relembra ela.

Após uma sessãodesenho, ela sentia "o alívio e a doseendorfina que eu experimentava depois, digamos,uma aulaioga ouuma sessãopsicoterapia muito proveitosa".

Claire Gilman é curadora-chefe do CentroDesenhoNova York, nos Estados Unidos. Ela também observou um aumento da paixão pelo desenho durante o lockdown — e esse crescimento continua até hoje.

"Naquele momento, os artistas voltaram a desenhar por muitas razões, até porque seus estúdios ficaram inacessíveis", ela conta.

Mas Gilman reconhece que "o desejopegar um lápis ou caneta e imediatamente traduzir seus sentimentos para o papel", especialmente"momentos desafiadores", tem apelo universal.

ObraTshabalala Self

Crédito, Divulgação/ Pilar Corrias Gallery/ Galerie Eva Presenhuber

Legenda da foto, Tshabalala Self é uma das artistas apresentadas no livro Drawing in the Present Tense ("Desenhar no tempo presente",tradução livre),Claire Gilman e Roger Malbert

Gilman e Roger Malbert, curador e escritor sobre arte contemporânea, produziramconjunto o livro Drawing in the Present Tense ("Desenhar no tempo presente",tradução livre), que é uma visão geral"diversas abordagensdesenho", ricamente ilustrada.

O trabalho dos 74 artistas contemporâneos selecionados reflete "o papel do desenho como formaabordar a instabilidade e os traumas sociais pessoais", entre outras coisas.

Malbert descreve o propósito do desenho como "ensinar você a olhar e observar o mundoforma diferente".

"Se você registrar o que está vendo... você coloca o mundo naconsciênciaforma muito direta", explica ele. "Isso está disponível para as pessoas que desenhamtodo o mundo."

Gilman acredita que desenhar oferece particularmente "um descanso para as telasque somos tão dependentes. Uma auladesenhomodelos vivos, especialmente, força você a olhar para o mundo, sem que ele seja mediado por uma tela, e traduzi-lo."

Propriedades curadoras

A artista chinesa Zhang Yanzi é apresentada no livro.

Seu amor pelo "medicina e bem-estar espiritual" inspira seus delicados desenhosmáscaras chinesas e partesflores. Eles retratam "a misteriosa interação entre fenômenos mentais e físicos e as aflições da mente e do corpo".

Zhang acredita que a arte tem "o poderaplacar o sofrimento psicológico".

Malbert faz referência à noção das propriedades curativas do desenho.

"Sempre desenheiforma suavemente terapêutica", ele conta. "Quando desenho a natureza, passo o tempo concentrado, sentadoum ambiente natural, desenhando... definitivamente, melhora o estadoespírito."

Ele comparaatividade com ioga, "quando você não pensamais nada". Como Balchin, ele acha que o desenho pode ser uma forma"meditação".

O artista britânico John Hewitt afirma queeventual ansiedade por fazer um desenho "ruim" é compensada pelo prazer causado por "uma linha que flui com perfeição... padrões e ritmos inesperados, alémoutros pequenos sucessos".

Obra do artista britânico John Hewitt

Crédito, John Hewitt

Legenda da foto, Os desenhos diários da vida na região dos Peninos do Sul, no norte da Inglaterra, trouxeram seguidores nas redes sociais para seu autor, o artista britânico John Hewitt

Hewitt tem uma carreira longa e notável na Escola RealArtes. Ele é o autordesenhos detalhados e imaginativos.

Ele fez capasCD para a banda irlandesa The Pogues; desenhou pessoas dormindo na ruaManchester, no Reino Unido, "para promover a consciência do problema dos sem-teto"; e foi a única pessoa, exceto pela equipe da BBC, convidada a registrar o funeral do ator Laurence Olivier (1907-1989) na AbadiaWestminster,Londres.

Seu sucesso mais abrangente se estabeleceu a partir2013, quando ele começou a postar um desenho (quase) todos os dias no Instagram. Suas vivas imagensanimais e da vida diária na região dos Peninos do Sul, no norte da Inglaterra, muitas vezes são desenhadas às pressas, semprecadernosbolso da marca Moleskine — "a base da minha prática" — com uma caneta gel Pilot 0,5.

A postagemHewitt que recebeu mais curtidas até agora foi o retratoum gato. Ele conta que os gatos pretos sempre são mais curtidos. "O peso da tinta observado nos celulares causa mais impacto, eu acho."

Mas nem todos os desenhos sãogatos simpáticos. Hewitt presenciou os atentados terroristas a bomba2005Londres, mas não estava com seu cadernodesenho. Por isso, ele fez 59 desenhosmemória, que foram expostos no MuseuLondres.

Hewitt também desenhou os últimos diassua mãe no hospital. "Percebi que não havia nada mais que eu pudesse fazerforma positiva, então desenhei seu braço, seus travesseiros, a cama", relembra ele.

E sobre a arte como terapiasaúde mental? O ponto mais próximo a que Hewitt chegou são seus desenhos feitosnoiteslua cheia.

"Eles me dão prazer enorme e imediato, pois não há padrões'bons' desenhos. Não tenho ideiacomo eles irão sair até que entrocasa: a surpresa é a recompensa."

DesenhoJohn Hewitt mostrando cena noturna à luz da lua

Crédito, John Hewitt

Legenda da foto, Os desenhosJohn Hewitt mostrando cenas noturnas à luz da lua capturam momentos espontâneos

O artista britânico Charlie Mackesy começou a desenhar avidamente com 19 anosidade, depois que seu melhor amigo morreuum acidentecarro.

"Comecei a desenhar como uma espécieForrest Gump reagindo ao trauma", contou ele à revista GQ. "Comecei a desenhar... e, simplesmente não conseguia [parar]. Foi uma formaprocessar tudo."

Seu livroilustrações2019, The Boy, the Mole, the Fox and the Horse ("O menino, a toupeira, a raposa e o cavalo",tradução livre), atraiu um exércitoadmiradores dos seus comoventes desenhos e suas lições sobre a vida e a amizade.

Malbert afirma que o desenho pode "colocar vocêcontato com o mundo e consigo próprio — e pode mudar como você vê as coisas, ser aquele... conflito social, humanidade, emoções. Pode expandir seu alcance emocional — e isso é muito profundo."

O livro "Drawing in the Present Tense",Clair Gilman e Roger Malbert, foi publicado pela editora britânica Thames & Hudson.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.