As substâncias tóxicas que permanecem por décadas no nosso corpo:

Fotografia mostra mulher usando um pequeno aparelho para fazer um testesangue no dedo

Crédito, Getty Images

Muitas substâncias tóxicas, conhecidas como poluentes orgânicos persistentes, ou POPs, não se degradam com facilidade. Elas podem permanecer no meio ambiente e dentronós - principalmente no sangue e no tecido adiposo - por muitos anos.

Fiquei curiosasaber se alguma dessas substâncias estaria presente no meu sangue quando pesquisei para o meu livro Go Toxic Free: Easy and Sustainable Ways to Reduce Chemical Pollution ("Livre-se dos tóxicos: formas fáceis e sustentáveisreduzir a poluição química",tradução livre). Por isso, entreicontato com um professorquímica ambiental da Noruega chamado Bert van Bavel.

A pesquisavan Bavel concentrou-se nos POPs que persistem no corpo por mais20, 30, às vezes 50 anos. Ele analisa a correlação entre a alta exposição das populações e o câncer, doenças cardíacas e condições como a diabete.

Bert van Bavel desenvolveu um protocoloexamesangue para a Safe Planet, uma campanhaconsciência global promovida pelo programa ambiental das Nações Unidas, que poderá ser usado para monitorar o nível dessas substâncias tóxicas na população global. A Safe Planet destaca os danos causados pela produção, uso e descartesubstâncias perigosas como pesticidas e retardanteschamas, muitas das quais já foram proibidas.

Ele projetou um exame para medir a "carga corporal", ou seja, a quantidade desses poluentes químicos sintéticos persistentes que se acumula no corpo. Desde 2010, esse exame vem sendo aplicadomais100 mil pessoastodo o mundo, pela Europa, América do Norte e do Sul, África e sul da Ásia.

E agora foi a minha vez. Marquei consultaum postosaúde local e fiz a coletasangue. Embalei os tubosensaio com cuidado e os enviei para um laboratório especializado na Noruega, que passou seis semanas analisando meu sanguebuscacerca100 POPs, seguindo o protocoloexamecarga corporal.

Mulher coloca amostraum tuboplásticoum saquinho, ela está sentadafrente a um laptop

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'Coquetel tóxico'

Quando os resultados finalmente chegaram por email, fiquei muito apreensiva. O documentooito páginas detalhou as concentraçõesvárias substâncias, algumas com nomes difíceispronunciar. Preciseiajuda para decifrar o que tudo aquilo queria dizer e descobrir se eu deveria me preocupar com alguma coisa ou se, talvez, aqueles níveis seriam insignificantes.

Liguei então para van Bavel, que explicou que era esperado encontrar a maioria das substâncias da lista, como parte do "coquetel tóxico" que todos nós temos no corpo.

Muitos desses POPs, mas não todos, são regulamentados pela ConvençãoEstocolmo das Nações Unidas, um tratado global que proíbe ou restringe o usosubstâncias sintéticas tóxicas, como certos pesticidas, retardanteschamas ou bifenilas policloradas (PCBs, na siglainglês), que eram utilizadas como fluidosrefrigeraçãomáquinas e produtos elétricos no Reino Unido até 1981.

"Naamostrasangue, procuramos os antigos POPs tradicionais, que foram regulamentados e retirados do mercado e, por isso, não são usados há muitos anos", explicou ele. Meus resultados exibiram traçosDDE, um metabólito do pesticida DDT que foi utilizado até os anos 1970, alémbaixos níveisPCBs.

"É um pouco assustador [saber] que, quando essas substâncias chegam à sociedade, é muito difícil nos livrarmos delas", disse van Bavel. Mesmo com as proibições, essas substâncias ainda persistem, pois muitas não se degradam com facilidade.

Ele ficou surpreso ao encontrar níveis relativamente altosum composto chamado oxiclordano, que normalmente é encontradoníveis mais baixos que o DDT e com mais frequência nos Estados Unidos e na Ásia do que no Reino Unido.

O pesticida clordano foi proibido no Reino Unido1981, um ano antes que eu nascesse. Uma vez no corpo, ele é metabolizadooxiclordano, que foi encontrado no meu sangueapenas 5% dos níveis presentes na população durante os anos 1980.

Mas a "meia-vida" dessa substância - o tempo que ela leva para chegar à metade da concentração no meu sangue - écerca30 anos. Portanto, ela não apenas foi passada para mim no úterominha mãe, como provavelmente terei inadvertidamente transmitido esse legado tóxico para os meus dois filhos.

O impactoalgumas das substâncias mais perigosas dura por gerações e o clordano é usado até hojealguns paísesdesenvolvimento. Ele é tóxico por natureza. Destinado a matar insetos, também causa danos a minhocas, peixes e aves. Nos seres humanos, ele pode prejudicar as funções hepáticas, o desenvolvimento cerebral, o sistema imunológico e ainda é um possível carcinogênico humano.

Van Bavel não ficou preocupado com as concentrações atuaisoxiclordano ainda presentes no meu sangue, mas enfatizou a importânciaproibir substâncias tóxicas antes que elas se espalhem por todo o mundo e passem a acumular-se na população humana.

Mas as substâncias que mais preocuparam van Bavel foram realmente asuma classe mais nova, conhecida como substâncias polifluoroalquila, ou PFASs. MilharesPFASs diferentes são utilizadosprodutosuso diário para repelir poeira e água, como roupas à prova d'água, tecidos resistentes a manchas e utensílioscozinha antiaderentes. Todos eles costumam ser fabricados com PFASs, conhecidas como "substâncias presentes para sempre", devido àalta persistência.

Fotografia colorida mostra bombeiro usando mangueira para apagar fogoum imóvel que parece ser industrial

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Legenda da foto, Os bombeiros são expostos a níveisPFAS acima da média, pois ele ainda é usadoretardanteschamas

Devo me preocupar?

"Os seus níveis [de PFAS] não são tão altos, mas são uma preocupação razoável. Encontramos PFOS (ácido perfluoro-octanossulfônico), PFNA (perfluorononanoato) e níveis mais baixosPFOA (perfluoro-octanoato), que normalmente encontramosamostrassangue. O exame concluiu que os principais estão 'em nível razoável', não preocupante, mas a regulamentação está atrasada", comentou van Bavel. Ele descreveu minha carga corporal como estando mais ou menos dentro da média.

"Todos nós somos expostos a esse tiposubstâncias. Elas se acumulam no nosso corpo, mas não deveriam estar ali. Os seus níveis são aceitáveis do pontovista da saúde humana, mas, se não tivéssemos imposto controles, esses níveis aumentariam e a população estaria enfrentando efeitos toxicológicos diferentes. É claro que essas substâncias precisam ser regulamentadas e... o númerosubstitutos está aumentando,forma que precisamos tomar medidas adequadas [para controlá-los]."

Essa "substituição lamentável" (a substituiçãouma substância proibida por outra similar) é preocupante, especialmente com os novos poluentes químicos que vêm surgindo, como PFAS, segundo explica van Bavel. "Não temos tempoesperar as pesquisas sobre cada substância isoladamente,forma que precisamos assumir uma posição preventiva."

Com relação à minha carga corporal, não há muito que eu possa fazer para reduzir os níveissubstâncias tóxicas no meu sangue, segundo van Bavel.

"O triste é que é muito difícil para nós fazer algo a respeito. Todos nós deveríamos ter grande interesse pela regulamentação desses compostos, pois eles estãotoda parte. É muito difícil [como indivíduo] evitar esses níveisfundo que definitivamente não deveriam estar no seu corpo. É por isso que deveríamos apoiar a legislação e as convenções das Nações Unidas que proíbem esses compostos", explica van Bavel.

A prevenção é melhor que a cura

Anna Lennquist, toxicologista sênior da ONG ambiental ChemSec, defende a criaçãouma legislação mais eficiente. Com sede na Suécia, a ChemSec pretende reduzir o usosubstâncias perigosas, influenciando os legisladores e as companhias a abandoná-las e optar por alternativas mais seguras.

"Podemos reduzir a exposição, mas não eliminá-la", alega Lennquist. Segundo a ChemSec, chega a imensos 62% o percentual do volume totalsubstâncias químicas utilizadas na União Europeia que são perigosas para a saúde humana e o meio ambiente. "[É por isso] que as regulamentações são tão importantes e deveriam nos proteger. As pessoas comuns não deveriam precisar se preocupar com essas coisas, mas ainda não chegamos lá."

"Não podemos nos livrar completamente disso, nós temos [essas substâncias] conosco desde que nascemos e elas estão disseminadas no meio ambiente. Todos nós temos centenassubstâncias [sintéticas] no sangue hojedia", afirma Lennquist.

As substâncias tóxicas afetam tudo, desde o desenvolvimento do cérebro até os nossos sistemas hormonais. Algumas podem ser cancerígenas.

"As substâncias químicas estão trabalhando no nosso corpomuitas formas diferentes... algumas têm efeitos retardados, como as que interagem com os nossos sistemas hormonais. Se você for exposta no útero ou durante a puberdade, os efeitos podem surgir muitos anos depois, até décadas depois, talvez na formacâncermama ou diversos distúrbios metabólicos", explica ela.

Por isso, os efeitos dependem não apenas do tiposubstância e do nívelexposição, mas também da exposição da pessoa a elas durante estágios importantes do desenvolvimento. Lennquist explica que, como nunca somos expostos a uma substânciacada vez, esse "coquetel tóxico" pode ter efeitos complexos. Algumas substâncias poderão ampliar o efeitooutras e algumas podem combater as demais.

"Esses níveis baixos dessa mistura química que afeta a sinalização hormonal e os efeitos genéticos são muito mais difusos erelação exata é difícil", segundo Lennquist, mas ela mantém o otimismo. "É por isso que precisamos fazer estudoslarga escala da população por um longo tempo para tentar descobrir qual é a causa do quê."

Em abril passado, foram propostas novas restrições para proibir cerca12 mil substâncias na União Europeia, no que o Escritório Europeu do Meio Ambiente chamou"a maior proibiçãosubstâncias tóxicas" do mundo, mas as mudanças das regulamentações podem ser incrivelmente lentas.

"Existe um longo caminho pela frente, mas, com a nova estratégia da União Europeia sobre substâncias químicas e o Acordo Verde Europeu, temos esperançaque as coisas podem melhorar muito. Mesmo assim, receio que leve muito tempo para que essa mudança seja visível no seu sangue", ressalta Lennquist.

Os rótulos permitem que os consumidores façam escolhas conscientes sem precisar conhecer tudo. É aqui que entramos nós como consumidores e, o mais importante, como cidadãos.

"Todos nós podemos nos manifestar exigindo maior transparência, rótulos mais claros e regulamentações mais rigorosas", ressalta Lennquist. "Com a pressão dos consumidores etodos os demais envolvidos na cadeiafornecimento, a indústria fabricanteprodutos químicos poderá mudar com muito mais rapidez. E a redução da poluição química tóxica é boa não só para os negócios, mas para todos nós e para as gerações futuras."

O sangue importa

Como frequente doadorasangue, imaginei se o serviçodoaçãosangue do NHS (o sistemasaúde público britânico) examina POPs como os que foram encontrados no meu corpo. E, como era esperado, eles confirmaram que testam para doenças como hepatite, mas não para substâncias químicas sintéticas.

É claro que os contaminantes químicos podem ser a última coisa namente se você precisartransfusãosangue, mas isso me fez parar para pensar. Será que precisamos ser mais cautelosos na horacompartilhar sangue e transmitir contaminantes? Ou a doaçãosangue seria uma formadescarregar substâncias tóxicas, já que o sangue contaminado é retirado e o corpo produz sangue novo sem contaminação?

Desde a publicação do meu livro, novas pesquisas foram divulgadas exatamente sobre este tema. Sabe-se que as espumascombate a incêndios contêm altos níveisPFASs,forma que os bombeiros são expostos a níveis dessas substâncias acima da média.

Um examereferência testou 285 bombeiros australianos para determinar os níveisPFASs no sangue ao longoum ano. Alguns eram doadoressangue e outros, não.

Os PFASs se ligam às proteínas do soro do sangue e os pesquisadores descobriram que os níveisPFASs no fluxo sanguíneo das pessoas que tinham doado sangue eram significativamente mais baixos. Uma possível explicação éque o corpo desses doadores descarregou sangue contaminado por PFASs e o substituiu por sangue não poluído na reposição.

Embora essa pesquisa ainda estejaum estágio inicial, a viabilidade da doaçãosangue como soluçãoescala a longo prazo ainda é questionável, como explica Lennquist: "para pessoas especificamente expostas, como os bombeiros, retirar o sangue contaminado e deixar que o corpo produza sangue novo pode ser uma opção. Isso exige que você não seja exposto novamente. Para as pessoas comuns, a exposição é constante e não acho que isso possa ser uma solução para a populaçãogeral. Mas definitivamente destaca a urgênciafazer alguma coisa sobre os PFASs."

Em resumo, o fato é que, embora a remoção possa ser fundamentalalguns casos, a solução mais apropriada é, com certeza, fechar a torneira na fonte e evitar que PFASs e outras substâncias tóxicas entrem no nosso corpoprimeiro lugar.

Este texto foi publicado originalmente na BBC News Brasil.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.

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