A solução da Europa medieval contra enchentes que salva vidas até hoje:

Enchentes na Alemanha

Crédito, EPA

Legenda da foto, Enchentes deixaram impacto devastador na Alemanha eoutras partes da Europa

E a Holanda não está sozinha. Das terras altas da Etiópia às comunidades ao longo do Danúbio, gestoreságuatodo o mundo aplicaram aspectos do modelo holandês para suas próprias necessidades, melhorando a vidamilharespessoas ao longo do caminho. Em breve, outras regiões poderão precisar se juntar a elas, à medida que os paísestodo o mundo enfrentam o aumento das inundações e alagamentos que vêm com as mudanças climáticas.

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Crédito, Alamy

Legenda da foto, Os chamados "comitês da água" são responsáveis pelas defesas contra enchentes

Quando Piet-Hein Daverveldt vai para o trabalho todas as manhãs,meio às igrejas e paralelepípedos da cidade holandesaDelft, ele diz que enxerga a história ao seu redor. "Obviamente, você está cienteque é um sucessor", diz ele. "Você se apoiamuitas pessoas do passado."

No endereço 167 Oude Delft, é fácil ver o que ele quis dizer. Se você parar ali e olhar para cima, verá os brasões, as delicadas janelas com painéis, a imponente fachada gótica com acabamento1505. Este é o gemeenlandshuis da cidade, traduzido como a sede do conselhoágua local, onde Daverveldt serve como o presidente - ou dijkgraaf, como seu título é conhecido lá.

Este elegante edifício tornou-se o gemeenlandshuisDelft1645 - e mesmo isso é bastante novo no mundo dos lençóis freáticos. Conhecidosholandês como waterschap (autoridade da água) ou hoogheemraadschap, alguns remontam ao século 12.

"Os agricultores,particular, tiveram que se unir para proteger suas terras", explica Tracy Metz, co-autoraSweet & Salt: Water and the Dutch (Doce e sal: a água e os holandeses,tradução livre).

"Claro, cada corrente é tão forte quanto seu elo mais fraco, então houve uma pressão comum para que todos fizessemparte para manter suas terras secas." Mesmo hoje, isso ainda faz sentidouma nação onde quase um terço da terra e metade das casas ainda estão abaixo do nível do mar. Os polders holandeses (terrenos baixos, planos e alagáveis) e diques precisam ser mantidos coletivamente.

Essa vulnerabilidade natural - "Netherlands" significa literalmente "paísbaixa altitude", ou Países Baixos - ajuda a explicar o poder crescente dos conselhoságua. Na épocaque os artistas Vermeer e Rembrandt estavam molhando seus pincéismeados do século 17, os conselhos podiam cobrar seus próprios impostos e punir os poluidores. Nos escritórios do Rijnland Water BoardLeiden, você ainda pode encontrar um mastroquase dois metros com um ferrete na ponta - que costumava ser usado para manter as pessoas na linha.

Mesmo assim, diz Metz, os comitêságua eram essencialmente órgãos representativos. Embora não fossem democráticos no sentido moderno, eram administradoscomunidade, com fazendeiros ou burgueses moldandoorganização local. Metz argumenta que os conselhos formaram a base do que viria a ser a democracia holandesa.

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Crédito, Waterschap Zuiderzeeland

Legenda da foto, Os métodos modernosgestão da água dos holandeses têm uma história surpreendentemente longa

Os conselhos da água claramente evoluíram a partir daquela época. Onde antes eram 3.500, restam apenas 21, representados por uma associação nacional. Mas, embora seu número tenha sido reduzido, seu papel foi possivelmente estendido: alémorganizar e manter as defesas contra enchentes, também são responsáveis ​​pelo controlequalidade da água, manutençãorios e canais e tratamentoesgoto.

Ehistória distinta ainda se infiltra na vida holandesa contemporânea. Alémbelos exemplos construídostijolo e pedra, isso pode ser visto claramente na linguagem.

O termo dijkgraaf, por exemplo, tem tons distintamente aristocráticos - significa literalmente "conde dos diques", servindo como um lembrete impressionante do passado profundamente feudal da Holanda. Enquanto isso, os políticos holandeses usam o verbo polderen para descrever o espíritocooperação implícito nos comitêságua.

A história dos comitês da água também tem consequências práticas nos dias modernos. Como seus antepassados ​​medievais, por exemplo, os conselhoságua ainda arrecadam verbaforma independente. De modo geral, as famílias pagam dois tiposimpostos: ao município e ao órgãoágua. E, como Emilie Sturm argumenta, essa independência traz benefícios financeiros óbvios. Ao contráriooutros lugares, onde a gestão da água disputa por dinheiro com educação ou moradia, o modelo holandês "garante" que os cofres estejam sempre cheios, explica Sturm, gerenteprograma do Blue Deal, o órgão que promove a expertise holandesaágua no exterior.

Isso se reflete nas estatísticas: os conselhoságua geram até 95%seus orçamentos por meioseus próprios impostos. Compare isso com o Estado americano do Texas, onde o DepartamentoHabitação e Desenvolvimento Urbano dos Estados Unidos anunciou recentemente que Houston e seu condado não receberiam nenhum novo financiamento para alívio das enchentes - apesarterem pedido US$ 1,3 bilhão (R$ 7,25 bi).

Ao mesmo tempo, os comitêságua continuamlonga tradiçãogoverno aberto e eleito. A maioria dos cargos do conselho é agora eleita diretamente pelo público, embora alguns ainda sejam atribuídos a interesses corporativos na indústria, agricultura e meio ambiente. É certo que o holandês médio geralmente não se preocupa com seu conselho local: Rens Huisman, do ConselhoÁguaZuiderzeeland, os compara a árbitrosfutebol: você os ignora quando eles trabalham bem.

Mesmo assim, esse poço profundolocalismo é útil. Por um lado, diz Daverveldt, a democracia promove investimentos e monitoramento transparentes. Por outro lado, os conselhos são compostos por especialistas, com conhecimentosua própria localidade.

Esse regionalismo ficou patente no verão holandês2021, quando as diretorias adotaram diversas táticas para combater as enchentes. Em Rivierenland, atravessada por cursoságua, a equipe correu para inspecionar a solidez dos diques locais. Em Limburg, espremido entre a Bélgica e a Alemanha, o conselho propôs uma abordagem regional para cobrir os três países.

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Crédito, Hoogheemraadschap van Delfland

Legenda da foto, Os órgãos representativos holandeses incluem representantes eleitos, alémindicados por indústrias

Além da Holanda

Ao sulAddis Abeba, na Etiópia, o rio Awash faz uma curva por cerca1.200 km através do coração do país, passando por matas e campostrigo e por meninos cuidandosuas cabras ao sol. O terreno é acidentado aqui: muitas das colinas perto do rio chegam a 2.000 metros. À noite, gruposbabuínos dormem nas folhas das palmeiras para se esconder dos predadores. Em outras palavras, este é um lugar que parece tão diferente das terras baixas da Holanda quanto você pode imaginar.

No entanto, se você souber onde procurar, encontrará vestígios da Holandamuitos lugares. Isso vale para as barragens e diques que revestem o Awash, mas também na forma como a hidrovia é administrada - desde os impostos até a representação. Tegenu Zerfu, um especialistaágua da Etiópia, argumenta que isso não é nada surpreendente. "Garantir o futuro", diz ele, "pode ​​ser obtido a partir do modelopolder".

Nem as terras altas da Etiópia são únicas neste sentido. Durante anos, os gestores hídricos holandeses levaram seu conhecimento a terras distantes, construindo relacionamentos com países do Peru ao Vietnã. Ao todo, o Dutch Blue Deal funciona14 países, e os conselhoságua individuais também têm suas próprias parcerias, algo que os profissionais envolvidos veem como uma consequência natural da tradição polderen.

Jo Caris, colegaHuisman no ConselhoÁguaZuiderzeeland e especialistahidrovias da Etiópia, diz que apoiar o conselhoágua vizinho e o distante Awash são, na verdade, dois lados da mesma moeda.

Esse apoio também pode ser descrito como uma troca, acrescenta ele, com paísesbaixa renda também ensinando coisas aos veteranos holandeses. Sturm afirma algo semelhante. "A necessidade desse programa", explica ele, "realmente veio do entendimentoque, para nos adaptarmos às mudanças climáticas, precisamos aprender uns com os outrostodo o mundo".

Como este último comentário indica, os holandeses têm o cuidadonão exportar seus métodos no atacado e tentam trazer lições valiosas para casa também. Mas, embora seja improvável que uma gemeenlandshuis broteAdis Abeba tão cedo, os comitêságua deixarammarca na Etiópia.

Isso fica claro, por exemplo, quando se tratacomo Zerfu e seus colegas reformaram a tributação ao longo do Awash. Até a chegada dos holandeses, há vários anos, as principais empresas industriais tinham poucos incentivos para economizar água, um sério desafioum país onde apenas 42% das pessoas têm acesso a um abastecimentoágua potável. Mas as coisas são diferentes agora: os agricultores pobres ao longo do Awash estão isentos do imposto sobre a água, enquanto os usuários maiores devem pagarparte.

Melhor ainda, Zerfu diz que, assim como o modelo holandês, este sistema é autofinanciável - crucialum país onde há conflitos contínuos, abusos dos direitos humanos e pobreza (um quarto da população vivia abaixo da linha da pobreza2016).

homens apoiadosmuroGana

Crédito, Blue Deal

Legenda da foto, Hoje, a experiência holandesa com água é usadadiferentes paisagens ao redor do mundo, incluindoprojetos da África

Você também pode ver reflexos dos sistemas holandeses na abordagem da representação na Etiópia.

Nada como uma eleiçãoconselhoságua existe ao longo do Awash: a democracia da nação é muito frágil. Mesmo assim, os holandeses e as autoridades locais encorajaram os pequenos agricultores a se juntar às associações locaisusuárioságua, dando-lhes poder coletivo para negociar com o estado e a indústria.

Esquemas modestos como esse, diz Huisman, são típicoscomo os holandeses operam no exterior. "Você tem que olhar para os princípios que estãonosso modelogovernança - e adaptá-lo quando você o aplica a outros países."

Isso vale também para países mais próximos da Holanda. Mirela Ciucur é a chefeassuntos econômicos da Administração NacionalÁguas da Romênia. Como Tegenu Zerfu, ela viu a influência do modelo holandês emterra natal, especialmente quando se trataboa governança.

Historicamente, os gastos dos impostos romenos sobre a água careciamtransparência, explica Ciucur. Inspirada na Holanda, Ciucur desenvolveu um modeloanálise econômica para entender exatamente o que precisavadinheiro -defesas contra enchentes à manutençãopraias. Alémser mais transparente, esta abordagem incita a Romênia ao modelo"recuperaçãocustos" tão bem-sucedido na Holanda.

Como na Etiópia, com certeza, as comparações não são exatas. Embora a Romênia já tenha 11 conselhos regionaiságua, por exemplo, seus orçamentos são administrados centralmente a partirBucareste. Mesmo assim, Ciucur está finalmente convencida da necessidadeir para o modelo holandês.

Quando as chuvas chegaram, uma polegada (2,5 cm) por hora na máxima força, a torrente era imparável. As pessoas tiveram que ser salvascerca900 vilas, e as enchentes vieram tão rápido que os soldados tiveram que salvar as pessoasfrágeis barcosmadeira, guiando mulheres idosas pela lama.

A descrição acima serviria para as inundações na Alemanha ou na Bélgica: aconteceram no verão, poucas semanas depoisLiège e seus vizinhos terem sido devastados, e mais100 pessoas morreram ali também. Mas, na verdade, esta última catástrofe aconteceu do outro lado do mundorelação à Holanda, no Estado indianoMaharashtra.

Esses desastres, iguaiscausa, consequência e escalatempo, mostrammaneira pungente a ameaçaenchentesuma eraemergência climática. Em uma faixa da Europa Ocidental, os cientistas descobriram que as mudanças climáticas aumentam a quantidadechuva que caium determinado dia em até 19%, o que aumenta drasticamente o riscoinundações.

Os pesquisadores sugeriram que as mudanças climáticas tornaram as recentes inundações na Alemanha nove vezes mais prováveis. Os cientistas chegaram a conclusões semelhantes sobre o subcontinente, observando que as mudanças climáticas estão ajudando a colocar 75% dos distritos indianosriscodesastres climáticos, como inundações. E não apenas nessas duas áreas do mundo. PartesDakota do Sul, Nebraska e Novo México podem ter um aumentocinco vezes na exposição a enchentes até 2100.

Em outras palavras, os problemas que recentemente afetaram a Bélgica e a Índia estão se tornando ameaças verdadeiramente globais. Isso naturalmente levanta a questão: o que deve ser feito? Claro, a resposta final é assustadoramente complexa, abrangendo desde energia verde até melhores leisplanejamento. Mas poderia o modelo holandêsgestão da água - com seus pilaresindependência, transparência, colaboração e adaptabilidade às condições locais - oferecer lições mais amplas também?

Especialistas acreditam que sim. "Poderia funcionar muito bem", argumenta Tracy Metz, "se essas organizações tivessem autonomia e influência suficientes para que o que decidissem realmente acontecesse". Sturm concorda. A água, ela enfatiza, vai ter um "papel imenso" no mundoamanhã. "Portanto, a necessidadeuma autoridaderecursos hídricos estar presente e ter o conhecimento certo, as instituições certas, o gerenciamento certo das partes interessadas é muito importante".

Também há sinaisque até mesmo lugares sem vínculos diretos com o Blue Deal estão pensandoparâmetros holandeses. Na Virgínia (EUA), por exemplo, cidades vulneráveis ​​em todo o Estado estão cooperando para desenvolver um plano diretor costeiro unificado, incentivando o governo a tomar mais iniciativas financeiras após uma emergência. Enquanto isso, do outro lado do país, o Conselho EstadualControleRecursos Hídricos da Califórnia está pensandose conceder mais poderes, potencialmente obrigando as pessoas que controlam rios e riachos a compartilhar com a comunidade. Se eles puderem fazer isso sem recorrer a um ferrete, melhor.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês), no site da BBC Future.

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