Por que achamos que os gatos são ‘antissociais’:
A independência deles, que muitos enxergam como bônus, é frequentemente associada a egoísmo e individualismo. Os detratores dos felinos argumentam que eles só mostram afeição para obter comida.
Donosgatos replicam que nada disso é verdade e que os seus laços com o animal são tão fortes quanto a conexão entre cachorros e seus donos. Por que, então, a imagemque os gatos não são bichos amigáveis permanece?
Impacto da domesticação
No Brasil, existem 22 milhõesgatos domésticos, segundo a Pesquisa Nacional por AmostraDomicílios (PNAD) realizada2013 pelo IBGE. Isso representa 17,5% dos domicílios.
Mas os cachorros são bem mais populares. Estão44,3% dos lares brasileiros. No total, há 52,2 milhõescãesestimação no Brasil.
Uma pista sobre como a imagem dos gatos se consolidou entre nós vem da forma como foram domesticados. Foi um processo muito mais gradual que aquele dos cachorros. Os primeiros gatos domesticados começaram a aparecer nos vilarejos neolíticos do Oriente Médio cerca10 mil anos atrás.
Eles não dependiam dos humanos para comida— eram encorajados a buscar alimentos por si próprios e a armazenar a comidalocais segurosratos e outros animais. Portanto, nosso relacionamento com gatos já começou com a imposiçãoum distanciamento maior que no caso dos cães.
Desde o início da domesticação dos cachorros, eles foram usados para ajudar os humanos a caçar e compartilhavam os resultados da empreitada com seus "donos". Portanto, diferentemente dos gatos, os cães foram ensinados desde o princípio da domesticação a depender dos homens para comer e a participaratividades conjuntas.
O gato que está enrolado no seu sofá e olhando para você do topo da estantelivros compartilha muitos dos instintosseu seus ancestrais pré-domésticos, como o desejocaçar sozinho epatrulhar o território, protegendo-ooutros gatos.
O processo mais recentedomesticaçãofelinos, que implicatorná-los dependentesnós para alimentação, não retirou deles todas as suas características selvagens.
"Há uma desinformação dos humanosrelação à espécie", diz Karen Hiestand, veterinária integrante da ONG International Cat Care.
"Cães e humanos são muito similares e convivem há muito tempo. De certa maneira, houve uma coevolução (quando há a evolução simultâneaduas ou mais espécies). Com gatos, (essa convivência) é mais recente. Eles vêmum ancestral solitário que não era uma espécie social", explica.
O gato selvagem africano Felis lybica, que adaptamos como gato doméstico, tende ter a uma vida solitária e a se relacionar com outro animal da mesma espécie apenas para procriar.
"Gatos são um dos únicos animais antissociais que foram domesticados. Os outros animais que domesticamos formam laços sociais com outros membros da mesma espécie", ressalta Hiestand.
O que torna um gato mais sociável?
A velocidade da vida moderna, que deixa pouco tempo para que possamos cuidardiferentes afazeres eoutros animais, tem favorecido a popularidade dos gatos como bichos domésticos.
"Porque eles são tão autossuficientes e capazestomar contasi mesmos, gatos estão se tornando cada vez mais populares. Ao mesmo tempo, porém, os humanos esperam que gatos ajam como nós e como cachorrosvários aspectos. Mas eles não são assim."
Pesquisas sobre as emoções e a sociabilidade dos gatos estão muito menos desenvolvidas que aquelas que versam sobre cachorros, embora tenham ganhado espaço nos últimos tempos. Alguns estudos já mostram que a sociabilidade dos gatosrelação a humanos é um espectro complicado.
"A sociabilidade varia muito conforme a genética e,parte, advém da experiênciacada bicho nas suas primeiras seis ou oito semanas. Se tiverem experiências positivas no começo da vida, provavelmente vão gostar maishumanos e viver pertonós."
Mesmo os gatos domesticados ou que convivemcentros urbanos e vilas povoadas integram um amplo espectro. Os gatos ariscosrua costumam se esconder e fugirhumanos, se comportando mais como seus ancestrais selvagens.
Mas,locais como o Mediterrâneo e o Japão, colônias"comunidadesgatos" povoam vilaspescadores e socializam com qualquer pessoa que se interessealimentá-los.
Em Istambul, capital da Turquia, gatosrua são alimentados por locais e se tornaram parte da identidade da cidade, tornando-se inclusive personagens principaisum documentário.
Há ainda os gatos que vivem nas casas, mas mesmo dentre este grupo há grandes variações. Alguns mantêm uma relativa distância, enquanto outros parecem gostar muito da companhia humana.
Se quisermos um laço forte com nossos gatos, o que podemos fazer?
Lendo o olhar do gato
Assim como fazemos com cachorros, observar a linguagem corporal dos gatos pode nos ajudar a compreender melhor o animal. O corpo dos felinos fala mais do que os sons que eles emitem.
"Mas costuma ser mais difícil para as pessoas ler a linguagem corporal dos gatos que a dos cães", diz Kristyn Vitale, que faz um doutorado na UniversidadeOregon State sobre comportamento felino. E dificuldade não é, necessariamente, culpa do gato.
Um aspecto vital pode ter permitido aos cachorros desbancar os gatos na conquista pela nossa afeição. Estudo da UniversidadePortsmouth revelou que cachorros aprenderam a mimetizar expressõescrianças, atraindo a atenção e a simpatiaseus donos.
Essa mudança se revela na capacidade que os cachorros adquiriramdesenvolver um músculo na área da sobrancelha. E essa característica não existia nos ancestrais lobos dos cachorros.
Os "olharfilhote" é um truque evolutivo que fortaleceu a conexão entre cães e humanos. A má notícia para os gatos é que eles não possuem esse músculo. Portanto, o olhar do gato pode parecer frio e não amigável.
Mas o olhar com piscadas lentas que o seu gato te lançaperto ou do lado oposto da sala é a forma que ele temexpressar amor. Até o fatovirar a cabeça para o lado pode ser o opostodesdém— é um sinalque o animal está relaxado.
Numa pesquisa conduzida por Vitale, gatos e cachorros são deixados sozinhos numa sala, com o dono retornandorepente algum tempo depois.
"Uma coisa interessante é que a os gatos que se sentiam seguros com os donos o cumprimentavam e voltavam a explorar o ambiente. E,intervalos curtostempo, voltavam para os donos. Os cães agirammaneira similar", diz Vitale.
"Se o cachorro corre pela sala, brinca com os brinquedos e, ocasionalmente, retorna ao dono, isso não costuma nos preocupar."
Pesquisadores chamam isso"conexão segura", ou seja, uma aparente calma diante do retorno do dono que sugere uma forte conexão emocional.
Gatos relaxados tendem a querer fazer amigos
"A expectativa dos humanos impacta no comportamento dos animais", diz Vitale. Ao tentar forçar gatos a se comportar mais como cachorros, inundando o animalatenção, o humano o está pressionando a se afastarseu comportamento natural.
Hiestand diz que nossa inabilidade históricaperceber o temperamento dos gatos como diferente docachorros é parte do problema. Mesmo especialistas com anostreinamento não são imunes a esse erro.
"Eu fui a uma conferência2007 e me senti uma completa idiota", diz ela.
"Havia várias informações básicas sobre gatos que eu não conhecia, como o fatoque eles gostam que os recipienteságua e comida fiquemlocais diferentes. Todas essas pesquisas são bem recentes, mas quando você tem a humildadeassumir que o que você pensava saber sobre os gatos estava errado, você começa a aprender muita coisa interessante."
Preste atenção na forma como gatos se esfregam nos donos. Isso costumava ser interpretado como uma maneiramarcar território, assim como gatos selvagens fazemárvores e outros marcos naturais.
Na realidade, quando os felinos domesticados fazem isso com pessoas, é um sinalafiliação— o gato está transferindo seu cheiro para apele, ao mesmo tempoque atrai o seu cheiro para o pelo dele.
Isso é o que felinos fazem com outros gatos que consideram aliados. É uma maneiracriar um "cheiro comum", que distingue amigosrivais.
E há uma questão chave, aponta Hiestand: gatos relaxados e tranquilos tendem a querer fazer amigos. "Eles queremcomida, seu localdormir eágua nos lugares certos. Quando conseguem isso, abrem espaço para explorar laços sociais."
Portanto, da próxima vez que você chegarcasa e encontrar o gato silenciosamente te olhando do sofá ou preguiçosamente bocejando enquanto caminha pelo corredor, não fique desapontado.
Damaneira silenciosa, ele está demonstrando felicidadete ver.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
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