Os chips que podem revolucionar a pesquisa médica e diminuir usoanimaislaboratório:
Kamei constrói seus próprios chipslaboratório, usando um cortador a laser e uma impressora 3D. Para operá-los, ele adiciona tecidos celularesseis câmaras conectadas a microcanais. Em seguida, conecta microbombas pneumáticas a um controlador para criar um circuito. Isso permite a Kamei e a outros pesquisadores testar a eficácia e os efeitos colateraisnovos medicamentos, desenvolver a medicina personalizada com base nas célulasindivíduos específicos e entender melhor a basediversas doenças.
Em um experimento, por exemplo, Kamei e seus colegas colocaram no chip células saudáveis do coração e células cancerosas do fígado. Eles então adicionaram doxorrubicina, uma drogacombate ao câncer conhecida por causar efeitos colaterais tóxicos no coração, mas cujo mecanismotoxicidade era desconhecido. Os pesquisadores descobriram que a droga não causou diretamente o dano cardíaco; o subproduto metabolizado pelo fígado o fez.
Abastecimentocélulas
Tais experimentos requerem um amplo abastecimentovárias células. Isso não teria sido possível sem o trabalhoShinya Yamanaka, pesquisadorcélulas-tronco da UniversidadeKyoto que ganhou o Prêmio NobelFisiologia/Medicina2012. A honraria foi concedida porcriação das células-tronco pluripotentes induzidas (iPS, na siglainglês).
"As células iPS podem se proliferar muitas e muitas vezes fora do corpo, enquanto outros tiposcélulas-tronco não podem", diz Kamei. "Além disso, as culturas celulares usadas anteriormente eram provenientesapenas uma pessoa, o que não era útil para estudar doenças genéticas ououtro indivíduo".
Como o próprio nome indica, as células iPS indiferenciadas podem ser induzidas a partirpraticamente qualquer tipocélula no corpo. Os genes codificadores - ou "fatores Yamanaka" - reprogramam célulasestado embrionário. Elas podem se tornar qualquer tipocélula, incluindo espermatozoides e óvulos para tratamentosfertilidade, ou quaisquer outras para testes farmacêuticos.
Como a maioria das tecnologias biomédicas, as células iPS e os chips, como os usados por Kamei, foram criados tendomente os humanos, não os animais. Mas ambas as tecnologias têm potencialcontribuir para a conservaçãoespécies e do bem-estar animal.
As células iPS poderiam ser usadas, por exemplo, para sintetizar carnelaboratório, aliviando o tratamento desumano dado ao gado e o impacto ao meio ambiente causado pela agricultura; ou para criar produtos a partirespécies ameaçadas, satisfazendo a demanda do mercado sem matar animais selvagens. Como nos seres humanos, os chips também abrem uma porta para se estudar e entender melhor a vida selvagem - e, dessa forma, protegê-la.
"Muitos cientistas estão entusiasmados com as possibilidadesessas tecnologias serem benéficasum contexto mais amplo do que a aplicação médicahumanos", diz Oliver Ryder, diretorconservação genética do InstitutoPesquisa da ConservaçãoSan Diego (EUA) e sócioKamei no projeto "corpoum chip".
"É muito bom que, dentroum contextointeresses compartilhados, essa pesquisa possa desempenhar um papel importante na conservação dos animais", acrescenta Ryder.
Foi o bem-estar animal, e não a conservação, que originalmente levou Kamei a olhar para além da medicina humana. Enquanto estudava ratoslaboratório na Universidade da Califórnia,Los Angeles, ele simpatizou com os roedores. "Eu me perguntava por que precisávamos usar camundongos para estudar os humanos?", lembra. "Ficava intrigado pensando como poderia ajudar esses animais".
Ele não está sozinho. Testesanimais estão saindomodaindústrias e universidadestodo o mundo. Em 2009, a União Europeia proibiu a prática emindústriacosméticos e,2013, os legisladores ampliaram a norma para incluir todos os cosméticos vendidos na UE, independentementeonde fossem produzidos.
Chips com tecidos humanos podem reduzir a necessidadetestesanimais - um ganho duplo, já que ratos, coelhos e macacos nem sempre reagem a um medicamento ou produto da mesma maneira que as pessoas. Por causa disso, os chips que imitam o corpo humano, diz Kamei, são considerados "um dos principais candidatos como alternativas a testesanimais".
Os humanos, claro, não são as únicas espécies que sofremdoenças, e as células iPS e as tecnologiaschip podem acelerar o desenvolvimentonovos tratamentos médicos para os animais também. Um número significativamente menorpessoas estuda doençasanimaiscomparação com as humanas, e há menos recursos disponíveis para apoiar esses estudos.
A versatilidade da vida selvagem dificulta ainda mais a criaçãocuras específicas para doenças. Além disso, as espécies ameaçadas tendem a ser escassas, e as leis muitas vezes proíbem capturá-las, mesmo que isso ajude cientistas a entendersaúde e doenças.
"Se pudermos criar órgãosanimaisextinção, poderemos entender como esses órgãos funcionam e como protegê-losinfecções", diz Miho Murayama, diretora do CentroPesquisa da Vida Selvagem da UniversidadeKyoto. "Isso seria muito útil, porque não podemos experimentar com eles como fazemos com ratos".
Os cientistas que trabalham no Cazaquistão ainda têm dificuldadeentender por que 200 mil antílopes saiga - 60% da população mundial - repentinamente morreramuma infecção bacteriana2015. Já pesquisadores da Tasmânia (Austrália) têm trabalhado há anos para tratar uma forma horrível e contagiosacâncer do rosto que vem ameaçando a sobrevivência dos demônios da Tasmânia. Os gorilas são outro excelente exemplo: eles são notoriamente propensos a ataques cardíacos - mas ninguém sabe por quê, e ninguém foi capazdar uma solução para tal.
"Se pudermos imitar os ataques cardíacos do gorila dentro do 'corpoum chip', poderemos identificar que tiposdrogas e tratamentos poderão ajudá-los", diz Kamei. "Esse tipoteste seria benéfico não apenas para animaisextinção, mas também para animaisestimação e gado".
Possibilidades infinitas
Oliver Ryder acrescenta que, além dos chips, as células iPS abrem um conjunto aparentemente infinitopossibilidades para a conservaçãoespécies. "Se a diversidade genética puder ser estocada e restaurada ao transformarmos as célulasanimais ou ao usarmos tecnologias celulares para restaurar a variação genética, haverá menos riscoextinção", diz ele. "É incrível poder investigar as possibilidades desse tipotecnologia".
Ryder é um dos coordenadores no mais conhecido desses projetos: um esforço internacional para salvar o rinoceronte branco do norte - uma subespécierinoceronte branco reduzida a apenas dois indivíduos vivos no mundo. O plano é usar amostras congeladastecidosindivíduos mortos para criar células iPS.
As células iPS seriam, porvez, transformadasóvulos e espermatozoides para gerar embriões viáveis e geneticamente diversificados que seriam implantados no rinocerontes brancos do sul. Embora seja um começo ambicioso, Ryder aponta que esta é a única esperançasalvar a subespécie da extinção. E, independentemente do sucesso do projeto, provavelmente ele abrirá caminho para esforços similares no futuro.
Essa tecnologia, acrescenta Miho Murayama, também pode acelerar nossa compreensão da biologia e da evolução. Murayama e colegas estudam, por exemplo, como os hormônios e os neurotransmissores, como a serotonina, afetam o comportamento animal e como os genes estão por trás do comportamento.
Hoje ela se debruça sobre a análise genômicaanimais específicos para fazer isso. Mas comparações lado a lado,tempo real,células vivas seriam mais eficientes. Os chipscélulas iPS feitas a partir da informação genéticaalgumas das 600 espécies que ela coletou nos últimos anos permitiriam esse trabalho.
"Não temos nem informações básicas sobre muitos animais silvestres", diz Murayama. "Nosso objetivo é conectar dadoscampo elaboratório para entender melhor as espécies".
Os desafios para a realizaçãotais metas são muitos, no entanto. Entre eles, a fórmula para a criaçãocélulas iPS difereespécie para espécie. O que funciona para um rinoceronte não necessariamente funcionará para um chimpanzé ou uma águia. Além disso, depois que as células iPS são produzidas, o processodiferenciação para vários tiposcélulas pode variar por espécie, assim como as condiçõescultura necessárias para as células se proliferarem e prosperarem.
Hitomi Tabata e Tomoka Hirayama, estudantes da Escola Hiroo Gakuen,Tóquio, descobriram isso na pele quando tentaram criar células iPSelefantes. As jovens, que vislumbram uma carreira na pesquisa médica, escolheram esses animais porque eles dificilmente desenvolvem câncer e isso abriria possibilidadestratamento.
Mas, durante a pesquisa, as alunas se inteiraram sobre a caça ilegalelefantes na África. Dezenasmilharesanimais foram abatidos na última década por criminosos atraídos por seus chifresmarfim. Elas então perceberam que seu projeto voltado para a saúde também poderia dar uma solução para a conservação: cultivar o marfimlaboratório a partir das células iPS.
"Achávamos que se a diferenciaçãomarfim fosse bem-sucedida, ajudaria a aumentar a populaçãoelefantes", afirmou Tabata.
Tabata e Hirayama conseguiram criar células-tronco pluripotentescamundongos, mas quando chegou a horafazê-lo com elefantes, elas se depararam com um problema. As cópias do p53elefantes, o gene responsável pela resistência da espécie ao câncer, também tornaram as células dos elefantes resistentes à reprogramação.
"Esse gene funciona resistindo ao ou reduzindo o ciclo celular, o que significa que é mais difícil criar células iPS", explicou a estudante Hirayama. Ainda assim, ela e Tabata planejam continuar tentando inativar o p53 e mudar a forma como introduzem o fator Yamanaka - pelo menos até a formatura,março deste ano, quando elas esperam que alunos iniciantes assumam o projeto.
Kamei concorda que o p53 é um grande obstáculo - mas que, como todos os desafios da ciência, vale a pena tentar superá-lo. "Não estou dizendo que é impossível, mas é quase impossível reprogramar as células do elefante por causa do p53", diz ele. "Se for possível, no entanto, quero fazê-lo".
O projeto mostra, pelo menos, como os "corposum chip" podem ajudar a introduzir jovens cientistas na pesquisa genética.
Por enquanto, Kamei criou um modelorato"corpoum chip" e está pertocriar zebras-de-grevy, cujas células chegaram ao laboratório graças às conexõesMurayama com o zoológicoKyoto. Golfinhos e cavalos são os próximos da lista.
"Cada espécie tem obstáculos, mas todas também trazem temas interessantes para se estudar", continua o pesquisador. "Se minha pesquisa for útil a pessoas que trabalhamzoológicos ou com animais, isso é ótimo".
Ele acrescenta que seus objetivos vão ainda mais longe - literalmente além dos limites dos problemas terrestres, até o espaço. Nos EUA, o Centro Nacional para o Avanço da Ciência Translacional e o Laboratório Americano da Estação Espacial Internacional criaram o projeto "ChipsTecido no Espaço" para testar os efeitos do espaço nas células e nos órgãos humanos.
Kamei acredita que eles têm o mesmo valorgarantir que os animais possam fazer uma transição suave para um eventual futuro pós-Terra. "Os seres humanos não serão os únicos a ir para o espaço - animaisestimação e gado também", diz Kamei. "Eu não vou a Marte, mas meu sonho é ajudar aqueles que o farão".
- Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future .
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