Os livros radicais que estão 'reescrevendo' o sexo:poker l

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Legenda da foto, Nova ondapoker llivrospoker lficção e não ficçãopoker lautoras mulheres explora o desejo feminino

Até que, uma noite, sentindo-se "excepcionalmente bela e isolada", Eve posta suas fotos íntimas online. Em resposta, ela conhece uma mulher, Olivia, que apresenta Eve a Nathan, seu namorado - e patrão - rico, carismático e, muitas vezes, misógino.

Assim começa um jogopoker lpoder e trama sexual entre os três personagens, exploradapoker lintensos detalhes ao longo das 200 páginas seguintes.

Estudos vêm mostrando que as pessoas não estão fazendo muito sexo no momento. Aparentemente, estamos atravessando uma "recessão sexual", especialmente entre os jovens. Diversas causas vêm sendo indicadas, desde a crisepoker lmoradia e a pandemia até um retorno à culturapoker l"ficar", comum na década passada.

Mas existe um setor onde o sexo com certeza estápoker lalta: a literatura e, particularmente, os livros escritos por mulheres.

Uma nova ondapoker llivrospoker lficção e não ficçãopoker lautoras mulheres explora as complicadas ramificações do desejo feminino. Neles, o sexo não está implícito nem se resume a um breve encontro. Ele é direto e central.

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Legenda da foto, O primeiro romancepoker lLillian Fishman, 'Acts of Service', explora abertamente o desejo feminino

Fishman é uma dessas autoras. Com 28 anospoker lidade, ela agora vê seu romance tornar-se uma das estreias mais comentadas do ano. O jornal britânico The Guardian classificou Acts of Service como uma "obra-prima do sexo".

O livro leva o sexo a sério, questionando seu propósito e o que significa satisfazer os seus desejos - mesmo quando eles não são compatíveis com a formapoker lque você aprendeu a viverpoker lvida.

"Muito mais do que sobre o desejo sexual, é um livro sobre como nos conciliamos com as expectativas convencionais", afirma Fishman. "A questão principal do livro é que a atração e a repulsa da heterossexualidade vêm do mesmo lugar. Eu quis encontrar uma abordagem para o problemapoker lum romance que realmente o dramatizasse, oferecendo uma sensação visceral."

Fishman pretendia escrever uma história homossexual, explorando o sentimentopoker ldesapontar a você e àpoker lcomunidade ao buscar desejos heterossexuaispoker luma épocapoker lque a identidade e a expressão sexual sofrem pressões políticas.

"Sinto que, na geração antes da minha, mas também na minha geração, existe uma crença real na sexualidade humana e na importânciapoker ldescobri-la e meio que apostarpoker lvida nela. E, quando isso acontece no mundo, a comunidadepoker ltorno dessa identidade é fundamental", afirma Fishman.

Mas o livro traz também uma reflexão mais ampla - sobre o que significa descobrir que você gostapoker lalgo que as pessoas esperam que você rejeite.

Para Fishman, "o sexo é o tema que eu usei [para explorar essa questão], mas o mesmo livro poderia ser escrito sobre o desejopoker lser rico".

Na relação descrita pelo livro, Eve se entrega ao prazer e fica aliviadapoker lsaber que não precisa ser uma "garota adorável". Mas - ao se preocupar com o que as suas escolhas dizem sobre ela - ela luta para conciliar seus desejos na cama com os valores feministas e anticapitalistas que ela tenta adotar napoker lvida.

"Passei muito tempo me convencendo a abandonar as coisaspoker lque eu gostava, para que pudesse ser um tipopoker lpessoa diferente, uma pessoa melhor", afirma Eve.

No livro, Eve segue seus desejos e nãopoker lbússola moral - e precisa lidar com isso, principalmente quando Nathan é acusadopoker labuso no ambientepoker ltrabalho. Para Eve, o sexo está "esperando apenas me encontrar para revelar a verdade".

Embora sejam livros muito diferentes, muitas das cenaspoker lsexo ardentepoker lActs of Service têm sido comparadas com Cinquenta Tonspoker lCinza. Fishman não se preocupa muito com isso.

"Eu queria que o livro fosse filosófico, mas também queria que ele arrebatasse as pessoas e que elas ficassem entusiasmadas para ler. Por isso, para mim é um sucesso ver as pessoas fazendo essas comparações."

Tudo ou nada

Enquanto o livropoker lFishman é sobre uma mulher que acredita que a finalidade do seu corpo é ter sexo, outro livro recente fala sobre a opção oposta: o celibato.

O livropoker lmemórias da diretorapoker lcinema Emma Forrest, Busy Being Free ("Ocupada sendo livre",poker ltradução livre - ainda não lançado no Brasil), cobre os cinco anos decorridos após o fim do seu casamento, quando ela trocou o sexo pela solidão. O período coincide com o mandato presidencialpoker lDonald Trump nos Estados Unidos.

"Meu processopoker ldivórcio estava começando mais ou menos na épocapoker lque Trump foi eleito presidente", ela conta. "Eu havia acabadopoker lcompletar 40 anos. O pior homem do mundo era agora o homem mais poderoso do mundo - e o homem mais poderoso do mundo também expressava com frequência seu horror visceral às mulherespoker lmeia idade. Por isso, tomei a decisão consciente: 'vou me abster completamente enquanto durar o seu mandato'."

Crédito, Divulgação/Agnes Wanke Toth

Legenda da foto, Períodopoker lcelibatopoker lEmma Forrest coincidiu com presidênciapoker lDonald Trump

No livro, ela explicapoker ldecisão. "Na idadepoker lque se considera que o valor sexualpoker luma mulher é decrescente,poker lforma que elas precisam se descabelar, física e emocionalmente, para continuar sendo escaladas para o time, eu pareipoker ljogar."

Forrest já publicou quatro romances e um livropoker lmemórias anterior, Your Voice in My Head ("Sua voz na minha cabeça",poker ltradução livre), alémpoker ldirigir um filme, Untogether (Sem Rumo, no Brasil). Ela passou a vida voltada às relações amorosas.

"Fui sexualmente ativa desde os 16 anospoker lidade. E era totalmente dedicada aos romances, para o bem ou para o mal, desde aquela idade. Eu sabia que isso seria algo novo", ela conta.

Não deveria ser assim, mas parece algo inquietante ler sobre a solidão não apenas como uma escolha legítima, mas como uma ótima opção, já que a narrativa padrão para a mulher solteira, muitas vezes, é que algo está faltando para ela.

Forrest conta que, pouco tempo depois dapoker lseparação, amigas com boas intenções tentaram animá-la, mas ela não estava interessada. No livro, outra amiga aparece preocupada com a possibilidadepoker lque Forrest esteja perdendo uma partepoker lsi própria ao decidir ficar sozinha. Sua mãe também se preocupa com apoker ldecisão.

Mas Forrest faz a solidão parecer tão sedutora quanto qualquer casopoker lamor. "O celibato não foi apenas suportável - ele foi épico, um lugar dentropoker lmim mesma onde uma mulher pode correr até tarde da noite com fonespoker louvido sem precisar ter medo", escreveu ela.

Não fazer sexo acabou causando "dependência", segundo ela. "Quanto mais tempo eu ficava sem sexo, mais eu sentia que nunca precisaria fazer aquilopoker lnovo. De muitas formas, foi a melhor época da minha vida."

Para um livro sobre celibato, ele está repletopoker lenergia sexual. "Esse clichêpoker lque uma mulher chegando aos 40 anospoker lidade está atingindo seu auge sexual, acho que é verdade. Para mim, com certeza foi", afirma ela.

"Então, eu tive essa ondapoker lsensações sem nenhum lugar para colocá-la. Eu a guardei e ela simplesmente se transformoupoker loutras coisas. Ficou mais fácil trabalhar, mais fácil tomar decisões e mais fácil definir o que realmente me interessa, nos homens, no amor e no sexo. E o que me interessavapoker lmim mesma, quais eram os meus valores", segundo Forrest.

A abstinênciapoker lForrest, aliada ao lockdown da pandemia, também abriu espaço para que ela refletisse sobre seus relacionamentos e experiências sexuais do passado, desde as que ela procurou até as que ela nunca quis.

"Ser mulher é um equilíbrio entre o quanto queremos o sexo com alguém específico e o quanto nosso maior medo é o sexo com um estranho, contra a nossa vontade", escreve ela.

Ela analisa como os homens eram "o smartphone no qual eu me perdia", quantas das suas decisões - roupas, empregos, casas - foram ditadas por eles e quantas vezes ela confundiu ser desejada com sentir desejo.

"O cenário padrão para as mulheres, na maior parte do tempo e talvez até para sempre, é pensar que você deve reagir a alguém porque ele a quer, quase que por educação", afirma ela. Mas o celibato oferece "um espaço para registrar os seus próprios desejos, sem absorver todas as vibrações do ambiente que pertencem a outras pessoas".

Quando ela finalmente começa a sair e retomar a atividade sexual, mais para o final do livro, tudo é diferente. Forrest é capazpoker lexpressar seu desejopoker lforma alta e clara e descobre o "poderpoker lcriar encontros sexuais exatamente da forma como eles eram nas minhas fantasias".

Entre os lençóis

Na literatura contemporânea, as mulheres estão explorando seus desejos.

No comentado livropoker lestreiapoker lJulia May Jonas, Vladimir, um professor universitário fica sexualmente obcecado por uma jovem escritora depois que o marido dela se envolvepoker lum escândalo sexual.

Good Girl ("Boa menina",poker ltradução livre),poker lAnna Fitzpatrick, descrito como "a secretária encontra a atrevida", conta a históriapoker luma mulher que luta para conciliar seus ideais feministas compoker ltendência ao masoquismo.

Milk Teeth ("Dentespoker lleite",poker ltradução livre),poker lJessica Andrews, fala sobre uma jovem que tenta descobrir quem ela realmente é - no amor, no sexo e na vida, enquanto a coleçãopoker lcontos Cat Brushing ("Penteando o gato",poker ltradução livre), da autora Jane Campbell - estreante aos 80 anospoker lidade - mostra a vida sensualpoker l13 mulheres mais idosas.

Por fim, C. J. Hauser põe fim ao seu compromisso e percebe que passou anos vivendo uma vida que era esperada para ela e não a que ela realmente desejava, napoker lcoleçãopoker lensaios autobiográficos The Crane Wife ("A esposa garça",poker ltradução livre): "Até hoje, ouço as palavras com vergonha. Sedenta. Necessitada. As piores coisas que uma mulher pode ser."

É um tema que fascina a escritora americana Deesha Philyaw, autora do livro The Secret Lives of Church Ladies ("A vida secreta das senhoras da igreja",poker ltradução livre - sem edição no Brasil), uma coleçãopoker lcontos sobre os desejos e apetites ocultos das mulheres negras do sul dos Estados Unidos.

"Eu não pretendia conscientemente escrever sobre sexo, mas acabei escrevendo sobre mulheres insatisfeitas", conta Philyaw. Ela afirma que reconhece essa sensação, embora tenha feito "tudo certo e na ordem certa: eu me casei, com um homem, antespoker lter filhos. E ainda era profundamente infeliz, profundamente insatisfeita. Eu tinha muito interesse na questãopoker lsatisfação e desejo, desconsiderando todas as obrigações. O que sobra? O que é possível?"

Crédito, Divulgação/Vanessa German

Legenda da foto, Deesha Philyaw escreveu sobre as ligações entre a sexualidade e o cristianismopoker l'The Secret Lives of Church Ladies'

Criada na Flórida, Philyaw ficou fascinada pelas mulheres negras àpoker lvolta.

"Eu fiquei muito curiosa sobre elas como seres sexuais, enquanto tentava entender e conciliar os ensinamentos da igreja, que combatiam tanto o prazer e reforçavam muito a vergonha, o medo e a culpa", relembra ela.

E, na idade adulta, ela ainda pensava naquelas mulheres. Imaginar seus desejos secretos e suas vidas internas inspirou as histórias do seu livro, que ganhou o prêmio PEN/Faulknerpoker lficçãopoker l2021 e está sendo adaptado para uma minissérie da HBO.

Para Philyaw, era importante posicionar o sexo no campo do prazer. "Eu queria desafiar a ideiapoker lque o sexo e a sexualidade são sempre algo tenso, que precisamos atuar como seres sexuaispoker lum ambientepoker lmedo, vergonha ou culpa", explica ela.

"E se as primeiras coisas que aprendêssemos sobre o nosso corpo fossem que ele é bom, que nos pertence e que devemos priorizar o nosso próprio prazer? E se fôssemos ensinadas a priorizar a nossa própria satisfaçãopoker lvezpoker lservir e agradar os outros?", questiona Philyaw.

Seus personagens não são criados dessa forma, mas estão lutando para libertar-se e seguir os seus desejos. "Os resultados são complexos e conturbados", afirma ela.

The Secret Lives of Church Ladies conta experiências muito diferentespoker lActs of Service,Busy Being Free epoker loutros livros recentes que exploram a sexualidade feminina. Mas, embora todos esses livros detalhem experiências específicas, existe uma linha comum: mulheres tentando descobrir o que elas realmente querem, separando seus desejos verdadeiros do que é esperado delas.

Desejo proibido

Tudo isso chegapoker lum momentopoker lque o assunto se torna cada vez mais inquietante. Nos últimos anos, a eleiçãopoker lTrump, o movimento #MeToo, o aumento da pornografiapoker lvingança e a revogação do caso Roe x Wade contribuíram para uma sensaçãopoker lansiedade com relação ao sexo.

Diversos livros recentespoker lnão ficção - incluindo Bad Sex ("Sexo ruim",poker ltradução livre),poker lNona Willis Aronowitz, Rethinking Sex: A Provocation ("Repensando o sexo: uma provocação"),poker lChristine Emba, e Want Me ("Deseje-me"),poker lTracy Clark-Flory - examinam o que a liberação sexual realmente representa para mulheres que vivempoker luma sociedade patriarcal e misógina.

Expressar e realizar o desejo parece muito mais complicado do que antes. E "o que dificulta ainda mais é que um lado sempre ficará para trás, não importa o que você faça", afirma Lillian Fishman.

"De um lado, se você for minimamente feminista, você irá querer acreditar, expressar e manifestar um tipo realpoker lliberdade sexual. E, ao mesmo tempo, existe também essa crença profunda no amor e na família, que estas são as realizações da vida que o sexo casual nunca irá satisfazer. É certamente uma armadilhapoker lqualquer sentido. E acho que todas nós estamos cientes disso", segundo ela.

Mas agora, como sempre, a palavra escrita continua sendo uma forma para as mulheres explorarem as complicações do livre desejo - como fizeram escritoras como Anaïs Nin, Erica Jong, Anne Rice, Catherine Millet, Mary Gaitskill e outras.

Fishman considera que o sexo na literatura é uma formapoker lcomunicação - "uma extensão das conversas entre as personagens, que expressam algo que elas [as autoras] não podem expressar verbalmente ou que têm muito medopoker lfazê-lo".

Para ela, a irlandesa Sally Rooney é a mestra desta arte. "Um romance pode fazer coisas tão gratificantes e acho que ela faz isso maravilhosamente." Mas ela também acredita que as autoras contemporâneas, muitas vezes, são mais reservadas sobre o sexo do que as escritoras do século 20.

"Existem escritoraspoker lmeados do século passado que realmente me servirampoker lformaçãopoker ltermospoker laté onde você pode ir, escrevendo sobre sexo explícito, como Mary McCarthy - existem alguns trechos incríveis sobre sexopoker l[seu livro] O Grupo", afirma Fishman.

Eve Babitz (1943-2021) é outra inspiração entre as escritoras - a própria narradorapoker lActs of Service recebeu o seu nome. E Emma Forrest é outra grande admiradora daquela escritora cultpoker lLos Angeles, nos Estados Unidos, mais conhecida por seus escritos sobre a vida naquela cidade nos anos 1960 e 70.

"O que adoropoker lEve Babitz é que ela enxerga o sexo como uma formapoker larte - que sexo muito bom é arte. Existe um fervor quase religioso por ela", afirma Forrest.

Para Deesha Philyaw, os melhores textos sobre sexo "apresentam mulheres que não se arrependempoker labraçar os seus desejos e buscar prazer, mesmo à custapoker loutras pessoas. O livropoker lToni Morrison, Sula, sempre será o padrão-ouro para mim neste sentido."

Para saber por que o sexo continua impressionando os leitores, ela indica o escritor Garth Greenwell, que editou uma coleçãopoker lcontos eróticospoker l2021, chamada Kink, e é reconhecido como um dos melhores escritores contemporâneos sobre sexo. Greenwell escreveu no jornal The Guardian: "o sexo é uma espéciepoker lcadinho da condição humana,poker lforma que a questão não é tanto por que alguém iria escrever sobre sexo, mas sim por que alguém escreveria sobre qualquer outra coisa".

E, se o sexo é uma formapoker lexplorar as grandes questões da humanidade e questionar nossa cultura, ele pode ser também bastante divertido para os escritores. "Quanto mais livres, subversivos e sem remorsos eram [meus personagens], mais eu me divertia escrevendo sobre eles", afirma Philyaw.

Então podemos esperar que a literatura mantenhapoker llibido? Philyaw certamente espera que sim. Para ela, "existe muito mais para explorar".

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