Análise: Hesitação dos EUA na Síria abriu caminho para extremistas na região:
- Author, Jonathan Marcus
- Role, AnalistaDefesa da BBC
Desde que os EUA desistiramrealizar ataques aéreos na Síria, um ano atrás, na sequênciaum ataque com gás sarin contra civis atribuído ao governo do presidente Bashar al Assad, o númeromortos no conflito dobrou, superando 191 mil.
Além do assustador custo humano, muitos acreditam que a relutância naquela ocasião teve também consequências geopolíticas para a região, permitindo o fortalecimentogrupos radicais que hoje desembocaram no autodenominado Estado Islâmico (EI).
Hoje, os EUA usam seu poderio aéreo para tentar mudar o equilíbrioforças na região - mas não na Síria, e sim no Iraque, considerado um Estado que se desmorona diante da ameaça dos grupos radicais islâmicos.
Uma das questões que se destacam é se a faltaação militar na Síria, um ano atrás, fomentou o caos regional a que assistimos hoje.
Hesitação na Síria
Um ano atrás os eventos na Síria ainda eram vistos como uma extensão da Primavera Árabe. Em outros países, líderes que ocupavam o poder havia anos tinham sido derrubados pela pressão popular. Na Síria, o presidente Bashar al-Assad estava determinado a manterposição.
As divisões na oposição síria jogaram a favorAssad e complicaram as dimensões regionais do conflito. Países sunitas, como a Arábia Saudita, apoiaram várias facções opositoras, enquanto o Irã apoiou o regimeAssad.
O Ocidente flertou com grupos opositores, mas a desunião deles e a faltaresolução das nações ocidentais impediram uma decisão sobre fornecer ou não armas a esses grupos.
Foi então que Assad aparentemente teria usado armas químicas contra seu próprio povo. Mesmo que o governo sírio não tenha assumido a autoria do ataque, nesta ocasião, diferentementeoutras vezes, as evidências eram fortes e exigiam uma reação. O presidente americano, Barack Obama, estava sob pressão para responder ao desrespeitouma "linha vermelha" que ele próprio estabelecera: o usoarmas químicas por parte do governo sírio contrapopulação civil.
Com se sabe, o ataque americano nunca ocorreu. O Parlamento britânico se opôs a uma ação conjunta com os EUA e enfraqueceu uma autorização semelhante que buscasse aprovação do Congresso americano para uma ação militar.
A alternativa diplomática, costurada entre Washington e Moscou com apoio da comunidade internacional, foi elaborar um plano conjunto para destruir os estoquesarmamentos químicos do governo sírio.
Foi um capítulo memorável na história do controlearmas. Mas não interrompeu o derramamentosangue no país.
A remoção do estoquearmas químicas da Síria foi,certa maneira, uma distração: agora, as atenções estavam voltadas unicamente para a questão das armas químicas.
Enquanto isso, grupos considerados pelo Ocidente como uma "oposição moderada" foram acossados por um novo e perigoso inimigo.
Jihadistas
Extremistas islâmicos ligados a um ramo da al-Qaeda tinham sido, por muito tempo, uma fontepreocupação no Ocidente.
A capacidade delescooptar islâmicos moderados e enfrentar combatentes apoiados pelo Ocidente foi um dos motivos citados para justificar a relutânciafornecer armamento ocidental a combatentes da oposição. Afinal, nas mãosquem esse armamento poderia acabar?
Os críticosObama - alguns dos quais defendiam o usoataques aéreos não apenas para punir, mas derrubar o regimeAssad – acreditavam que a Casa Branca tinha perdido uma oportunidade para mudar o equilíbrio militar na Síriauma vez por todas.
Em vezfortalecer a oposição moderada, eles argumentam, houve espaço para que os elementos mais radicais da oposição - os jihadistas - prosperassem. Esses grupos se expandiram e desembocaram no autoproclamado Estado Islâmico, que agora controla uma faixaterritório na Síria e no Iraque.
Muitos se perguntam por que os EUA atacam o Iraque e não atacaram a Síria. Para alguns, a resposta é fácil: petróleo.
É verdade que o Iraque, por muitas razões, é visto como um país com uma maior importância estratégica. Além disso, os EUA herdaram uma responsabilidade no país que invadiram2003.
Os EUA são um aliadolonga data dos curdos e receberam um pedido explícito para a intervenção do governoBagdá. A opiniãoWashington é aque não há uma ordem constitucional no Iraque.
É difícil prever o que teria acontecido na Síria se Obama tivesse mantidopromessarealizar ataques aéreos. Mas ficou claro que, sem impedir a desintegração da Síria, chegou-se a uma situaçãoque a integridade do Iraque também está sob ameaça.
O Estado extremista que hoje controla territórios nos dois países pode um dia exportarviolência para locais ainda mais distantes.