Os ‘super-heróis’ que estão salvando vinhosMadri:

Jiménez-Landi e García (Foto: Fernando Kallás/BBC Brasil)

Crédito, BBC Brasil

Legenda da foto, Jiménez-Landi e García criaram vinícola com o objetivoresgatar vinhos na SerraGredos, na Espanha
  • Author, Fernando Kallás
  • Role, De Madri, para a BBC Brasil

Comando G era um dos desenhos animados mais populares na Espanha durante os anos 80. Contava as aventurascinco jovens que defendiam a Terra das ameaças do espaço sideral.

Fãs da série, os enólogos Daniel Jiménez-Landi,36 anos, e Fernando García,34, cresceram sonhandolutar contra monstros. Hoje, usando o nome do seu desenho favorito, eles viraram uma espéciesuper-heróis da vida real.

Masvezproteger o planeta, eles têm uma missão muito diferente: salvar vinhedos históricos à beira da extinção e,quebra, produzir um dos melhores vinhos da Espanha, injetando vida nova na economia local por meiouma agricultura ecológica e sustentável.

Comando G é o nome da pequena vinícola criada por Jiménez-Landi e García2008, dedicada a resgatar vinhedos antigos na SerraGredos, a 75 quilômetrosMadri.

O projeto levou a uma valorização600% no preço do quilo da uva plantadauma região que, durante mais300 anos, entre os séculos 15 e 18, produziu os melhores vinhos que abasteciam a corte espanhola, mas que havia entradodecadência, perdido a tradiçãovinhosqualidade e quase viu a uva desaparecer.

"Calculamos que aproximadamente 90% das vinhasGredos foram destruídas. É um cenário desolador", lamenta Jiménez-Landi, apontando para o vale que um dia serviuinspiração para FranciscoGoya pintar La Vendimia, mas onde hoje não se vê uma parreira sequerquilômetrosantigas plantaçõesterraços.

Vinhas centenárias

Segundo o conselho regulador dos vinhosMadri, a região da SerraGredos chegou a colher cerca4 mil toneladasuvas no fim dos anos 70. Hoje não chega a 300 toneladas.

"A chegada da bolha especulativa imobiliária ao país nos anos 90 levou quase todos os agricultores da região a abandonar o campo para trabalhar na construção", explica Fernando García, ex-colegaLandi na faculdadeenologia.

Atraídos pelas histórias que ouviam das vinhasuva grenache centenárias egrande altitude, há cercadez anos os dois começaram a explorar a serra e voltaram a produzir vinhos finos na mesma região que era citadadiversas obrasMiguelCervantes pela qualidadeseus produtos. Mas que tinha perdido a tradiçãovinhosqualidade e produzia apenas vinhomesa para ser vendido a granel.

O segredo, segundo eles, está na formatratar a terra, respeitando a variedade autóctone e aplicando agricultura biodinâmica. Trabalham o campo sem fertilizantes, produtos químicos ou maquinaria, arando com a ajudaburros ou cavalos.

Na elaboração dos vinhos, utilizam uma técnica ancestralfermentaçãograndes barriscarvalho francês, sem qualquer aparelho mecânico ou adiçãoleveduras artificiais.

Aproveitam a grande altitude, com vinhedos entre 700 e 1.250 metros, o que proporciona frescor e finura ao vinho, mais próximo dos franceses da região da Borgonha do que das tradicionais Rioja e Ribera del Duero.

"Fazem um dos melhores vinhos da Espanhauma das regiões menos conhecidas do país", afirma a crítica britânica Jancis Robinson, conselheiravinhos da Rainha Elizabeth 2ª.

"São os enólogos mais vibrantes da Espanha e produzem vinhos deslumbrantes, verdadeiras estrelas", diz o americano Robert Parker, um dos especialistas mais influentes o mundo. O Guia Peñín, maior referência do ramo no país, define os vinhos como "excepcionais".

'Garotos do terroir'

Landi e García começaram uma verdadeira revolução no mundo do vinho espanhol. O movimento foi batizado pela imprensa especializada"Os Garotos do terroir" e já conta com maisuma centenajovens enólogos que decidiram abandonar a tecnologia e os padrões industriais para buscar vinhos artesanais nos quatro cantos do país.

Mas foi na própria região da SerraGredos que seu impacto foi mais sentido. Graças ao seu trabalho, já existem 15 novas vinícolas e o preço das terras e do quilo da uva vendido se valorizoumais600%. O sucesso levou muitos dos habitantes locais a voltar a se dedicar ao campo, seguindo a mesma filosofiaagricultura ecológica e sustentável do Comando G.

"As cooperativas da região pagam apenas 0,20 euro pelo quilo da uva enquanto os novos enólogos pagam quase 1,50 euro", explica Jesus Prieto,56 anos, um dos poucos negociantesuvasGredos que sobreviveu aos temposvacas magras.

"Vivemos uma épocadesemprego altíssimo e a viticultura passou a ser uma alternativa viávelsobrevivência para os jovens daqui que não tinham trabalho", conta.

Aos poucos, as antigas paisagens retratadas por Goya e Cervantes vão voltando a ser vistaspequenas amostras. Vinhedos que florescemterra fértil, cheiosvida eesperança para os moradores da região.