Debate sobre controle da internet ainda procura solução global:
- Author, Pablo Uchoa
- Role, Da BBC BrasilWashington
É um debate no qual as partes interessadas não sabem exatamente o que querem, mas sim o que não querem.
A interrogaçãocomo gerenciar a internet – e quem deve fazê-lo – ganhou corpo após as revelaçõesespionagem na rede vazadas por Edward Snowden, ex-funcionário da AgênciaSegurança Nacional americana (NSA, na siglainglês).
Mas até agora, mais propostas foram rejeitadas do que bem recebidas, indicando a complexidade dos interesses envolvidosum debate que está sendo impulsionadoparte pelo Brasil.
Em uma discussão promovida pelo centroestudos Wilson Center,Washington, um painelespecialistas trouxe à tona a variedadequestões presentes na discussão.
É possível conciliar a tarefa dos governospatrulhar a redebuscapotenciais terroristas com as liberdades fundamentais e o direito à privacidade das sociedades ocidentais?
E como evitar um confronto"soberanias" – como disse a presidente Dilma Rousseffseu discurso na ONU, referindo-se à espionagem americana sobre outros governos, inclusive o seu – sem causar uma fragmentação da rede, ou "balcanização", como dizem os especialistas?
As questões têm levado a soluções nacionais – o marco civil da internet no Brasil, por exemplo, que está prestes a ser analisado na Câmara dos Deputados – mas,nível global, as interrogações permanecem sem resposta, à esperapropostas que consigam fazer convergir interesses tão distintos.
Solução brasileira
"Ainda não há nenhuma proposta concreta sendo discutida", disse o conselheiro da corporação americana encarregadaatribuir domínios, o ICANN, Jamie Hedlund.
Falando à BBC Brasil após o evento, ele disse que "uma formafazer isso seria chegando a um modelopolítica nacional que possa ser implementadotodos os países".
Até o episódio envolvendo a NSA, os EUA podiam sem grande polêmica ser considerados um exemplo neste tipodiscussão.
A legislação americanaprivacidade no setortelecomunicações data dos anosque procurou-se evitar a repetição dos excessos cometidos pelos serviçosinteligência do governo durante o governo do ex-presidente Richard Nixon (1969-1974).
Mas a polêmica da NSA erodiu a liderança no tema – opinião comum entre analistas americanos –, e a internet coloca na equação uma realidade que ultrapassa fronteiras, requerendo ações mais coordenadasnível internacional.
Voz ativa na discussão, a presidente Dilma Rousseff não esconde que pretende fazer do marco civil da internet brasileiro uma inspiração para um arranjo semelhante que gerencie o funcionamento da rede no mundo.
Entre os pontos incluídos no projetomarco civil da internet estão a garantianeutralidade da rede – ou seja, que todos os dados da internet possam ser acessados sem distinçãoconteúdo -, a garantiaprivacidade dos usuários, salvaguardas aos dados pessoais dos internautas e uma regulamentação estabelecendoque situações conteúdo pode ser retirado da rede.
Dilma anunciou uma conferência no Brasilabril do ano que vem com o intuitopromover discussões para chegar a uma internet "aberta, democrática e participativa".
“Defendemos (…) que haja marco civil multilateral para governança e uso da internet. Isso implicaria numa discussão sobre a proteção dos dados da internet para impedir que qualquer movimentaçãocombate ao terrorismo (…) seja usada como álibi para guerra cibernética”, disse a presidente nesta quinta-feiraentrevista à rádio Itatiaia.
A linha será defendida pelo ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, durante o Fórum InternacionalGovernança da Internet (IGF), uma iniciativa da ONU cuja reunião anual está ocorrendoBali, na Indonésia, até o fim desta semana.
Polêmica
Entretanto, um ponto na proposta do governo que estátramitação no Congresso Nacional, com o objetivogarantir essa proteçãodados, está sendo acusadoir contra esse intuito: a cláusula que obrigaria empresastelecomunicações a manter no Brasil as informaçõescidadãos brasileiros.
A ideia gerou oposiçãocerca50 organizações e associações empresariais que enviaram uma carta ao CongressoBrasília, alertando que a iniciativa, se aprovada, teria "consequências indesejadas" como menor segurança dos dados, maior custo para empresas e consumidores brasileiros e menor competitividade para a economia do país.
"Arquivos envolvendo brasileiros, por essa lei do marco civil da internet, estarão no Brasil e não mais nos Estados Unidos, como ocorre hoje", disse Dilma à Itatiaia. "Eu tenho a certeza e a convicção que a grande maioria dos países democráticos vai procurar participar desse processo (…) que envolve, obviamente, os marcos civis da internet locais, mas exige também uma 'engenharia' da internet internacional que permita que a gente garanta esse espaço democrático para todos os cidadãos do mundo."
Durante o eventoWashington, um dos mentores do marco civil, o especialista Ronaldo Lemos, disse que a ideiaincluir a nacionalizaçãocentrosdados na legislação não partiu da sociedade civil e sim"setores" do governo brasileiro após os escândalosespionagem.
Lemos questionou os efeitos da medida sobre a eficiência dos serviçosinternet no Brasil, lembrando que a infraestrutura brasileira já enfrenta gargalos, por exemplo, no campoenergia.
Ecoando a queixa, o sócio da consultoria Prospectiva, Ricardo Sennes, avaliou que a proposta enfrenta resistências mesmo dentro da sociedade brasileira.
E todos os especialistas concordaram que outro perigo da proposta, mais além da dificuldade técnica, tem a ver com a possibilidadeoutros países seguirem o exemplo, gerando uma espécie"efeito dominó" e culminando na chamada "balcanização" da internet.
O termo invoca a fragmentação do espaço virtual até hoje considerado fluido – e percebido como tal –, e asubstituição por um maior controle da internet por parte dos Estados nacionais.
Estados x Estados
Uma propostacontrolar a internetinstâncias como a ONU, vista com simpatia pelo governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, recebeu o apoionações como China e Rússia, mais conhecidas pela censura à internet que o respeito à liberdadeexpressão.
Um modelo nesta linha possivelmente aumentaria os instrumentos dos governos para evitar açõesespionagemoutros governos. Mas entidadesdireitos civis alertam quevezliberar a rede dos Estados nacionais, a proposta criaria ainda mais vigilância.
Na linha atual defendida pelo governo Dilma, o controle estatal deu lugar no discurso à governança multilateral e sobretudo "participativa", com a inclusãovozes da sociedade entre as partes interessadas.
Mesmo que uma proposta global para a internet ainda seja uma realidade distante, Jamie Hedlund, do ICANN, acredita que a discussão foi apenas acelerada pelas revelaçõesSnowden.
"Se surge um problema envolvendo a internet agora, quem devo chamar?", ilustrou o executivo. "Essa já era uma preocupação antesSnowden."