Fed frustra mercado e mantém programaestímulos monetários:

Dolares americanos (Foto Getty Image)
Legenda da foto, Nos últimos anos, política do Fed inundou emergentes com capital financeiro
  • Author, Ruth Costas
  • Role, Da BBC BrasilSão Paulo

O anúncio do Banco Central americano (Federal Reserve, ou Fed)que irá manter seu programaestímulos monetáriosUS$ 85 bilhões mensais contrariou as expectativas do mercado.

Analistas esperavam que o banco anunciasse nesta quarta-feira, após uma reuniãodois dias, uma reduçãoUS$ 10 a 20 bilhões no programa, adotado pelo paísresposta à crise financeira iniciada2008.

O Fed também manteve os juros básicos dos Estados Unidos entre zero e 0,25%.

Em comunicado, justificou as decisões dizendo que precisamais evidênciasque o progresso (da economia americana) é "sustentável" e defendendo que o quadro do mercadotrabalho nos EUA ainda não é satisfatório.

Nos últimos meses, a simples sinalizaçãoque os Estados Unidos poderiam começar a cortar tal programaincentivos provocou um turbilhão financeiroeconomias por todo o globo.

Uma desvalorização20% do real brasileiro foigrande parte atribuída a tal sinalização. Os capitais financeiros que até agora inundavam mercados emergentes começaram a voltar para os Estados Unidos, provocando uma queda no valor das moedas desses emergentes, no que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, definiu como uma "mini crise".

Agora, com a decisãoadiar os cortes, analistas preveem reacomodações no mercado e no valor das moedaspaíses emergentes.

Logo após o anúncio do Fed, o dólar comercial começou a cairrelação ao real e o Ibovespa, principal índice da bolsavaloresSão Paulo, fechoualta2,64%.

"Trata-seuma decisão bem-vinda para os emergentes", diz Tony Volpon, economista-chefe para América Latina do banco japonês Nomura.

"Podemos esperar uma trégua da pressão externa e prazos mais longos para que o Banco Central do Brasil possa preparar o país para o fim do programaestímulos dos Estados Unidos."

A BBC preparou uma sérieperguntas e respostas para elucidar o que, afinal, estavajogo na reunião do Fed desta semana e o que ela pode significar para o Brasil.

Como funciona o programaestímulos monetários do Fed e por que ele foi implementado?

No geral, os Bancos Centrais costumam estimular investimentos e consumo cortando as taxas básicasjuros da economia.

Depois da falência do Banco Lehman Brothers,setembro2008, os juros americanosfato caíram2% para 0,25%. A partir daí, porém, havia pouca margemmanobra para cortar mais, e a expectativa era que novas reduções tivessem pouco efeito.

O Fed, então, decidiu impulsionar a economia ampliando diretamente a quantidadedinheiro disponível para empréstimos, investimentos e consumo (o que pode ser feito tanto pela impressãocédulas, quanto pela ampliação da base monetária por via eletrônica).

A estratégia, conhecida como afrouxamento quantitativo (em inglês, Quantitative Easing), incluiu, no caso dos Estados Unidos, a injeçãonovos recursos na economia por meio da compratítulos do tesouro epapéis lastreadoshipotecas, até então nas mãosinstituições financeiras.

Estratégias para reativar economias cambaleantes com a expansãosua base monetária foram usadasoutros países no passado, nem sempre com sucesso. No pós-Primeira Guerra, por exemplo, o governo alemão lançou mãoum farto programaimpressãomoeda para custear seus gastos e dívidas e acabou mergulhando o país numa hiperinflação. Algo semelhante, ainda quemenor escala, ocorreu no Brasil nos anos 80 e 90.

De acordo com os defensores da prática nos Estados Unidos, porém, o afrouxamento quantitativo "moderno" teria mais sucesso porque os recursos seriam usados para comprar títulos jácirculação no mercado, a expansão da base monetária seria feita com mais parcimônia e o principal risco era odeflação, não inflação.

De fato, desde 2008, o Fed já realizou três rodadasafrouxamento quantitativo e, embora haja divergências sobre até que ponto se pode falaruma recuperação sustentável, ao menos as previsõesum grande fracasso não parecem ter se confirmado.

A expectativa é que, quando o programa termine, tenha injetado maisUS$ 1 trilhão na economia americana. Atualmente, os aportes sãoUS$ 85 bilhões por mês por meio da compraUS$ 45 bilhõestítulos do tesouro e US$ 40 bilhõestítulos do mercado imobiliário.

Quais foram seus efeitos sobre os países emergentes, como o Brasil?

Com o aumento da quantidadedólarescirculação e os títulos americanos pagando tão pouco, parte dos recursos injetados na economia americana acabaram sendo investidospaíses emergentes,papéismaior risco e rentabilidade.

Protesto pede mais empregos nos EUA
Legenda da foto, O mercadotrabalho estaria respondendo aos estímulos dos últimos anos

Tal movimento, definido pela presidente Dilma Rousseff como um "tsunami monetário", provocou nos últimos anos uma valorização das moedaspaíses como Brasil, Índia, Indonésia e México, bem como um aumento do fluxocapitais para tais países.

Com a apreciação cambial, as importações se tornaram mais baratas, mascompensação seus exportadores também perderam competitividade.

No Brasil, o que alguns classificaram como uma "sobrevalorização do real" se tornou uma das principais reclamações da indústria, por exemplo.

O que era esperado para a reunião desta quarta?

O presidente do Fed, Ben Bernanke, dissejunho que o banco poderia começar a reduziraquisiçãotítulos.

A expectativa do mercado era que a compra fosse reduzida dos atuais US$ 85 bilhões mensais para algo entre US$ 75 bilhões e US$ 65 bilhões.

Segundo Bernanke, o programaestímulos pode ser interrompido definitivamentemeados2014, desde que haja uma retomada firme do crescimento dos Estados Unidos e a taxadesocupação no país chegue a 7%.

Quanto à taxa básicajuros, a expectativa eraque um aumento para acima dos atuais 0,25% ao ano só deveria ocorreruma reunião futura do Fed.

Em dezembro, o Banco Central americano informou que espera manter a taxa no atual patamar pelo menos até que o desemprego caia a 6,5% - desde que a inflação se mantenha na meta.

Por que havia a expectativaque o Fed começasse a reduzir o afrouxamento quantitativo agora?

No último trimestre, o PIB americano cresceu 2,5% - taxa considerada alta para os países desenvolvidos afetados pela crise.

Além disso, no mês passado o índicedesemprego no país ficou7,3%, uma queda considerávelrelação aos 8,1% do mesmo período2012.

Há um amplo debate sobre a solidez desses avanços, principalmente no mercadotrabalho. Para alguns analistas, a taxa pode ter caído porque muitas pessoas simplesmente desistiramprocurar emprego, por exemplo.

Efunção desses debates, surpresas não estavam descartadas para a reunião do Fed.

Segundo Luiz Carlos MendonçaBarros, sócio da gestora Quest Investimentos, que já foi presidente do BNDES e diretor do Banco Central do Brasil, um início da redução do afrouxamento quantitativo representaria o "início do fim da crise financeira global que começou2008."

Antônio Madeira, economista da LCA consultores, ressalta que o programa foi um tratamento usado para recuperar a economia dos Estados Unidos - então uma redução da medicação seria um sinalque o paciente estaria se recuperando.

Ao decidir esperar para começar a cortarinjeçãodólares no mercado, a autoridade monetária dos EUA mostrou não estar convencida aindaque os atuais indicadores seriam garantiauma recuperação "sustentável".

Como a decisãomanter o programa afeta o Brasil?

Com o início dos cortes do Fed adiado, no curto prazo pode haver uma revalorização ainda que parcial do real emoedasoutros emergentes. As pressões por uma alta dos juros também tendem a arrefecer.

"Teremos menos pressão sobre a inflação, e o Banco Central brasileiro deve ter um prazo mais longo para fazer ajustes", diz Volpon.

Por outro lado, como ainda espera-se que o programaestímulos monetários do Fed seja reduzido até 2014, no médio prazo há certo consensoque os mercados emergentes terãolidar com uma realidademaior aperto financeiro e juros mais elevados.

"O períodoque havia grande liquidez no mercado e investidores corriam para países emergentesbuscarendimentos mais robustosfato parece ter chegado ao fim", afirma MendonçaBarros.