Espanhacrise questiona gastos milionários no futebol:

Gareth Bale | Foto: PA (arquivo)
Legenda da foto, Jogador Gareth Bale protagonizou transferência mais cara da história do futebol (arquivo)
  • Author, Liana Aguiar
  • Role, De Barcelona para a BBC Brasil

Mesmo mergulhadaprofunda crise econômica, a Espanha é a recordista deste anocompra e vendajogadoresfutebol, segundo o Football Transfer Review 2014, estudo feito pela consultoria esportiva Prime Time Sport e divulgado recentemente.

De acordo com o estudo, os clubes da La Liga, como é conhecida a primeira divisão do campeonato espanhol, triplicaram o investimentocontrataçõesjogadores (388 milhõeseuros, ou R$ 1,1 bilhão)relação à temporada passada e bateram o recorde históricovendas (480 milhõeseuros, ou R$ 1,4 bilhão).

Essas cifras foram atingidas graças, principalmente, à contratação do jogador galês Gareth Bale pelo Real Madri, comprado do clube inglês Tottenham Hotspur por 101 milhõeseuros (R$ 305 milhões) — a transferência mais cara da história do futebol.

Há cinco anos o Real Madri se mantém no topo da lista tantocompra comovendajogadores. É o clube que, nesse período, mais gastou (611 milhõeseuros) e mais arrecadou com vendajogadores (260 milhõeseuros).

Depoisdois anos"pouco investimento" (55 milhõeseuros na temporada 2011/2012, e 30 milhõeseuros na temporada 2012/2013), triplicou os gastos neste mercadoverão da Europa, desembolsando 183 milhõeseuros.

O Real Madri realizou cinco das dez contratações mais caras da história da Europa — Bale, Cristiano Ronaldo, Zidane, Kaká e Figo.

Contradição

Ao apresentar o estudo, Jaime Castelló, professor do departamentomarketing da EscolaNegócios Esade,Madri, ressaltou a "grande contradição entre o recorde histórico batido nesta temporada e a atual situaçãocrise econômica ocidental".

Castelló explicou que o grande paradoxo do futebol espanhol, que cresce e bate recordesplena épocarecessão econômica, se dá porque a economia desse esporte é um fenômeno global.

"O que alimenta esse fenômeno são os fundosinvestimento globais e os contratos com emissorastelevisãomercadoscrescimento, como a Ásia", disse à BBC Brasil.

As altas cifras do negócio geraram críticas dentro e fora da Espanha, quejulho registrou uma taxadesemprego26,9%, segundo os dados divulgados pela Eurostat, agênciaestatísticas da União Europeia (UE).

De acordo com o órgão da UE, o país tem ainda a segunda pior taxadesemprego entre os jovens (56,1%)toda a Europa, atrás apenas da Grécia.

Para o tabloide alemão Bild, é "absurda, perversa e sem medida" a contrataçãoum jovem24 anos por 101 milhõeseuros (R$ 305 milhões) num país com esse níveldesemprego juvenil.

Para a redetelevisão americana CNN, a contratação mostrou que "o Real Madri não conhece a austeridade".

Muitos também questionaram os meandros financeiros da transação que permitiu a contratação do jogador. Segundo Derk Jan Eppink, membro das comissõesOrçamento e Monetária e Econômica do Parlamento Europeu, a operação foi financiada pelo Bankia, banco salvo da falência2012 pelo governo espanhol e nacionalizada após ter sido resgatada com recursos da União Europeia. "O contribuinte europeu é quem pagará pelo acordo", disse Eppink.

O clube negou à imprensa espanhola que tenha solicitado o empréstimo.

Bofetada

O economista José María GayLiébana, professor da UniversidadeBarcelona e um dos maiores conhecedores da situação econômica dos clubesfutebol, diz que, para contratar Bale, o Real Madri conseguiu a garantiaquatro bancos espanhóis,uma épocaque o crédito está restrito na Espanha.

Liébana disse à BBC Brasil que Bale custou mais do que o faturamento14 clubes do campeonato espanhol, e quecontratação não foi "moralmente correta".

"Como cidadãoum país que vive uma situaçãocrise, acho que contratar um jogador por 100 milhõeseuros é uma bofetada na sociedade", disse à BBC Brasil.

A receitamerchandising somada à divisão dos direitostransmissãojogos, a mais desigual da Europa, distancia o Real Madri e o Barcelona dos demais times da Espanha.

Os clubes da Liga acumulam, segundo o jornal El País, uma dívida3,6 bilhõeseuros (R$ 10,8 bilhões), dos quais 752 milhões (R$ 2,2 bilhões) são com o fisco.

"Se a administração não fosse tolerante com seus devedores, muitos clubes quebrariam. Não seria o caso dos dois grandes, Barcelona e Real Madri, mas os afetaria porque, se a bolha estoura, não teriam a quem golear", diz o jornal.