Sensação'mal-estar' social contribui para protestos:
- Author, Luís Guilherme Barrucho
- Role, Da BBC BrasilSão Paulo
A ondaprotestos realizadainúmeras cidades brasileiras na semana passada é motivada por uma sensação"mal-estar coletivo", compartilhadaespecial pela juventude das grandes cidades.
Na opinião da maioria dos especialistas ouvidos pela BBC Brasil, o fenômeno é mais social do que político e concentra-se nas regiões metropolitanas, onde as sucessivas políticas públicas executadas por governantes locais teriam deixadoatender aos principais anseios da população, sobretudo os mais jovens.
Eles, no entanto, refutaram uma comparação com a chamada Primavera Árabe, a ondaprotestos ocorrida no Oriente Médio, que resultou na derrubadaregimes autoritários.
Na semana passada, manifestantes tomaram as ruaspelo menos seis cidades brasileiras para protestar contra o aumento das tarifas do transporte público. Em São Paulo, na quinta-feira, a polícia reprimiu uma passeata e acabou ferindo várias pessoas, incluindo jornalistas.
No sábado e domingo, novos protestos voltaram a ocupar o noticiário nacional, dessa vez nas imediações dos estádiosBrasília (Mané Garrincha) e RioJaneiro (Maracanã) onde foram realizados os primeiros jogos da Copa das Confederações.
Novas manifestações foram marcadas para esta segunda-feira.
Motivações
Em suas interpretações sobre as causas dos protestos, sociólogos e cientistas políticos destacam a insatisfação dos jovens com a administração pública e com as condiçõesvida nas grandes cidades.
"Existe uma espéciemal-estar difuso, sem um foco claro. Há uma espécieressentimento e frustraçãoordem social, alimentados por um estilogestão que não oferece diálogo à população", afirmou à BBC Brasil o sociólogo Gabriel Cohn, ex-diretor da FaculdadeFilosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP).
Cohn, porém, acredita que esse mal-estar também reflete "uma insegurança dos jovensrelação a seu futuro. Nos últimos anos, o Brasil passou por profundas transformações, o que gerou fortes expectativas dessa camada social, e há uma ansiedade justificada por parte deles se isso vai se sustentar ou avançar nos próximos anos", acrescentou.
Para o sociólogo Aldo Fornazieri, diretor acadêmico da Fundação EscolaSociologia e PolíticaSão Paulo (FESPSP), os protestos são uma crítica à mobilidade urbana, sobretudo por parte dos jovens, que se ressentem da faltarepresentatividade nas diferentes esferasadministração pública.
"As manifestações refletem uma insatisfação sobre o modo sufocanteviver nas grandes cidades, cada vez mais hostis à populaçãogeral. Isso cria uma espécieuma anomalia social, uma sensaçãonão pertencimento. Para piorar, o poder público não está conseguindo garantir qualidadevida aos moradores dos grandes centros urbanos", disse Fornazieri, que diz conhecer alguns dos líderes do MPL, aos quais deu aulas.
"A principal bandeira é o transporte público porque o jovem ─ especialmente oclasse média baixa ─ que muitas vezes precisa trabalhar e estudar, é o mais afetado por tudo isso. Essa situação gera uma angústia na juventude, que não se vê representada nem nos sindicatos nem nas associações estudantis, pois estes estão relativamente acomodadossuas conquistas", acrescentou.
A socióloga Angela Maria Araújo, da Unicamp, concordaparte. Ela vê as manifestação como um protesto dos jovens contra a gestão da cidade e à faltaperspectivas geradas por uma educação deficiente.
Para ela, o movimento está principalmente relacionado "a um descontentamento dessa parcela da população mais jovem com as condiçõesque vivem nos grandes centros urbanos. O transporte épéssima qualidade e o trânsito, caótico", disse.
"Além disso, as escolas não dão resposta às expectativas desses jovens", acrescentou.
Já o cientista político Ricardo Ismael, da PUC-Rio, define o protesto como "um movimento social urbano vinculado à qualidade do transporte público".
"É um fenômeno restrito às regiões metropolitanas que revela uma insatisfaçãorelação aos governantes, que deixaramlado as políticas públicas para a melhoria desse setor."
Na avaliação do sociólogo Bolívar Lamounier, os protestos foram incentivados,parte, por uma "impaciência com a corrupção e com a inflação".
Reação da polícia
De acordo com os analistas, a reação da polícia às manifestações, especialmenteSão Paulo, acabou por dar musculatura à mobilização popular, atraindo novos adeptos e também novas causas.
"Inicialmente, os manifestantes protestaram contra o aumento da tarifa dos transportes públicos. Naquela ocasião, nem todos apoiavam a causa. Mas, por causa da truculência da polícia, o movimento ganhou simpatizantes, que se solidarizaram às suas causas e também passaram a reivindicar outras propostas", afirmou Ismael, da PUC-Rio.
"Há um sentimentoreivindicação legítima, e a maneira como o governo vem tratando a questão não é a mais adequada no ambiente democrático", acrescentou.
"Apesarnão vivermosum regime autoritário, vemos o avanço realforças truculentamente conservadoras na sociedade", afirmou Cohn, da USP.
Primavera Árabe?
Embora admitam que a convocação dos protestos por meio das redes sociais é similar ao da Primavera Árabe, os especialistas descartaram uma semelhança mais profunda com a ondaprotestos que varreu o Oriente Médio e, mais recentemente, a Turquia.
"Diferentemente da Primavera Árabe, as manifestações aqui não são contra o governo instalado", disse Araújo, da Unicamp.
"Eles não querem derrubar o governante, mas serem ouvidos, ou seja, que a política pública exista através do diálogo", defende Ismael, da PUC-Rio.
Entretanto, os analistas ouvidos pela BBC Brasil têm visões diferentes sobre a vocação política das manifestações.
Falando sobre os protestos ocorridosSão Paulo, Cohn diz que não vê insatisfação política pois, emopinião, os manifestantes não advogam "grandes causas".
"Quem é o objeto das manifestações?", questiona. "O movimento é fraco politicamente porque é muito reativo, pois não propõe ou defende questões reais. Trata-se apenasum estímulo para reagir e correr para a rua. Uma ação propositiva faria mais sentido", afirmou.
Ismael, da PUC-Rio, discorda. Para ele, existe um descontentamento "político" pela crítica aos governantes.
"Não é porque as manifestações não pediram a renúnciaum determinado governante que não existe vocação política por trás dessas mobilizações populares", afirmou.
"Eu diria até que foi esse apartidarismo que vem unindo mais e mais manifestantes. Caso contrário, se fizesse escolhas políticas, o movimento certamente perderia força", avaliou.
Já Bolívar Lamounier diz acreditar que,São Paulo, o protesto foi insuflado por "grupos trotskistas" e que tem como alvo o governador do Estado, Geraldo Alckmin.