'A casa é o lugar onde nasce a maioria dos monstros do mundo':apostar league of legends
Martha se vê confrontada com uma Venezuela atual (embora atemporal) da qual ela tem lembranças, mas à qual não pertence mais. É uma jornada na qual ela também precisa enfrentar os monstros do passado.
A BBC News Mundo, serviçoapostar league of legendsespanhol da BBC, conversou com a autora do livro durante a divulgação do Hay Festival Arequipa, evento realizado entre 3 e 6apostar league of legendsnovembro na cidade peruana.
apostar league of legends BBC News Mundo - A ideia desse romance já rondava aapostar league of legendscabeça havia tempo, certo?
apostar league of legends Kathy Serrano - Escrevi o primeiro capítuloapostar league of legends2018,apostar league of legendsum voo para o Equador, mas sem dúvidas há algo que vemapostar league of legendstoda a vida.
Eu tenho um irmão violento. E quando cheguei a Caracas escrevi uma peçaapostar league of legendsteatro sobre a relaçãoapostar league of legendsuma mulher com um irmão com essas características.
Logo começou a obsessão com o tema do retorno. Escrevi sobre isso, mas minha casa foi assaltada e perdi tudo o que havia escrito. Tenho cinco contos que não acredito que publicarei.
Há cinco anos me dedico somente a escrever e,apostar league of legendsnovo, surgiu essa obsessão do retorno, com a ideia do caminho percorrido, da infância.
E esclareço: não é uma autobiografia, só por precaução. Eu não me apaixonei pelo meu irmão (risos).
apostar league of legends BBC News Mundo - Ainda assim, há muitas semelhanças entre a protagonista, Martha, e você. Ambas saemapostar league of legendscasa cedo, a questão do irmão violento, ambas acabam morandoapostar league of legendsLima e não voltam para a Venezuela, inclusive evitam isso. O que há da Marthaapostar league of legendsvocê e vice-versa?
apostar league of legends Serrano - Há muito. Às vezes eu sinto que definitivamente nos apegamos às coisas que vivemos. Como artistas, pegamos as coisas que nos marcaram, que nos quebraram.
Lar, infância e família permanecem emapostar league of legendsalma,apostar league of legendsseu corpo. São eles que nos nutrem, nos quebram e nos deixam cicatrizes.
Há muitas coisas que absorviapostar league of legendsmim para criar Martha. Não é muito comum que aos 16 anos você vá morar sozinhoapostar league of legendsuma cidade como Caracas. Sou migrante desde os 16 anos e isso marcou meu jeitoapostar league of legendsser, minha alma.
Conheço a violência desde criança e vi e vivenciei coisas fortes e não só minhas, masapostar league of legendsoutras pessoas. Vi a violência refletidaapostar league of legendsoutras famílias,apostar league of legendsoutras mulheres,apostar league of legendsamigas.
Porapostar league of legendsvez, Martha tem coisas que eu gostariaapostar league of legendster. Como conhecer a fotografia ou o tipoapostar league of legendsforça interior que você tem. Ela vemapostar league of legendsmeus próprios medos e minhas próprias experiências.
apostar league of legends BBC News Mundo - Em 2012 você iria dirigir uma peçaapostar league of legendsum dramaturgo peruano. É curioso, porque também tinha a palavra "sangue" no título.
apostar league of legends Serrano - Nessa época, havia 10 anos que eu não voltava à Venezuela.
Quando termineiapostar league of legendsler a obra, sem falar com ninguém, me levantei da cama, coloquei um moletom esportivo e fui a uma agênciaapostar league of legendsum shopping e comprei uma passagem para a Venezuela.
Além do irmão que, infelizmente, é violento, tenho outro que me adora. E pedi que ele me acompanhasse no meu périplo à minha cidade natal.
Eu precisava ir, voltar e enfrentar. Nãoapostar league of legendsum planoapostar league of legendsraiva, mas com a minha vulnerabilidade, com as lembranças agradáveis e as desagradáveis. Confrontar essas recordações para poder chegar mais leve ao Peru.
Foi uma jornadaapostar league of legendsfazer as pazes internamente com uma sérieapostar league of legendsmemórias e coisas que nos tocam. Agora falam mais sobre a violência contra as mulheres, mas essa violência sempre existiu.
apostar league of legends BBC News Mundo - O romance é envoltoapostar league of legendsviolência, não somente física, mas uma ampla e sutil gamaapostar league of legendsviolência.
apostar league of legends Serrano - Me interessa como ser humano e como artista tocar no tema da violência, que me obceca. Falar sobre ela e torná-la visível. É transversal à nossa existência, como mulheres e também para as crianças.
Me interessava falar desse espaço fechado que é a casa, que é a família. Desde que me lembro, dizem que ela é a base da sociedade, o lugarapostar league of legendsque deveria estar absolutamente seguro, onde não deveria acontecer nada que possa prejudicá-lo fisicamente ou psicologicamente.
Mas acredito que esse é o lugar onde nasce a grande maioria dos monstrosapostar league of legendstodo o mundo.
Pense, reflita, compartilhe. Vamos falar sobre essa violência.
apostar league of legends BBC News Mundo - No livro também aparece a violência contra o migrante, não só pelo paísapostar league of legendsacolhimento, mas também pelos compatriotas que permanecem no país natal...
apostar league of legends Serrano - A minha migração foi diferente dos meus compatriotas, mas vivi a faltaapostar league of legendsemprego ouapostar league of legendsespaço por ser estrangeira. É algo dissimulado e você descobre depois, mas acontece.
Você decide ficarapostar league of legendsum país, mas nunca vai pertencer a ele porque não nasceu ali.
Mas quando você volta, como eu fiz na Venezuelaapostar league of legends2012, te dizem coisas como "você não é mais daqui, você não esteve na família". Isso foi o que uma irmã me disse. Você não é mais.
Outras pessoas me dizem que já não falo mais, não me mexo, não me visto como uma venezuelana. E há outra sensação, uma que não tem palavras, na qual sentia que não havia lugar pra mim, que não te mostram esse lugar. Cheguei a sentir medo do país.
Amo a Venezuela e amo o Peru, mas sinto que não sou exatamenteapostar league of legendsnenhum dos lados.
É um não pertencer doloroso, não poder se sentir totalmente aceitaapostar league of legendsnenhum dos lados. É um não ser.
Então, a Venezuela veioapostar league of legendsmim e me dei contaapostar league of legendsque por anos havia reprimido a minha 'venezuelanidade' para me adaptar ao lugar onde estava vivendo. Agora estou deixando fluir.
apostar league of legends BBC News Mundo - Martha passa por um processo curioso com as palavras. Ela esquece como algumas coisas são ditas na Venezuela e diz à maneira do Peru. Palavras, são esquecidas e colocadasapostar league of legendsum canto para não se lembrar ou sobreviver no novo lugar?
apostar league of legends Serrano - Acho que são as duas coisas. Há muitas coisas que esqueci como mecanismoapostar league of legendsdefesa. Esquecer é uma formaapostar league of legendssobrevivência.
Por exemplo, deixei escapar um "estoy arrecha" (estou com raiva) e no Peru isso significa outra coisa (estou excitada). As pessoas me olhavam surpresas. Quando cheguei a Limaapostar league of legends1994, quase não havia venezuelanos. Lima era outra. Agora que as coisas mudaram.
São palavras, tonsapostar league of legendsvoz, modoapostar league of legendsfalar. Nós, venezuelanos, falamos mais diretamente, frontalmente. No Peru é diferente e eu também modifiquei isso. Você tem que se adaptar.
Eu fui adormecendo a minha identidade venezuelana.
Não sei se era para me encaixar ou por preferir assim, para imitar (os peruanos) para sobreviver.
apostar league of legends BBC News Mundo - Mas você diz que logo a "Venezuela caiuapostar league of legendscima"...
apostar league of legends Serrano - Quando acontece na Venezuela (a crise dos últimos anos) começo a sentir no peito que algo racha, quebra.
Falava com a minha família e dizia para eles o que havia visto e vivido quando estudava na União Soviética e me diziam que não, que algo assim não aconteceria.
Então as pessoas logo começaram a migrar e caminhar por estradas, pessoas com seus filhos nos braços... Tudo foi extremamente doloroso pra mim. E me vi confrontada comigo mesma quando chegaram a Lima.
É como se rompesse um ovo e dentro dele saísse uma borboleta colorida.
A Venezuela caiuapostar league of legendscimaapostar league of legendsmim para que a minha 'venezuelanidade' voltasse à tona, fosse mais livre. Sou uma peruana que nasceu na Venezuela. É doloroso.
apostar league of legends BBC News Mundo - Há uma cena,apostar league of legendsuma cafeteriaapostar league of legendsCaracas,apostar league of legendsque tudo é incrível. Até que uma simples pergunta desencadeia demôniosapostar league of legendstodo o mundo.
apostar league of legends Serrano - Eu queria que uma palavra explodisse tudo. É o que está embaixo e há camadas e camadas.
Por trás da alegria, do belo e do incrível está a dor, a tragédia. E, o fatoapostar league of legendssermos assim,apostar league of legends"ficaremos bemapostar league of legendstodas as maneiras", perpetuou essa situação por tantos anos.
Isso pinta um retrato exaustivo da Venezuela, bastante detalhado para quem a conhece, com luzes e sombras.
Mas nos colocaapostar league of legendsum tempo indeterminado, não sabemos o ano, quem governa.
Eu não estava com vontadeapostar league of legendscontar isso, esse é outro romance no qual eu teria que me trancar, estudar e ser muito meticulosa.
O que mostro é uma Venezuela híbrida. Estou mais interessada na sutileza.
apostar league of legends BBC News Mundo - A mãe e a avóapostar league of legendsMartha são colombianas. Em um ponto do livro, reflete-se a rejeição da migração colombiana pelos venezuelanos...
apostar league of legends Serrano - Isso tem a ver com a minha família. Minha avó, mãe e bisavó eram colombianas. Elas eram muito pobres e chegaram à Venezuela caminhando. Queria usar isso (no livro).
Quando eu era menina,apostar league of legendsTáchira (Estado fronteiriço entre Venezuela e Colômbia), todos eram estrangeiros: portugueses, alemães, turcos, chineses... Mas havia algo doloroso que era a luta dos colombianos. No tratamento, os apelidos, o medo que eles tinham.
Para o romance, fiz uma extensa investigação e conversei com diferentes pessoas sobre isso. Essa coisaapostar league of legendsida e volta. Hoje eu te maltrato e amanhã você me maltrata. Não aprendemos nada.
O venezuelano viveu uma épocaapostar league of legendsouro com muita abundância, muitos migrantes chegaram e fizeram fortunas, mas outros infelizmente receberam rejeição.
Agora é o contrário, esse povo que teve tanto, que não estava acostumado a migrar, a não ser para férias ou estudos, teve uma lição muito dura. Eles vão para outros lugares e os recebemapostar league of legendsportas abertas, mas também há rejeição.
apostar league of legends BBC News Mundo - Este livro te ajudou a se curar e a se redimirapostar league of legendssua própria história?
apostar league of legends Serrano - O atoapostar league of legendsescrever pode servir muito para te libertar, para transformar aquela parte da história que te machuca, que te causa dores e você tem guardadaapostar league of legendssi.
Há algumas cenas (no livro) que são fortes. Eu não queria fazer autoficção, por isso transformo as coisas.
apostar league of legends BBC News Mundo - Dentro dessa limpeza, dessa redenção e cura (com o livro), também há uma demonstraçãoapostar league of legendsamor ao país natal, Venezuela. Tudo está cheioapostar league of legendscomida, música e cheiros do país.
apostar league of legends Serrano - Foi algo que surgiu. E nasceu da viagem que fizapostar league of legends2012 com dois dos meus irmãos, onde voltei a sentir os sabores e cheiros do país. Eu sinto que isso é parte do amor.
Sinto muita beleza e muito amor. Eu queria fazer uma misturaapostar league of legendsamor, beleza e violência.
Este artigo é parte da versão digital do Hay Festival Arequipa, um encontroapostar league of legendsescritores e pensadores entre os dias 3 a 6apostar league of legendsnovembro na cidade peruana.
- Este texto foi publicadoapostar league of legendshttp://vesser.net/internacional-63493291