Como estão os direitos das mulheres no Afeganistão um ano após volta do Talebã:

Mulheres vestidas com burca viajamum veículo por uma ruaKandahar18dezembro

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Legenda da foto, Mulheres vestidas com burca viajamum veículo por uma rua da cidadeKandahar18dezembro

Nos doze meses desde que assumiu o poder no Afeganistão, o Talebã acabou com quase todas as liberdades conquistadas pelas mulheres afegãs desde a passagem dos islamistas radicais pelo poder, há duas décadas.

A partir do momentoque o grupo assumiu a capital Cabul15agosto do ano passado, muitas mulheres temiam o impacto que o novo governo teria — e, com o passar do tempo, elas descobririam que vários dos medos virariam realidade.

Uma sériedecretos e notasorientação oficial colocaram restrições rigorosas formalmentevigor, embora a maneira como elas foram aplicadas e cumpridas tenha sido irregular, com algumas variações regionais.

A seguir, analisamos alguns momentos-chaveque os direitos e liberdades das mulheres foram prejudicados no Afeganistão ao longo dos últimos doze meses, às vezes por decretos formais emitidos pela liderança do Talebã, às vezes mais sutilmente por meiomudanças pontuaisalgumas regras.

Apresentadora afegã da redenotícias 1TV, Lima Spesaly se prepara para cobrir o rosto com um véu antesuma transmissão ao vivo.

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Legenda da foto, A apresentadora afegã da redenotícias 1TV, Lima Spesaly, se prepara para cobrir o rosto com um véu antesuma transmissão ao vivo

21maio2022: ApresentadorasTV são obrigadas a cobrir o rosto

Nove meses após a tomada do Talebã, as apresentadorasTV foram instruídas a entrar no ar com o rosto coberto. A apresentadora da TV Tolo, Yalda Ali, publicou um vídeo nas redes sociais no dia seguinte ao anúncio, dizendo que todos os seus colegas do sexo masculino também usavam máscaras no arprotesto contra as novas instruções.

"Eles estão nos pressionando indiretamente para que paremosaparecer na TV", disse à BBC uma jornalista que trabalhaCabul e que pediu para permanecer anônima.

"Como posso ler as notícias com a boca tapada? Não sei o que fazer agora — tenho que trabalhar, sou o ganha-pão da minha família."

Farida Sial, apresentadora da TV Tolo, disse à BBC: "Tudo bem sermos muçulmanos, usarmos hijab, escondermos o cabelo, mas é muito difícil para uma apresentadora cobrir o rosto por duas ou três horas e falar desse jeito."

Mulheres vestindo burca recebem pão grátis distribuído como parte da campanha Salve os Afegãos da FomeCabul (18janeiro2022.)

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Legenda da foto, Mulheres vestindo burca recebem pão grátis distribuído como parte da campanha 'Salve os Afegãos da FomeCabul', no dia 18janeiro2022

7maio2022: Talebã torna obrigatório o usovéuspúblico

As mulheres afegãs são obrigadas a usar o véu que cobre o rosto inteiro pela primeira vezdécadas após um novo decreto do Talebã.

Qualquer mulher que se recuse a obedecer a nova regra pode ver seu guardião homem preso por três dias. A ordem também afirma que elas devem deixar a casa onde moram apenas "em casosnecessidade" e os parentes do sexo masculino sofrerão consequências se essas diretrizes forem ignoradas.

"Parte meu coração que as pessoas na rua estejam se aproximandomim para pedir que eu cubra o rosto", afirma Soraya, proprietáriauma pequena empresa, à BBC dias após o anúncio do decreto.

Ela disse que funcionários do Talibã estavam entrandolojasroupas femininasCabul para verificar o que as funcionárias estavam vendendo e se o comprimento das roupas feitas sob medida era considerado apropriado.

"Até o alfaiate que visitei me disse para cobrir o rosto antes que eu pudesse falar com ele."

A estudante universitária Fereshtah diz que suas colegas estão obedecendo às ordens por medo. "Elas me disseram que usarão um véu completo porque seus pais as alertaram sobre as repercussõesnão se cobrirem."

Razia Dalili dirigindo um micro-ônibus para o serviço 'Pink Shuttle' que ajudou as mulheres a se locomover com segurançaCabul2019. (31outubro2019)

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Legenda da foto, Razia Dalili dirige um micro-ônibus para o serviço 'Pink Shuttle' ('Transporte Rosa',tradução literal), que ajudou as mulheres a se locomover com segurançaCabul2019. Foto tirada31outubro2019

3maio2022: Novas restrições para motoristas mulheres

Autoridades do TalebãHerat dizem aos instrutoresdireção automotiva que paremdar aulas para mulheres e emitir carteirasmotorista para elas.

O chefe do InstitutoGestãoTráfego da cidade, que regula as escolascondução, disse à agêncianotícias AFP que a mudança foi anunciada verbalmente.

A liderança do Talebã negou que uma decisão dessas tenha sido dada, mas muitas restrições locais foram introduzidas gradualmente ao longo do ano passado.

Mulheres e meninas afegãs participamum protestofrente ao Ministério da EducaçãoCabul26março2022, exigindo que as escolas secundárias sejam reabertas para meninas.

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Legenda da foto, Mulheres e meninas afegãs participamum protestofrente ao Ministério da EducaçãoCabul26março2022, exigindo que as escolas secundárias sejam reabertas para as meninas

23março2022: As meninas são excluídas das escolas secundárias

O Ministério da Educação do país deu uma reviravolta repentina ao excluir as meninas das escolas secundárias um dia antes do início do novo ano letivo.

A liderança central do Talebã reverteu um anúncio anterior do mesmo ministério, dizendo que era necessário um plano "abrangente" e "islâmico" para permitir que as meninas voltassem às aulas.

A decisão provocou protestosCabul e condenação generalizada fora do país.

"Meu sonho era ir para a universidade e me tornar médica", declarou a estudante Mahvash, que tem 17 anos e é da provínciaTakhar.

Falando à BBC 100 Women, a estudante secundária Rohila disse que assiste ao noticiário todos os dias, esperando ouvir notícias sobre a reabertura das escolas emárea. Há meses, ela vê seus irmãos do sexo masculino irem para as aulas, enquanto ela é "deixada para trás"casa.

"Sinto muita tristeza por estarmos sendo privadas desse direito básico à educação só porque somos mulheres."

"Meus sonhosinvestir na minha educação agora parecem fúteis", lamentou.

Estudantes das faculdadesEngenharia e Ciência da Computação participamsua cerimôniaformatura na Universidade BenawaKandahar17março2022.

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Legenda da foto, Estudantes das faculdadesEngenharia e Ciência da Computação participam da cerimôniaformatura na Universidade BenawaKandahar, Afeganistão,17março2022

3fevereiro2022: Estudantes do sexo feminino frequentam algumas aulas na universidade, mas com segregaçãogênero

Algumas universidades públicas reabrem para estudantes do sexo masculino e feminino, mas com os gêneros mantidos separadossalasaula segregadas. Em Herat, homens e mulheres são instruídos a comparecer às aulashorários diferentes durante o dia.

Autoridadeseducação disseram que querem classes segregadas por gênero e um currículo baseadoprincípios islâmicos, com hijab obrigatório para estudantes do sexo feminino.

"Eu me senti muito ansiosa, o Talebã estava guardando o prédio quando chegamos, mas eles não nos incomodaram", disse Rana, falando à BBC 100 Women no primeiro diavolta às aulas.

Em universidades menores, os alunos compartilham a mesma salaaula, mas mantêm distância física.

"Muitas coisas pareciam normais, como eram antes. Mulheres e homens estavam na mesma classe porque nossa universidade é pequena — os meninos estavam sentados na frente e nós atrás", descreveu Rana.

Outros pareciam mais céticos. Uma estudante universitáriauma faculdademedicina na cidadeMazar-e-Sharif disse à BBC que "voltar à universidade não é mais uma prioridade".

"Estamos morrendofome... Preciso comprar livros e roupas, mas não temos dinheiro."

Mulher afegã vestindo uma burca.

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Legenda da foto, Mulher afegã vestindo uma burca

Janeiro2022: O Talebã inicia oficialmente uma campanha obrigatóriauso do hijab

O Ministério da Promoção da Virtude e da Prevenção do Vício coloca cartazesCabul promovendo o uso do véu e das coberturas faciais.

A campanha veiculada nas línguas dari, pashto e árabe diz: "Baseado na Sharia [o direito islâmico], uma mulher muçulmana deve usar o hijab".

Os cartazes retratam duas imagens do hijab consideradas aceitáveis: a primeira, o véu preto com cobertura facial, e a segunda, o véu azul com cobertura facial.

26dezembro2021: As mulheres são proibidasviajar sozinhas

Uma diretriz do Talebã ordena que as mulheres afegãs que desejam viajar longas distâncias por estrada providenciem um acompanhante masculino para acompanhá-las.

O Ministério da Promoção da Virtude e da Prevenção do Vício afirmou que as mulheres que viajam por mais72 km precisam ser acompanhadas por um familiar masculino próximo e os proprietáriosveículos devem recusar caronas a mulheres que não usem os véus na cabeça e no rosto.

"Eu me senti muito mal", diz Fátima, uma parteira que moraCabul.

"Não posso sair sozinha. O que devo fazer se meu filho estiver doente e meu marido não estiver disponível? O Talebã tirou a felicidadenós... Perdi a independência e a felicidade."

Uma mulher afegã ajusta o lençocabeçaum apresentador antesgravar na estação Zan TV (TV Feminina)Cabul (24maio2017)

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Legenda da foto, Uma mulher afegã ajusta o lençocabeçauma apresentadora antesuma gravação na TV ZanCabul, no dia 24maio2017

17setembro2021: Jornalistas femininasCabul são proibidastrabalhar

A Federação InternacionalJornalistas diz que profissionais do sexo feminino foramgrande parte proibidastrabalhar e que 153 meioscomunicação foram fechados desde a tomada do Talebã, incluindo jornais, canaisrádio ou TV e sites.

Anisa Shaheed, que trabalhava na TV Tolo e é considerada uma das repórteres mais importantes do Afeganistão, foi uma das muitas jornalistas que decidiram sair do país.

Em 2021, ela foi nomeada jornalista do ano e "a face da liberdadeexpressão" pela rede Free Speech Hub do Afeganistão, alémser eleita uma das 100 mulheres do ano pela BBC.

"No auge do deslocamento e do desespero, espero ver o Afeganistãopaz. E um dia poder retornar à minha terra natal, à minha casa e ao meu trabalho", afirmou.

Mulheres protestam contra restriçõestrabalho impostas pelo Talebã

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Legenda da foto, Mulheres protestam contra restriçõestrabalho impostas pelo Talebã

19setembro2021: Funcionáriasgovernos municipais são instruídas a ficarcasa

O governo Talebã diz às funcionárias do governo da cidadeCabul que fiquemcasa.

Eles anunciam que apenas funcionárias que não podem ser substituídas por homens devem retornar temporariamente ao trabalho, incluindo algumas que integram os departamentosdesign e engenharia e as funcionáriasbanheiros públicos femininos.

Taleban substitui uma placa do DepartamentoAssuntos da Mulher pelo Ministério para a Promoção da Virtude e Prevenção do VícioKandahar, Afeganistão,20outubro2021

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Legenda da foto, O Talebã substitui uma placa do DepartamentoAssuntos da Mulher por uma do Ministério da Promoção da Virtude e da Prevenção do VícioKandahar, Afeganistão,20outubro2021

17setembro2021: O Ministério dos Assuntos da Mulher é dissolvido

Apenas um mês depoistomar o poder à força, a nova administração Talebã acaba com o MinistérioAssuntos da Mulher do país.

A placa do gabinete ministerial é substituída por uma do Ministério da Promoção da Virtude e da Prevenção do Vício, órgão conhecido por implantar a chamada polícia da moralidade nas ruas sob o último governo do grupo — uma força que era conhecida por espancar mulheres que consideravam estar vestidas "sem modéstia" ou que foram vistas foracasa sem um guardião do sexo masculino.

Funcionárias que trabalhavam no complexo do MinistérioAssuntos da Mulher disseram à BBC que foram trancadas do ladofora do prédio.

"Para as mulheres, não haverá mais nada", disse uma trabalhadora.

"Todos nós temos responsabilidades com nossas famílias... Somos educadas e não queremos nos confinarcasa."

Mulheres afegãs jogam críqueteHerat9dezembro2015.

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Legenda da foto, Mulheres afegãs jogam críqueteHerat no dia 9dezembro2015

8setembro2021: O Talebã declara que o esporte feminino é 'desnecessário'

As mulheres afegãs são banidas das competições organizadas depois que o vice-chefe da comissão cultural do Talebã, Ahmadullah Wasiq, declarou que os esportes femininos não eram "nem apropriados, nem necessários".

"No críquete, elas podem enfrentar uma situaçãoque o rosto e corpo não estarão cobertos. O Islã não permite que as mulheres sejam vistas assim", declarou Wasiq a uma emissora australiana.

O críquete feminino profissional estava à beiraum avanço no Afeganistão quando Cabul foi dominada. Agora, muitas atletas estão no exterior, mas prometem continuar praticando o esporte.

Sahar jogou por um timefutebol local por três anos. Mas quando o Talebã assumiu o controle do país, ela se escondeu com a família, antesser levada para outro país.

"Minha família no futebol — os amigos e os professores — era muito grande", disse ela à BBC 100 Women.

"Tive que pararjogar e fiquei muito triste. Quando olhava para as minhas roupas, chuteiras e bola, eu chorava."

"Tenho muitas esperanças e sonhos para o futuro... Quero ter sucesso para que ninguém possa dizer que as meninas não podem jogar futebol."

O ministro do Interior do Talibã, Sirajuddin Haqqani, e o vice-primeiro-ministro do Talibã, Abdul Salam Hanafi, participamuma cerimôniaformatura para novos recrutas da polícia afegã na academiapolíciaCabul,5março2022

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Legenda da foto, O ministro do Interior do Talebã, Sirajuddin Haqqani (ao centro), e o vice-primeiro-ministro do Talebã, Abdul Salam Hanafi (à esquerda), participamuma cerimôniaformatura para novos recrutas da polícia afegã na AcademiaPolíciaCabul,5março2022

7setembro2021: O Talebã anuncia um gabinete exclusivamente masculino

O Talebã anunciou um gabinete exclusivamente masculino, formado apenas por integrantessuas próprias fileiras.

O governo anterior teve quatro ministras do sexo feminino, com duas governadoras servindoregiões do Afeganistão.

Membros do Talibã impedem mulheres que protestam pelos direitos das mulheresCabul21outubro2021.

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Legenda da foto, Membros do Talebã bloqueiam mulheres que protestam pelos direitos das mulheresCabul no dia 21outubro2021

5setembro2021: O Talebã interrompe um protesto pelos direitos das mulheres

Autoridades do Talebã dissolveram a última manifestação que reuniu dezenasmulheresCabul, que exigiam o direito ao trabalho.

Os integrantes do grupo que tomou o poder também usaram gás lacrimogêneo e spraypimenta para controlar protestosmulheres na capital eHerat.

A ativista Razia Barakzai esteve envolvidaalguns dos primeiros protestos pelos direitos das mulheresCabul.

"Senti que tinha que fazer alguma coisa e não esperar que os outros agissem. Tomei a decisãofazer manifestações apesartodos os riscos envolvidos", contou.

"No primeiro diaque saímos às ruas, ao redor do portão do palácio, fomos atacadas. Mas, como tínhamos os olhos da mídianós, conseguimos continuar nos manifestando."

"Desejo que um dia possamos ver um Afeganistão que está nos sonhos dessas mulheresespírito livre que buscam justiça", diz Razia.

Os nomes citados ao longo da reportagem foram alterados para proteger a identidade dos entrevistados.

- Este texto foi publicado originalmentehttp://vesser.net/internacional-62548259

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