Além da Guerra na Ucrânia: 7 conflitos sangrentos que ocorrem hoje no mundo:

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Uma guerra que já dura 16 meses na Etiópia deixou 900 mil pessoassituaçãofome

O conflito é a principal manchetegrande parte dos veículosimprensa do mundo.

Estima-se que a guerra na Ucrânia, que ainda pode estar apenas no começo, já provocou centenasmortescivis e forçou 2 milhõespessoas a fugiremsuas casas.

A situação humanitária da Ucrânia é preocupante e tem sido alertada por diversas organizações internacionais.

No entanto, quando comparada com outros conflitos que existem no mundo hoje, há mais mortes e sofrimento humano sendo causadosoutras guerras que recebem menos atenção e ajuda internacional (confira mais abaixo nesta reportagem sete graves conflitos que recebem relativamente pouca atenção internacional).

É o caso do conflito do Iêmen, que já dura pelo menos 11 anos. Os números são chocantes: mais233 mil mortos e 2,3 milhõescriançasdesnutrição aguda. Falta água potável e atendimento médico à população.

A Organização das Nações Unidas (ONU) classifica o Iêmen como a pior situação humanitária do mundo.

Também longe dos holofotes diplomáticos internacionais está uma guerra que começounovembro2020 na Etiópia entre o governo central e um partido político na regiãoTigré.

O conflito não tem sinaisque deve acabarbreve - e estima-se que mais9 milhõesetíopes precisamalgum tipoajuda humanitária. Há relatoscrimesguerra, como chacinacivis e estuprosmassa.

'Uns mais iguais que outros'

A eclosão da guerra na Ucrânia levou pessoas envolvidasoutros conflitos a questionarem o porquêtamanha diferença no tratamento internacional dado aos eventos.

"Foi surpreendentenosso continente perceber que nem todos os conflitos armados são tratados com a mesma faltadeterminação que muitos dos combates na África recebem", escreveu o jornalista argelino-canadense Maher Mezahi ao comparar a repercussão do conflito da Ucrânia com outros na Etiópia e Camarões.

"Sim, [nos conflitos africanos] há declaraçõespreocupação e enviados internacionaismissões, mas nenhuma cobertura 24 horas, nenhuma declaração televisionada ao vivolíderes globais e nenhuma oferta entusiasmadaajuda."

"Somos todos iguais, mas uns são mais iguais que outros."

Para a presidente da ONG International Crisis Group, Comfort Ero, é preocupante que haja tanto sofrimento humano no mundo hoje e esse problema deveria estar no topo da agenda internacional.

"É verdade que uma das preocupaçõestodo o mundo, e especialmente na África, é a percepçãoque a rapidez da Europa eseus aliados, especialmente os EUA, [em reagir à guerra na Ucrânia] sugere que um conflito na Europa seja levado mais a sério", disse Ero à BBC News Brasil.

A entidade monitora conflitostodo o mundo e criou no começo deste ano uma listadez conflitos internacionais que precisam receber atenção internacional. Entre os listados, estão Iêmen, Etiópia, Haiti e Mianmar.

Mas mesmo a Crisis Group colocou a Ucrânia no topo dalista - entendendo que há riscos específicos na Ucrânia que fazem desse conflito uma ameaça à segurança global, mesmo que os númerosmortos e pessoasgrave situação humanitária sejam menores do queoutras partes do mundo.

"Para a Crisis Group, a guerra na Ucrânia não é mais importante porque está na Europa. Cada morte, cada vítima, cada pessoa deslocada durante a guerra é uma tragédia, não importa onde isso ocorra. Mas dito isto, eu acredito que a guerra da Ucrânia tem o potencialser o perigo imediato mais grave para a paz e a segurança internacionais, e é provavelmente a violação mais grave da soberaniaoutro país desde pelo menos o Iraque", diz a presidente da ONG.

Confira abaixo sete conflitos que nem sempre aparecem com proeminência no noticiário, mas que têm provocado sofrimento humanogrande escala.

1. Etiópia

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Conflito na Etiópia dura maisum ano e causa enorme sofrimento

Uma guerra que já dura 16 meses na Etiópia deixou 900 mil pessoassituaçãofome, segundo estimativa do governo americano. Rebeldes que lutam no país dizem que mais9 milhõesetíopes necessitamalgum tipoajuda alimentar.

O conflito desencadeadonovembro2020 é um dos mais brutais no mundo atualmente, com relatosassassinatocivis e estuprosmassa, segundo a Anistia Internacional.

A base é uma disputa entre diferentes grupos étnicos que tentam conviver há quase 30 anos. Desde 1994, a Etiópia tem um sistemagoverno federativo às vezes chamadofederalismo étnico,que cada uma das dez regiões do país é controlada por diferentes grupos étnicos.

Uma delas é a região do Tigré, controlada por um partido político chamadoFrenteLibertação do PovoTigré - que é formado por pessoas desse grupo étnico. A Frente liderava uma coalizãoquatro partidos que governava a Etiópia desde 1991.

Sob esta coalizão, a Etiópia tornou-se mais próspera e estável, apesarcrescentes preocupações com direitos humanos e o níveldemocracia. Esse descontentamento se transformouprotesto, levando a uma remodelação do governoque o político Abiy Ahmed se tornou primeiro-ministro.

Abiy liberalizou a política, criou um novo partido (o Partido da Prosperidade) e removeu os principais líderes do governo acusados ​​de corrupção e repressão.

Abiy encerrou uma longa disputa territorial com a vizinha Eritreia e recebeu o Prêmio Nobel da Paz2019 - sendo aclamado internamente.

No entanto, os políticosTigré viam as reformasAbiy como uma tentativacentralizar o poder e destruir o sistema federativo da Etiópia.

Em 2020, o Tigré realizou eleições locais que foram consideradas ilegais por Abiy. Em novembro daquele ano, o conflito eclodiu.

Soldados da Eritreia aliados do governo etíope também estão lutandoTigré. Ambos os lados do conflito foram acusados ​​de atrocidades. Por ora, não há sinaisque o conflito possa chegar a um fim, já que não há sequer negociaçõesandamento.

2. Iêmen

Crédito, EPA

Legenda da foto, ONU diz que situação no Iêmen é o pior desastre humanitário atual

A ONU diz que a guerra no Iêmen resultouníveis chocantessofrimento e causou o pior desastre humanitário do mundo.

O conflito já produziu 233 mil mortes, incluindo 131 mil por causas indiretas, como faltaalimentos, serviçossaúde e infraestrutura. Mais10 mil crianças morreram como consequência direta dos combates.

Quatro milhõespessoas foram obrigadas a fugirsuas casas e mais20,7 milhões (71% da população do país) precisamalguma formaassistência humanitária ou proteção parasobrevivência.

Segundo a ONU, 5 milhõesiemenitas estão à beira da fome e quase 50 mil já estão passando por condições semelhantes à fome. Estima-se que 2,3 milhõescrianças menorescinco anos sofremdesnutrição aguda, incluindo 400 mil que correm o riscomorrer sem tratamento, segundo a ONU.

Com apenas metade das 3,5 mil instalações médicas do paíspleno funcionamento e 20% dos distritos sem médicos, quase 20 milhõespessoas não têm acesso a cuidadossaúde adequados. Umacada duas pessoas também não tem acesso a água potável.

O conflito tem suas raízes no fracassoum processo político que deveria trazer estabilidade ao Iêmen após a Revolução Iemenita2011 - que foi parte da Primavera Árabe - que forçou o presidente autoritáriolonga data, Ali Abdullah Saleh, a entregar o poder a seu vice, Abdrabbuh Mansour Hadi.

Como presidente, Hadi lutou contra diversos problemas, incluindo ataquesjihadistas, um movimento separatista no sul, a lealdade contínua do pessoalsegurança a Saleh, alémcorrupção, desemprego e insegurança alimentar.

O movimento Houthi - conhecido formalmente como Ansar Allah (PartidáriosDeus) - aproveitou-se da fraqueza do novo presidente.

Os houthis, que defendem a minoria muçulmana xiita Zaidi do Iêmen e combateram uma sérierebeliões contra Saleh durante a década anterior, tomaram o controlesua região central do norte da provínciaSaada no início2014 e começaram a avançar para o sul. Desiludidos com o governo, muitos iemenitas comuns - incluindo sunitas - os apoiaram e no final2014 os rebeldes começaram a tomar a capital, Sanaa.

O que acontece no Iêmen pode exacerbar muito as tensões regionais. Também preocupa o Ocidente por causa da ameaçaataques - como da Al-Qaeda ouafiliadas do Estado Islâmico - que emanam do país à medida que se torna mais instável.

Os houthis e as forçassegurança leais a Saleh - que supostamente apoiaram seus antigos inimigosuma tentativarecuperar o poder - tentaram assumir o controletodo o país, forçando Hadi a fugir para o exteriormarço2015.

Outros países da região - as potências regionais rivais Irã e Arábia Saudita - se envolveram no conflito.

Alarmados com a ascensãoum grupo que eles acreditavam ser apoiado militarmente pelo poder regional xiita e rival Irã, Arábia Saudita e outros oito Estados árabes majoritariamente sunitas começaram uma campanha aérea com o objetivoderrotar os houthis, acabar com a influência iraniana no Iêmen e restaurar o governoHadi.

A coalizão recebeu apoio logístico einteligência dos EUA, Reino Unido e França.

Analistas esperavam que a guerra durasse poucas semanas, mas ela já se arrasta há oito anos, e nos últimos anos houve um escalonamento da violência.

3. Mianmar

Crédito, EPA

Legenda da foto, ProtestosMianmar atingiram o pontouma guerra civil, para alguns analistas

Mianmar é outra região que enfrenta tensões políticas e étnicas há anos - e muitos analistas dizem que o país vive uma guerra civil. A violência lá aumentou nos últimos meses.

Os militares do Tatmadaw (Exército) deram um golpeMianmar e assumiram o controle do país1ºfevereiro2021, após uma eleição geral vencida por ampla margem pelo partido da líder Aung San Suu Kyi (NLD).

Ativistas da oposição formaram uma campanha incitando a desobediência civil, com greves e protestosmassa contra o golpe. Os militares usaram violência para dispersar os movimentos. E a desobediência civil aumentou, atingindo o pontouma guerra civilverdade.

Milícias locais que se autodenominam ForçasDefesa do Povo atacaram comboios militares e assassinaram autoridades.

O comandante-chefe militar Min Aung Hlaing assumiu o poder. Ele recebeu condenação e sanções internacionais por seu suposto papel nos ataques dos militares às minorias étnicas. Os militares prometem que realizarão uma eleição "livre e justa" assim que o estadoemergênciaMianmar terminar.

A ONG humanitária International Rescue Committee estima que os conflitos que se espalharam por todo o país desde que os militares tomaram o poder já deslocaram 220 mil pessoas2021.

Segundo a entidade, mais14 milhõespessoas (mais25% da população do país) precisamalgum tipoajuda humanitária. Acredita-se que mais10 mil pessoas morreram desde fevereiro do ano passado.

4. Haiti

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Autoridades estão perdendo o controle do Haiti, segundo alguns especialistas

O Haiti vive uma nova espiralviolência desde julho2021, quando o então presidente do país Jovenel Moïse foi brutalmente assassinado.

Moïse,53 anos, foi baleado 12 vezes na testa e no torso. Seu olho esquerdo foi arrancado e os ossos do braço e do tornozelo foram quebrados. A primeira-dama, Martine Moïse, também foi baleada, mas sobreviveu.

A polícia haitiana alega que um grupomercenários principalmente estrangeiros - 26 colombianos e dois haitianos americanos - compôs o grupo que executou o assassinato.

Enquanto as investigações prosseguem, o país mergulhounova ondaviolência.

Ariel Henry, que havia sido nomeado por Moïse como novo primeiro-ministro, assumiu interinamente o país, mas ele vem sendo contestado por diversos grupos. Existe um acordo entre facções para que Henry permaneça no poder até a realizaçãoeleições neste ano, que ainda não foram marcadas.

Algumas gangues têm exigido que Henry renuncie, e o premiê escapouum atentado contravidajaneiro. As gangues vêm espalhando violência pelo país e são financiadasparte pelo sequestroestrangeiros, que se tornou um problema sério para as autoridades. No ano passado, mais800 pessoas foram sequestradas por gangues no Haiti.

Para piorar a situação, o Haiti sofreu um terremotoagosto, um mês após o assassinatoMoïse, matando mais2 mil pessoas, agravando ainda mais a situação humanitária da população.

O Haiti também virou manchete internacional por conta do grande fluxoimigrantes ilegais que tentaram cruzar para os EUAoutubro do ano passado.

Grupos internacionais alertam que a instabilidade do governo e a escaladaviolência - somados a problemas econômicos e desastres naturais - podem fazer com que a disputa entre gangues no Haiti se transformeum conflito armado.

5. Síria

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Cidades no norte da Síria, como Tadef (foto), ainda são palcobatalhas

Protestos inicialmente pacíficos contra o presidente Bashar al-Assad da Síria2011 se transformaramuma guerra civilgrande escala, que já dura maisuma década.

O conflito deixou mais380 mil mortos, arrasou cidades e envolveu outros países estrangeiros. Mais200 mil pessoas estão desaparecidas - presume-se que morreram.

Em março2011, manifestações pró-democracia eclodiram na cidadeDeraa, no sul, inspiradas pela Primavera Árabe. Quando o governo sírio usou força letal para esmagar a dissidência, protestos exigindo a renúncia do presidente eclodiramtodo o país.

Legenda do vídeo, Qual é a posição do Brasil sobre a invasão russa à Ucrânia?

A violência aumentou rapidamente e o país mergulhou na guerra civil. Centenasgrupos rebeldes surgiram e não demorou muito para que o conflito se tornasse mais do que apenas uma batalha entre sírios a favor ou contra Assad. Potências estrangeiras - como Rússia, EUA, Reino Unido e França - começaram a tomar partido, enviando dinheiro, armas e combatentes, e à medida que o caos piorava, organizações jihadistas extremistas com seus próprios objetivos, como o grupo extremista autodenominado Estado Islâmico (EI) e a Al-Qaeda, também se envolveram.

O conflito é um dos mais sangrentos do planeta dos últimos anos. Mais2 milhõespessoas sofreram algum tipoferimento. Mais da metade da população do país antes da guerra (que era22 milhões) tiveramdeixar suas casas. Muitos estão dentro do país ainda, mas Líbano, Jordânia e Turquia receberam grande parte dos refugiados.

A guerra diminuiuintensidade, já que Assad conseguiu dominar boa parte do país. Mas ainda há resistênciadiversas partes da Síria, e observadores internacionais acreditam que o conflito não está perto do fim - o que deve provocar ainda mais mortes e problemas humanitários nos próximos anos.

6. Militantes islâmicos na África

Crédito, EPA

Legenda da foto, Cabo Delgado,Moçambique, é um dos focosviolência na África

Após a derrocada do EI2017 no Oriente Médio, gruposmilitantes islâmicos se voltaram cada vez mais para a África, onde governos fragilizados nem sempre conseguem combater ainfluência.

Grupos jihajistas tentam dominar diversas regiõesdiferentes países — como Mali, Niger, Burkina Faso, Somália, Congo e Moçambique.

Em Moçambique, acredita-se que uma milícia na regiãoCabo Delgado tenha ligações com o grupo do EI.

Cabo Delgado possui ricas reservasgás natural offshore que estão sendo exploradascolaboração com empresas multinacionaisenergia. Mas altos níveispobreza e disputas sobre acesso à terra e empregos fazem com que muitos decidam se juntar às milícias islâmicas.

Os ataquesgrupos militantes aumentaram significativamente no ano passado.

Gruposdireitos humanos dizem que houve extensa destruiçãotodo o norteMoçambique pelos militantes, com relatosassassinatos, decapitações e sequestros. Em um incidente, 50 pessoas foram decapitadasum campofutebolum fimsemana.

Diante da crescente insurgência, o governo moçambicano convidou conselheiros militares dos EUA para que soldados americanos treinem as forças locais.

No ano passado, o governoMoçambique aceitou receber tropasRuanda e da ComunidadeDesenvolvimento da África Austral (SADC), um bloco regional. Essas forças reverteram os ganhos dos insurgentes, embora os militantes pareçam estar se reagrupando.

Há temoresque esse conflito possa ser prolongado, gerando inúmeras mortes e problemas humanitários.

7. Afeganistão

O Afeganistão já foi um dos conflitos mais noticiados do mundo, após os ataques11setembro2001 nos EUA.

O governo americano invadiu o país alegando que o Talebã esteve por trás dos atentados. Após duas décadasintensos combates e milharesmortes, o Talebã voltou ao poderagosto2021.

O nívelviolência caiu bastante no país, mas ONGs alertam agora que o país enfrentará possivelmente uma das mais graves crises humanitárias que já se viu por causa das sanções e isolamento impostos por grande parte do mundo.

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