Forçadas a fazer '15 a 20 programas por dia', brasileiras são resgatadasredeexploraçãoLondres:
Os detalhes sobre o caso foram obtidos com exclusividade pela BBC News Brasil e ilustram os graves riscos ligados a promessas fáceisviagens e bolsasestudos no exterior.
"Me venderam um sonho que virou um pesadelo", diz hoje uma das brasileiras, que ainda se recuperauma sequência assustadoraabusos no submundo da capital inglesa.
As identidadestodas as vítimas foram preservadas nesta reportagem.
"Seu atestadomorte"
As três brasileiras chegaram à Inglaterra2020, após receberem uma "bolsaestudos" para um cursoinglês que duraria algumas semanas.
A polícia não deu detalhes sobre como as vítimas foram abordadas.
Pouco depoisdesembarcarem, no entanto, elas se tornaram vítimasum lucrativo mercadotráfico humano que, segundo a ONU, afeta 2,5 milhõespessoas todos os anos e movimenta mais30 bilhõesdólares.
"Graças à coragem e bravura das vítimas, conseguimos reunir evidências irrefutáveis que fizeram com que Edani e Stanley não tivessem outra opção a não ser se declarar culpados, o que impedirá que eles prejudiquem outras pessoas", diz o detetive Pete Brewster, um dos responsáveis pela investigação.
Tudo começou depois que uma das brasileiras pediu ajuda à polícia,março do ano passado, após uma discussão com a mulher recém-condenada pela Justiça inglesa.
Durante a briga, a vítima chegou a tentar telefonar para a polícia, mas foi empurrada por Stanley, queseguida, segundo registros oficiais, a ameaçou:
"Você assinou seu próprio atestadomorte."
Este foi o estopim para a brasileira insistirbuscar proteção policial e mostrar fotos da exploradora, dando início à investigação conduzida pela equipeEscravidão Moderna e Exploração Infantil da Metropolitan Police, a políciaLondres.
Em depoimento, a vítima contou que, pouco depoiscomeçar o cursoinglês na cidadeManchester, foi convocada a viajar a Londres para se encontrar com a mulher com quem havia negociado a bolsaestudos.
Ao encontrá-la, ouviu que teria que assinar um contrato, do contrário "não poderia voltar para o Brasil", "teria que viver nas ruasLondres" e "nunca mais veria a família".
Controle
O contrato, segundo a polícia, previa que a brasileira "vendesse seu corpo". Aos investigadores, ela disse que não tinha alternativas e que assinou o documento com medonão conseguir mais retornar ao Brasil.
A história se repetiu com as outras brasileiras, que também chegaram a Inglaterra após uma promessaestudar inglês com curso, acomodação e passagens pagas.
Elas eram obrigadas a conseguir ganhar £500 por dia com programas (o equivalente a R$ 3,5 mil diários). Em troca, recebiam um pagamento semanal£250 (R$ 1750), mais £50 (R$ 350) para alimentação.
Para conseguirem alcançar o alto valor estipulado pelos exploradores, as mulheres frequentemente se viam obrigadas a se encontrar com 15 a 20 clientesum único dia, segundo a polícia.
O valor confiscado pelo casal serviria para, segundo eles, pagar os custos da viagem que as jovens acreditavam ter ganhado gratuitamente.
Nos quartos, tudo era filmado por câmeras controladas pelo casal. Eles diziam as vítimas que mandariam as imagens a suas famílias "se elas não fizessem o que foram pedidas".
O nívelcontrole sobre os passos das brasileiras ia além.
As jovens receberam telefones celularestrabalho, pelos quais recebiam por WhatsApp informações sobre horáriosclientes e tinham seus movimentos monitorados por GPS.
Por algum tempo, elas foram obrigadas a irem acompanhadas até o cursoinglês - mas logo foram forçadas a abandonar as aulas.
Legislação
Segundo a lei britânica, a prostituição - ou a ofertaserviços sexuaistrocadinheiro - é uma atividade legal. Por outro lado, a exploração da prostituição - por meio das figuras popularmente conhecidas como cafetões ou cafetinas - e a existênciabordéis ou prostíbulos é proibidatodo o território.
À reportagem, a políciaLondres informou que "leva todos os relatosescravidão contemporânea extremamente a sério e está empenhadaprocessar aqueles que se envolvem neste crime pernicioso".
A corporação também afirma que "encoraja qualquer pessoa que tenha sofrido com esse tipocrime a denunciá-los" e que as denúncias serão "tratadas com sensibilidade" e "investigadas minuciosamente".
Prisões
Em abril2020, mês seguinte à denúncia da brasileira, a polícia londrina cumpriu mandadosbusca e apreensãoendereços do casal e recolheu celulares, documentos, tabelaspreços e caixaspreservativos.
Milhareslibrasdepósitos feitosdinheiro foram identificados nas contas bancárias da dupla.
Foi depois destas buscas que os investigadores conseguiram identificar a vítima inglesa, uma mulher que acreditava ter sido identificada por agentesmodelos.
Após ganhar presentes e ter despesas pagas pelo casal, ela se viu forçada a "pagar a dívida" e obrigada a se prostituir.
"Edani e Stanley atraíram vítimas com falsas promessas para manipulá-las e explorá-las para ganhos financeiros pessoais. Eles não tinham absolutamente nenhum respeito pelas vítimas ou seu bem-estar, inclusive fazendo-as trabalhar longas horas por muito poucotroca - mesmo quando elas não se sentiam bem", diz o detetive Brewster.
"A única coisa que importava para eles era quanto dinheiro poderiam ganhar."
Como se proteger
Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), mulheres e meninas respondem por 72% dos casostráficospessoas no mundo.
Nos casos envolvendo pessoas do sexo feminino, 83% são ligados a exploração sexual, 13% a trabalho forçado e 4% para outras finalidades.
Entre os homens, a proporção quase se inverte: 82% são traficados para trabalhos forçados, 10% com finsexploração sexual, 1% para remoçãoórgãos e 7% para outros objetivos.
O Conselho NacionalJustiça dá seis recomendações para que as pessoas se protejamgolpes envolvendo tráfico humano.
A mais importante é duvidarpropostasestudos ou trabalho "fácil e lucrativo".
Sempre que receber uma proposta, peça documentos oficiais, leia contratos e busque informações sobre os autores da oferta com auxílio jurídico.
Quando as propostas incluírem viagens nacionais e internacionais, a atenção a estes detalhes deve ser ainda maior.
O Conselho também recomenda que as pessoas mantenham seus documentos pessoais protegidos e evitem compartilhar cópias com conhecidos ou amigos.
Antesviajar, compartilhe o endereço, telefone e localização na cidade para onde está viajando com pessoasconfiança e mantenha telefones e endereçosconsulados, ONGs que trabalhem com brasileiros e autoridades da regiãodestino sempre à mão.
Além disso, é importante manter comunicação frequente com familiares e amigos. Se algo acontecer e a comunicação for interrompida, eles notarão que há algo estranho e tomarão providências.
Se você souber ou desconfiarcasostráficopessoas no Brasil, denuncie ligando para o número 100. No Reino Unido, suspeitas podem ser denunciadas à polícia ligando para o número 999.
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