Por que bispos americanos querem impedir Bidencomungar:
Os 280 bispos com direito a voto deverão decidir se devem pedir à Comissão para Doutrina (que aconselhaquestões ligadas à fé e moral) a elaboraçãoum documento esclarecendo quem pode receber a comunhão e as circunstânciasque o sacramento pode ser negado.
Depoishorasdebate e discordâncias, os religiosos votaram nesta quinta-feira (17/6), segundo dia do encontro. O resultado final deverá ser anunciado nesta sexta (18/06), no encerramento da reunião.
Caso a proposta seja aprovada, a Comissão para Doutrina começará a elaborar o documento, que será colocadovotação na próxima reunião da USCCB,novembro. Para ser aprovado, o documento final precisará do apoiopelo menos dois terços dos votantes.
Mas, na prática, a decisão final sobre permitir ou não que Biden (ou qualquer outro fiel) receba a comunhão continuará nas mãos do bispo responsável por cada diocese.
Em Washington, onde o presidente costuma frequentar a igreja Holy Trinity (Igreja Católica da Santíssima Trindade), no bairroGeorgetown, o arcebispo Wilton Gregory já indicou que não pretende impedir Bidencomungar. O mesmo deve ocorrerWilmington, no EstadoDelaware, onde Biden tem residência e frequenta a missaalguns finssemana.
"Legalmente, (a decisão da USCCB) não tem impacto", diz à BBC News Brasil o professorteologia e estudos religiosos Massimo Faggioli, da Universidade Villanova, na Pensilvânia, que é autor do livro Joe Biden and Catholicism in the United States (Joe Biden e o Catolicismo nos Estados Unidos).
No entanto, o simples debate sobre a possibilidadeuma regra nacional impedindo que políticos pró-aborto recebam a comunhão tem um forte significado simbólico e revela não apenas a divisão interna e polarização política na Igreja americana, mas também suas divisõesrelação ao Vaticano.
"Os bispos que são os mais vocais na defesa dessa proposta são os mesmos que nos últimos oito anos foram os mais vocais contra o papa Franciscodiversos temas", observa Faggioli. "E fazem parte da mesma maioria que nos últimos 10 ou 20 anos se tornou incrivelmente politizada e alinhada com o Partido Republicano."
Oposição ao papa Francisco
A ala conservadora da Igreja Católica americana reúne pelo menos metade dos bispos do país e é conhecida poroposição ao papa Francisco, que defende uma postura menos rígidarelação a fiéis que se afastaram da doutrina.
Desde que assumiu o comando do Vaticano,2013, o papa deu destaque a questões sociais, incentivando os fiéis a cuidar dos pobres, acolher imigrantes e combater mudanças climáticas, demonstrou tolerância a homossexuais e abriu caminho para que católicos divorciados ou casados novamente recebam a comunhão.
Mas muitosseus críticos temem que a visãouma Igreja mais liberalrelação a esses temas leve a um enfraquecimento da religião.
Assim como os bispos americanos, o papa Francisco também se opõe ao aborto, considerado pela Igreja um "pecado mortal". Mas o papa e outras lideranças no Vaticano preferem o caminho do diálogovezuma proibição como a proposta por parte dos bispos nos Estados Unidos.
Críticos dessa proposta dizem que impedir políticos católicoscomungar por causasua posiçãorelação ao aborto tem motivação mais política do que religiosa.
O papa já chegou a declarar que "a Eucaristia não é um prêmio para os santos, mas sim o pão dos pecadores".
Em uma rara intervenção pública do Vaticano sobre a disputa na Igreja americana, o cardeal Luis Ladaria, secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, enviou uma carta ao arcebispoLos Angeles, José Gomez, que é presidente da USCCB, pedindo cautela e alertando para as consequênciasapressar uma decisão.
Ladaria pediu diálogo entre os bispos americanos para "preservar a unidade da conferência episcopal diantediscordância sobre esse assunto controverso".
Em uma demonstração da divisão interna provocada pelo tema, 67 bispos americanos pediram que a discussão fosse adiada até que pudessem participarum encontro pessoalmente. Mas os idealizadores da reunião virtual desta semana decidiram manter o tema na agenda.
Debate antigo
O debate sobre negar a comunhão a políticos pró-aborto não é novo nos Estados Unidos. Há décadas a ala conservadora da Igreja Católica no país busca fazer da oposição ao abortoprioridade e questão religiosa central.
Em 2004, um grupobispos conservadores já havia tentado impedir que o então candidato presidencial democrata John Kerry recebesse o sacramento por esse motivo. Kerry era o primeiro católico a concorrer à Presidência por um dos grandes partidos americanos desde o assassinatoKennedy.
Na época, a posição dos bispos conservadores americanos tinha apoio do cardeal Joseph Ratzinger, que2005 se tornaria o papa Bento 16. Mas a decisão final foi aque cada bispo teria autonomia para decidir se permitiria ou não políticos pró-abortocomungar.
O próprio Biden já teve a comunhão negadauma igreja na Carolina do Sul2019, quando era candidato, por causasua posiçãorelação ao aborto. Sua chegada à Casa Branca aumentou a urgência com que alguns setores da Igreja no país veem a questão.
Biden substituiu o republicano Donald Trump, que durante seu governo adotou diversas medidas restringindo o aborto e nomeou centenasjuízes contrários à prática para os tribunais do país, entre eles três para a Suprema Corte, a mais alta instância da Justiça americana e que tem o poderdecidir o futuro do aborto no país.
Desde que assumiu o poder, Biden reverteu algumas das restrições adotadas durante o governo Trump. Além disso,presidência marca um momentoque os democratas vêm fortalecendodefesa do aborto, posição atualmente compartilhada por quase todos os políticos do partido.
"Na época (de Kerry) a situação era diferente, porque não era um presidente católico, (apenas) um candidato", salienta Faggioli.
"Agora, seria uma declaraçãoguerra da Conferência dos Bispos contra o presidente, e também uma demonstraçãoque eles não levam a sério o que vem do Vaticano a respeito dessa questão."
Impacto
Para Faggioli, o esforçocurso nos Estados Unidos é únicotermos históricos e "mais americano do que católico".
"Há exemplos no passadorelações difíceis entre a Igreja Católica e chefesEstado", ressalta. "Mas nunca houve esse tipodiscussão públicaalto nível, envolvendo toda uma conferênciabispos, para planejar punir um presidente católico por causasuas opiniões."
O atual movimento é encabeçado por nomes influentes da ala conservadora da Igreja Católica americana. AlémGomez, fazem parte dessa lista o cardeal Raymond Burke e o arcebispo Salvatore Cordileone,San Francisco, entre vários outros.
"É fundamentalmente uma questãointegridade", declarou Cordileonemaio,um recado não apenas para Biden, mas também para a presidente da Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados), a democrata Nancy Pelosi, que é católica, defende o direito ao aborto e frequenta a igrejaSan Francisco.
"Na liturgia Católica, receber o Sacramento Sagrado é abraçar publicamente a fé e os ensinamentos morais da Igreja Católica, e desejar viveracordo (com eles)", afirmou Cordileone.
Muitos dos defensores da proibição temem que o exemplo dos políticos possa influenciar outros fiéis. Mas vários dos opositores da proposta acreditam que os líderes religiosos devem conversar com esses políticos reservadamente sobre como seu apoio ao aborto vai contra os valores da Igreja.
Para Faggioli, o debate atual traz o riscoalienar ainda mais uma parcela dos fiéis que já vêm se afastando da Igreja.
"O simples fatoque houve essa reunião e a narrativatorno desse debate é um problema muito sério. Porque dá a impressãoque esta é uma convençãoum partido político."
Faggioli ressalta que um documento defendendo a exclusãoBiden ououtros políticos católicos da Eucaristia terá efeito na população católica geral do país.
"O que Biden diz sobre aborto é o que cercametade dos católicos americanos também acreditam", afirma.
Segundo o institutopesquisas Pew Research Center, 67% dos católicos americanos dizem que Biden não deve ser impedidocomungar por causasua posição sobre o aborto. Outra pesquisa do instituto,2019, indica56% dos católicos americanos acreditam que o aborto deveria ser legal na maioria dos casos.
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