'Fui arrancada dos braçosgreenbets loginminha mãe': os bebês roubados na ditaduragreenbets loginPinochet no Chile:greenbets login
"Para mim, a escola na Suécia não foi tão difícil, talvez porque eu era uma criança e as pessoas eram mais gentis comigo. Mas para meu irmão foi muito mais difícil."
Daniel diz que tinha que lidar com comentários, provocações e apelidos por causa da corgreenbets loginsua pele e por ser adotado.
"Me chamavamgreenbets login'Daniel, o moreno', para me diferenciargreenbets loginoutro Daniel da escola", afirma.
"Eu era muito infeliz e sempre me senti um intruso na escola. Não só as crianças me intimidavam, mas também os adultos. Acho que muito disso era produto do racismo que nos cercava. Éramos as únicas crianças diferentes na escola."
'Adoção' no Chile
A mãe adotivagreenbets loginMaria trabalhava como assistente socialgreenbets loginuma escola primária. Seu marido era engenheiro. Como não podiam ter filhos, decidiram dar "uma vida melhor" a dois filhos sem paisgreenbets loginpaíses pobres.
Graças ao trabalho do engenheiro, o casal já havia estado na Argentina, no Brasil, no Uruguai e no Paraguai. Eles tinham conhecidos no Chile.
Eles queriam adotar crianças da região. Naquela época, Chile e Colômbia eram os países mais comuns para se fazer adoçãogreenbets logincrianças.
Como muitos outros suecos da época, eles contataram uma agência patrocinada pelo governo local e juntaram todos os documentos necessários, que foram então enviados ao Chilegreenbets login1974, ainda quando Maria nem havia sido concebida.
Roubogreenbets loginbebês
Em 1973, dois anos antes do nascimentogreenbets loginMaria, um golpegreenbets loginEstado havia derrubado o governo democráticogreenbets loginSalvador Allende. O general Augusto Pinochet estabeleceu um regime militar que durou até 1990 e que cometeu graves violações dos direitos humanos.
"A violência começou com a repressão e o desaparecimento da esquerda e dos adversários, mas depois assumiu diferentes formas", explica Danny Monsálvez, professorgreenbets loginHistória e pesquisador da Universidadegreenbets loginConcepción.
O historiador especialista no regimegreenbets loginPinochet afirma que o roubogreenbets loginbebês "fazia partegreenbets loginuma política".
"Não foram casos isolados. No processogreenbets loginadoção houve instituições estaduais vinculadas, como o Registro Civil. Eles levaram criançasgreenbets loginfamílias 'vulneráveis', isto é, famílias pobres, por meiogreenbets login'enganos'."
Neste contexto, milharesgreenbets logincrianças foram entregues para adoção por famíliasgreenbets logintoda a Europa: Maria e Daniel foram duas das muitas vítimas desta prática.
Irregularidades no Chile
- No iníciogreenbets login2018, o ex-ministro do Tribunalgreenbets loginJustiçagreenbets loginSantiago, Mario Carroza, começou a investigar cercagreenbets login500 casosgreenbets loginadoções irregulares ocorridas entre 1970 e 1990.
- Ao final daquele ano, o Tribunalgreenbets loginApelações do Chile já havia estimado que cercagreenbets login7,5 mil adoções ocorridas naquela época poderiam ter sido ilegais.
- Em setembrogreenbets login2018, após pressãogreenbets loginvários grupos, a câmara baixa do Congresso chileno criou uma comissão para investigar as muitas acusações.
- Em julhogreenbets login2019, a comissão especial publicou um relatóriogreenbets login144 páginas que discute cercagreenbets login20 mil casosgreenbets logincrianças chilenas que foram adotadas por casais estrangeiros durante o governo Augusto Pinochet.
- A prática consistiagreenbets loginenganar as mães. Geralmente, dizia-se a elas que seus bebês haviam morrido.
- Em alguns casos, houve ajudagreenbets loginjuízes, autoridadesgreenbets loginimigração, notários, figuras religiosas e instituições governamentais,greenbets loginacordo com o mesmo relatório.
- A maioria das crianças acabou na Suécia, Itália, Estados Unidos, Holanda, França e Alemanha.
A notícia que mudou tudo
A infânciagreenbets loginMaria passou sem muitas novidades, mas quando ela tinha 11 anos, uma notícia virougreenbets loginvida ao avesso.
"Meus pais sempre me disseram que eu tinha uma mãe chilena e que ela não podia cuidargreenbets loginmim. Mas um dia eles me mostraram os documentos (de adoção) e eu descobri que tinha um irmão mais velho no Chile e isso tinha um significado enorme para mim."
"Foi difícil assimilar que eu tinha um irmão que havia crescido com minha mãe, quando fui enviada para a Suécia. Eu não entendia", acrescenta. Daquele diagreenbets logindiante, ela ficou obcecadogreenbets loginencontrá-los.
Embora por ser muito jovem ainda não pudesse fazer muito, começou a ler a imprensa chilena e a pesquisar a cultura e a históriagreenbets loginseu país natal. Ela também teve aulasgreenbets loginespanhol assim que pôde.
Aos 19 anos, ela contatou a Adoptionscentrum, a organização do governo sueco que havia facilitadogreenbets loginadoção.
Depoisgreenbets loginmesesgreenbets loginbusca, a entidade informou que não haviam encontrado vestígiosgreenbets loginsua mãe, mas recomendaram que ela escrevesse uma cartagreenbets loginespanhol para enviar ao Serviço Nacionalgreenbets loginMenores do Chile (Sename).
"Escrevi uma carta na qual me descrevia, coloquei lá tudo que sabia sobre mim e especifiquei que queria encontrar minha mãe."
Um ano depois, o Sename respondeu que nada poderia fazer. Eles sugeriram que ela viajasse para o Chile e comparecesse ao Tribunalgreenbets loginFamília que havia aprovadogreenbets loginadoçãogreenbets login1975. E ela economizou dinheiro e foi ao Chile assim que conseguiu.
'Pessoas como eu'
Maria desembarcou no Chile durante o invernogreenbets login1998, e ainda é difícil para ela descrever aquele momento.
"Desde o momentogreenbets loginque saí do avião, disse a mim mesmo: 'Esta é a minha casa'. Foi muito bom estar rodeadogreenbets loginpessoas que se pareciam comigo. Ainda me lembro até do cheiro. Não sei como explicar. Ir para o Chile foi a melhor coisa que fiz na minha vida. "
Ela alugou um apartamento no centrogreenbets loginSantiago por algumas semanas, enquanto frequentava aulasgreenbets loginespanhol para estrangeirosgreenbets loginuma universidade local.
Ela lembra que seus professores eram chilenos que haviam vivido na Europa durante a ditadura e pareciam entendê-la muito bem.
"Nos finsgreenbets loginsemana eles nos levavam para a praia, nos convidavam para suas casas, cuidavamgreenbets loginnós. Éramos adultos, mas nos tratavam como se fôssemos seus filhos."
Quando se sentiu pronta, ela viajou para Temuco, capital da regiãogreenbets loginAraucanía, no sul do Chile, compareceu ao tribunalgreenbets loginfamília local e pediu para ver os documentos.
Paragreenbets loginsurpresa, eles o informaram que não estavam autorizados a entrega-los a ela.
"Eu estava diantegreenbets loginuma secretária que, segurando os papéis que continham as informações que procurava, me disse: 'Esses são seus documentos, mas não posso mostrar a você'."
Adoções na Suécia
- A Suécia tem um dos maiores númerosgreenbets logincrianças adotadas per capita do mundo.
- Em fevereirogreenbets login2021, o país europeu anunciou que iria lançar uma investigação sobre as adoções internacionais ocorridas entre as décadasgreenbets login1970 e 1990,greenbets loginmeio a inúmeras acusaçõesgreenbets loginque muitas crianças poderiam ter sido tiradas ilegalmentegreenbets loginseus pais biológicos.
- O Chile está investigando atualmente cercagreenbets login100 adoções vinculadas à Suécia.
- A agência Adoptionscentrum nega as acusaçõesgreenbets loginestar "envolvidagreenbets loginnegócio criminoso para lucrar", alegando que sendo ONG "não é uma entidade que visa ganhar dinheiro" e que por cada processo cobrava cercagreenbets loginUS$ 1,1 mil nos anos 70 e US$ 3,5 mil nos anos 80, valores que representavam "os custos reaisgreenbets loginadoção".
Maria levou vários anos para descobrir o paradeirogreenbets loginsua mãe egreenbets loginseus irmãos.
Depoisgreenbets loginTemuco, ela viajou paragreenbets loginterra natal, Lautaro, para visitar o hospital onde havia nascido e o orfanato onde suspeitava ter ficado quando bebê. Em nenhum havia registrosgreenbets loginseu passado.
Ela voltou a Santiago com um sentimento estranho: "Visitei todos aqueles lugares e nenhum deles me deu informações sobre minha adoção ou minha família biológica".
Na capital, porém, ela recebeu uma nova dica: a agênciagreenbets loginadoção sueca, com a qual estavagreenbets loginconstante comunicação, disse-lhe que depois do nascimento ela havia sido acolhida por uma cuidadora, partegreenbets loginuma dezenagreenbets loginmulheres que hospedavam criançasgreenbets loginprocessogreenbets loginadoção.
"Eu esperava encontrar uma pessoa calorosa, acolhedora e disposta a me ajudar. Mas acabou sendo uma mulher fria que me disse que não se lembravagreenbets loginnada sobre as meninas que haviam ficado com ela. Ela explicou que eram cercagreenbets login400 e que não tinham documentação delas."
'Preciso te mostrar'
Pouco antesgreenbets loginretornar à Suécia, ela finalmente conseguiu encontrar uma informação concreta.
"Uma senhora do Registro Civil que claramente queria me ajudar, me levou para um lugar atrásgreenbets loginseu escritório e me disse que não poderia me dar o endereçogreenbets loginminha mãe, mas me garantiu que ela ainda morava no sul do Chile, e que tinha casado e tido outros filhos. "
Maria deu à Sename o nomegreenbets loginsua mãe (que ela prefere mantergreenbets loginsigilo e a quem chamagreenbets login"Aguadulce", a traduçãogreenbets loginseu sobrenomegreenbets loginorigem indígena).
"Senti que realmente precisava encontrar minha família. Fazia três anos que havia começado a procurá-la. Fui ao Chile conforme aconselhada, fiz tudo que pude e não pude", detalha.
"Eu sabia que minha mãe tinha me colocado para adoção, mas senti a necessidadegreenbets loginmostrar a ela quem eu havia me tornado."
O endereço
Um ano depois, ela recebeu uma nova ligação da agênciagreenbets loginadoção da Suécia dizendo que as autoridades chilenas haviam finalmente encontrado o endereçogreenbets login"Aguadulce".
Mas por vários motivos, incluindo a localização remota da casa, sógreenbets login2003 é que alguém bateu àgreenbets loginporta.
O contato foi feito graças à gestãogreenbets loginAna María Olivares, jornalista chilena que trabalhougreenbets loginum documentário sueco no qual ajudou duas pessoas a se reconectar com suas famílias biológicas. Maria havia escrito uma carta contando sobre seu caso.
Olivares lembra que quando soube da grande quantidadegreenbets loginjovens adotivos chilenos que procuravam suas origens, não pôde recusar.
"Todos eles tinham histórias muito comoventes e eram da minha idade, ou um pouco mais jovens, então foi fácil me colocar no lugar deles", disse ela.
Maria deu o endereçogreenbets loginsua mãe e a jornalista viajou para o sul do Chile, mas depoisgreenbets loginvários dias indogreenbets logincasagreenbets logincasa,greenbets loginuma área onde as casas não tinham números exatos, ela não conseguiu encontrar a mulher.
A verdadeira história
Finalmente Francisco Rivas, um tiogreenbets loginOlivares que vivia na região, encontrou "Aguadulce".
"A mãe ficou muito feliz, mas muito nervosa porque não queria que seu atual marido soubesse da existência daquela filha. Aí ela comentou quegreenbets loginfilha havia sido tirada dela assim que ela nasceu, no hospital, e nunca mais teve notícias dela", diz Olivares. "Ela era uma mulher pobre e praticamente analfabeta."
Maria relata que o tiogreenbets loginOlivares escreveu-lhe um longo e-mail com muitos detalhes sobre o quegreenbets loginmãe lhe contara. No email, ela descobriugreenbets loginverdadeira história.
"Descobri que tinha mais três irmãos. Alguns sabiam da minha existência, mas meu irmão mais velho não."
Maria teve dificuldadegreenbets logindigerir as informações e, ao ler, centenasgreenbets loginperguntas surgiram. Essa nova versão não correspondia aos papéisgreenbets loginadoção quegreenbets loginmãe havia assinado.
"Foi assim que descobri que minha mãe não me entregou para adoção como eu sempre pensei. Ela foi forçada a aceitar que eu fosse tiradagreenbets loginseus braços."
Então, ela descobriu que "Aguadulce" não sabia ler nem escrever. Sendo assim, como ela poderia ter entendido e assinado os documentosgreenbets loginadoção, perguntou a si mesma.
"Aguadulce" explicou a Francisco Rivas que a então chefe dela e alguns assistentes sociais estiveram envolvidos na decisão e que ela não teve voz na escolha.
"Minha mãe também não tinha idade para fazer isso. Ela tinha apenas 19 anos."
Até 1978, as meninas com menosgreenbets login21 anos precisavam ter a assinatura dos pais no Chile para dar um bebê para adoção. Isso não aconteceu no casogreenbets loginMaria.
O reencontro comgreenbets loginirmã
Aos poucos, Maria foi ligando os pontos. "Aguadulce" era empregada doméstica na casagreenbets loginuma família rica. Seu filho mais velho morava com os avós no campo, e o plano da mãe solteira era enviar Maria para ficar com eles.
Como muitas mulheres emgreenbets loginsituação, ela continuaria a trabalhargreenbets loginsegunda a sexta-feira e visitaria seus filhos nos finsgreenbets loginsemana. Mas ela nunca mais viugreenbets loginfilha.
"Aguadulce" casou-se e teve outros filhos. E ela ainda não disse ao marido que teve uma filha há 46 anos, que cresceu na Suécia e mora nos Estados Unidos desde 2011.
Maria voltou ao Chilegreenbets login2005 com seu bebê e seu marido, por três semanas. Desde 2003 ,estágreenbets logincontato comgreenbets loginirmã mais nova, Gabriela, e, nessa viagem, elas se conheceram emgreenbets logincasagreenbets loginLautaro. "Tivemos uma conexão imediata", lembra Maria.
Presumia-se que nessa data encontraria também "Aguadulce", mas ela não apareceu. Mais tarde, ela soube que ainda não se sentia pronta.
Gabriela morreugreenbets logincâncergreenbets login2007, dois anos depois daquele encontro, quando tinha apenas 28 anos.
greenbets login Eles disseram a el greenbets login a greenbets login que Daniel estava morto
Ao contráriogreenbets loginMaria, Daniel nunca fez nenhum esforço para se reconectar comgreenbets loginfamília no Chile. "Ele não quis procurá-la porque sentiu quegreenbets loginmãe o abandonou quando ele tinha apenas 2 diasgreenbets loginvida", dizgreenbets loginirmã.
Quando Maria olhou os documentosgreenbets loginDanielgreenbets logindetalhe, ela percebeu que eles também não faziam muito sentido. "Achei que havia algo errado e decidi procurar a mãe dele semgreenbets loginpermissão."
Por meiogreenbets loginAna María Olivares, ela descobriu que a mãegreenbets loginDaniel havia sido informadagreenbets loginque seu bebê morrera no dia seguinte ao nascimento.
"Saber que ela estava viva e que tinha sido roubado causou-lhe um grande choque. Foi algo muito terrível", recorda Olivares.
Daniel tinha 42 anos quando conheceugreenbets loginmãe. "Foi a primeira vez na minha vida que me senti verdadeiramente vivo, que me senti como uma pessoa real."
Ele afirma que ainda está "processando" o fatogreenbets loginque foi um bebê roubado.
"Quando penso nisso, parece mentira para mim. É algo que você veriagreenbets loginum filme ou um livro. Não sei como lidar e isso me machuca muito", diz ele.
"Eles não só me roubaram do hospital, como também roubaram minha identidade e ainda estou procurando por isso", diz ele.
Ele chegou ao Chile há quase dois anos e planejava ficar lá por cercagreenbets loginseis meses, mas a pandemia atrasou seus planosgreenbets loginretornar à Suécia. Ele ainda está reunido comgreenbets loginfamília biológica na América do Sul.
Meta não cumprida
Maria ainda não conhece "Aguadulce", embora elas tenham se falado por telefone. Em 2016 ela se reuniu com seus irmãos e disse que foi "fantástico" poder passar um tempo com eles e suas respectivas famílias.
Agora, ela estágreenbets loginDallas esperando que a pandemia passe para que possa finalmente conhecergreenbets loginmãe. Foi um processo mais complexo do que esperava. "Quando você está separadogreenbets loginalguém por tanto tempo, fica cada vez mais difícil dar esse passo", explica ela.
Em 2019, foi realizado um testegreenbets loginDNA no qual ela descobriu que era 98,7% indígena. "Minha mãe (chilena) nunca quis falar sobre meu pai, mas sempre presumi que fosse mestiço. Então, quando recebi o resultado do exame, fiquei chocada. Eu tinha 44 anos quando percebi que eu era quase totalmente mapuche. Isso significa que meus filhos são meio indígenas!"
"Estou feliz e orgulhosagreenbets loginser mapuche, só me entristece não saber disso antes", confessa.
Há quase um ano, ele tem aulasgreenbets loginMapudungun, o idioma desse povo. Ela diz que aprender a língua a está ajudando a entendergreenbets loginonde ela vem.
Os mapuches representam cercagreenbets login10% do total dos 19 milhõesgreenbets loginhabitantes do Chile. A maioria deles vivegreenbets logináreas rurais pobres no sul.
Muitos dos bebês roubados durante o regime militar pertenciam a esse grupo étnico.
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