‘Criava disfarces para espiões da CIA’: o fascinante trabalhouma americana na Guerra Fria:
Esse foi apenas o iníciouma carreira26 anos na CIA, na qual Mendez ascendeu e viajou o mundo como técnicafotografia e finalmente como diretorafigurinomeio à Guerra Fria.
Depoisse aposentar,1993, ela reuniu suas experiênciaslivros como In True Face, Spy Dust e The Moscow Rules. Os dois últimos ela coescreveu com seu segundo marido, Tony Mendez, um agente da CIA conhecido pela história que deu origem ao filme Argo, e com Bruce Henderson e Matt Baglio.
Além disso, ela foi uma das fundadoras e membro do conselho do Museu InternacionalEspionagemWashington D.C. por mais20 anos.
A BBC News Mundo (serviçoespanhol da BBC) conversou com Mendez sobre seu trabalho, e aqui contamoshistóriaprimeira pessoa.
As pessoas costumam pensar que um disfarce é uma peruca, um bigode. Mas é muito mais do que isso.
Na CIA, podíamos fazer estruturas dentais que mudavam a aparência do seu rosto. Se você tivesse dentes perfeitos, poderíamos obter dentes terríveis e vice-versa, e você passaria a usá-los todos os dias.
Tivemos que aprender a fazer coisas que só o seu dentista saberia, como moldes dentários, trabalhar com utensílios. Esse era o níveldetalhe. Mas isso era apenas uma pequena parte do que fizemos para que os disfarces funcionassem corretamente.
Um disfarce ruim é pior do que não ter disfarce. Se alguém perceber que você está disfarçado, você estáapuros. Então, passamos muito tempo aprimorando nossas técnicas.
Um bom disfarce vai além do rosto. As pessoas têm características únicas, das quais não têm consciência e que às vezes podem denuncia-las.
Como agente disfarçado, se você vier ao meu laboratório, tenho que levarconsideração todos os seus aspectos, incluindo seus gestos. Se você mexe muito as mãos, tenho que lhe dar algo para segurar com as mãos e não movê-las mais.
O disfarce poderia mudar a maneira como alguém andava com algo tão simples como colocar uma pedra no sapato. Ou poderia colocar uma ataduraum joelho.
As pessoas não conseguem manter uma maneira diferenteandar por muito tempo do que normalmente fazem. Em algum momento relaxam e esquecem, então, algum elemento físico deve ser incluído para ajudar.
Normalmente, nossos disfarces não faziam você parecer melhor. Eles faziam você parecer diferente.
Mas, como explicamos antes, a históriaMendez na CIA não começou com disfarces.
Muito antesassumir o comando dessa área, ela voltou da Alemanha para os Estados Unidos com o então marido e continuou trabalhandoum cargo administrativo na CIA, até que se cansou, e seu chefe sugeriu que ela fizesse um dos cursosfotografiainteligência.
Mendez concordou e acredita que aquele momento foi fundamental emhistória na CIA. Eis o que ela conta sobre o que aconteceu depois.
Começandoum avião
Como parte do cursofotografia, tive que entrar num avião, com as portas abertas, com presilhas e uma câmera grande para ver se enquanto balançava dentro do avião eu conseguia tirar fotoscoisas como a placaum carro.
Decidi que, se isso fosse o que eu pudesse fazer, ficaria com a CIA. Esse foi realmente o início da minha carreira, no final dos anos 1960. Então, me tornei especialistafotografia.
Viajei o mundo, treinando estrangeiros para reunir informaçõesinteligência para o governo dos Estados Unidos. Ensinei-lhes maneiras diferentesse manterem seguros ao fazer isso, porquealguns países, se eles fossem pegos fazendo isso, seriam mortos. Como na Rússia. Então foi um trabalho muito interessante. Eu gostava muito.
Depoisum tempo, me mandaram para substituir alguémum país do que chamarei"subcontinente".
Eu me apaixonei por aquele lugar. Tudo, a comida, a música, o clima e, quando terminei o que fazia ali, eu não quis voltar. Então, pedi à CIA que me enviasseuma missão lá.
Disseram-me que não havia vagafotografia, mas que haveria uma posição para trabalhar com disfarces dali a alguns anos.
Eu pensei: "Então talvez eu possa ser um agentedisfarces daqui a dois anos." Eles concordaram, e foi o que fizemos.
Quando olho para trás, digo a mim mesma: "O que eu estava pensando?". Mas, ao mesmo tempo, sei que estava ouvindo meu coração, que estava me dizendo que eu precisava passar um tempo naquele lugar e entendê-lo melhor.
Então treinei por dois anos, me tornei agentedisfarces e fui para aquela parte do mundo. Foi um treino intenso.
'Nossas máscaras precisava ser perfeitas'
Meu principal projeto na áreadisfarces era aprimorar a tecnologiamáscaras. Em uma máscara, você pode usar tudo: cabelo diferente, maquiagem diferente, tompele diferente.
Quando cheguei, havia máscaras, mas eramdublêHollywood. Não dava para chegar perto, porque dava para ver o que eram.
Trabalhei com cientistas, porque precisávamos melhorá-las. Nossas máscaras tinham que ser perfeitas, não dava para demorar uma hora para colocá-las, era preciso colocá-lasmenosum minuto. Você tinha que ser capazcolocá-laum estacionamento escuro e sem espelho.
Tínhamos que encontrar materiais, tecnologias. Demorou dez anos, que foram os meus dez anos lá como diretorafigurino. Foi um ótimo trabalho. Criamos máscaras com as quais você não perceberia que eu estava usando uma.
Depoisconseguir criar essa máscara, você pode começar a criar dublês dos agentes. Ou seja, alguém pode estardois lugares ao mesmo tempo (mas na verdade é alguém disfarçadovocê).
Então, se você está preocupadoser seguido, graças às máscaras, você tem uma grande chanceenganar,fazer eles pensarem que estão te seguindo, mas, na realidade, não é você. Você estáoutro lugar, realizandomissão.
Improviso
Certa vez, quando eu estava no "subcontinente", houve uma operaçãoum país próximo para o qual acabei indo sem os equipamentosque precisava para cumprir minha missão, uma missãodisfarces.
Devíamos entrarum "complexo estrangeiro" e roubar um equipamento que era muito precioso.
Normalmente, o complexo era bastante protegido, mas faríamos issoum fimsemana, quando as pessoas que administravam aquele lugar não estariam ali, porque tínhamos feito com que elas se afastassem ao ser convidadas para algo muito importante.
Um estrangeiro que trabalhava naquele país ia nos ajudar a entrar naquela sala. Mas, se eles o reconhecessem, eles o prenderiam. Então, tivemos que criar um disfarce para ele.
Mas ia ser difícil porque ele tinha parte do rosto desfigurada e não tinha instrumentos comigo para esconder isso.
Era um país onde não havia shopping center, então, liguei para o escritório da CIA e disse "peça às suas mulheres que me mandem toda a maquiagem delas, tudo o que elas têm."
Consegui algo para o rosto, mas tive que transforma-lo muito mais. Eu tinha que envelhecê-lo, e consegui. Polvilhei pó para pésseu cabelo. Fiz o cabelo dele ficar bem grisalho, coloquei bigode nele, apaguei a marcaseu rosto e coloquei óculos.
Estava totalmente diferente. Ele nos fez entrar no complexo, e saímos com a peçaque a inteligência americana precisava.
Voltei para os Estados Unidos e falei com Tony Mendez (com quem eu casaria depois, mas ainda não sabia, senão teria sido mais legal com ele), e ele me disse para contar como havia sido a operação.
Mas respondi que não estava autorizada a fazê-lo, e ele respondeu: "Deixe-me falar sobre a operação. Não precisávamos da peça, apenas precisávamos que eles acreditassem que precisávamos da peça."
Às vezes, você pensa que sabe o que está fazendo, mas realmente não tem ideia do que eles estão planejandooutros níveis da CIA.
Moscou, o lugar mais difíciltodos
Nossas situações mais difíceis foramMoscou, por isso foi ali que adotamos nossas soluções mais exclusivas. Precisávamosações especiais porque a vigilância ali era muito grande, 24 horas por dia, 7 dias por semana.
Se estivéssemos andando na rua, espiões estavam bem atrásnós. Se estávamos dirigindo, eles estavam atrásnós. Se estivéssemos trabalhando, estavam sentados ao lado. Nossos apartamentos tinham equipamentosescuta.
Não havia nenhum lugarMoscou que você pudesse garantir que estava sozinho, exceto por um lugar específico na embaixada, que era feitoblocosplástico transparente, então, você não poderia colocar um microfone porque ele seria visto.
Além disso, havia um dispositivo, que surgiu com Tony, que começamos a usar naquela cidade, chamado "Jack na caixa", que era um manequim que saíauma caixa.
Alguém entrava no carro com uma pasta, sentava-se no banco do carona e colocava a pasta no chão. No momentoque precisasse sair, o passageiro descia, e o motorista pressionava um botão, o manequim surgia com o mesmo rosto do passageiro que acabarasair, o mesmo cabelo, as mesmas roupas.
Era como uma coreografia quando você precisava escapar da vigilância na rua.
'O espião1 bilhãodólares'
Um dos nossos casosMoscou foi oAdolf Tolkachev, provavelmente o espião mais importante que tínhamos lá.
Ele nos deu informações, pouco a pouco, dos planos da União Soviética para a nova geraçãoradares, aéreos e terrestres dos dez anos seguintes. Isso significava que o Pentágono era capazdesenvolver contramedidas com antecedência.
Tolkachev era conhecido como o "espiãoum bilhãodólares" porque calcularam que ele havia economizado para o DepartamentoDefesa maisUS$ 1 bilhãopesquisa e desenvolvimento para descobrir o que os soviéticos iriam construir.
Mas encontrar esse homemMoscou era quase impossível. Estávamos preocupados que a KGB nos seguisse. Foi uma situação muito difícil.
Uma vez, não conseguimos contata-lo. Ele não apareceu, e não sabíamos o que fazer. Então, decidimos que alguém deveria bater na porta, mas essa pessoa deveria driblar a vigilância.
Então, colocamos dois casais na embaixada americana para falar ao telefone sobre uma festaaniversário a que eles iriam. Sabíamos que os soviéticos estavam ouvindo, e queríamos que soubessem que havia uma festaaniversário.
Na noite da suposta festa, os dois casais saíramum carro, e uma das mulheres um boloaniversário. Os dois homens iam na frente e as mulheres atrás.
Eles seguiram o caminho planejado e, depoisuma segunda curva à direita, o passageiro abriu a porta, as luzes do carro não se acenderam. O passageiro saiu, a mulher no bancotrás se inclinou e colocou o bolo no banco do passageiro. O motorista apertou um botão, e um manequim saltou do boloaniversário.
Quando a vigilância da KGB apareceu atrás deles depoisdobrar a esquina, tudo o que viram foi um homem idoso caminhando (que na verdade era o agente que acabarasair do carro disfarçado). Foi assim que nosso agente conseguiu bater à portaTolkachev. Foi uma ótima operação.
'Eu não precisavadisfarces'
Eu não morava no país onde trabalhava. Você nunca vive no país no qual trabalha. Como residente, você fica um pouco limitada (porque pode ficar conhecido por agentes locais).
Ficávamos indo e vindo, mas sempre tentando não estabelecer um padrão.
Nunca usei meu nome verdadeiro para viajar. Sempre estive disfarçada durante toda a minha carreira.
Porém, mais do que disfarces, o que eu precisava era uma documentação [falsa]. Cada país tem seus registros. Eles sabem quem tem visto, sabem como deve ser um visto.
Eles estavam mais interessados nos meus documentos, não no meu rosto. Eu realmente não precisavaum disfarce. Ninguém estava olhando para mim.
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