Lockdown causa depressão e suicídio? O que um anoblaze cocovid-19 nos revela sobre saúde mental:blaze co

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Legenda da foto, Pelo que foi observado até o momento, a maioria das pessoas se mostrou muito resiliente e conseguiu se adaptar à nova rotina imposta pela pandemia

Num discurso feito aos seus apoiadores na frente do Palácio do Planalto na manhã da última sexta-feira (19/03), o presidente voltou a abordar o assunto:

"O caos vem aí, a fome vai tirar o pessoalblaze cocasa, vamos ter problemas que nunca esperamos ter, problemas sociais gravíssimos. Tenho mantido todos os ministros informados sobre o que está acontecendo. E ainda me culpam, como se eu fosse um insensível no tocante a morte. A fome também mata, a depressão tem causado muito suicídio no Brasil. Onde nós vamos parar?", questionou.

O ponto é que, até agora, os cientistas não encontraram essa subida vertiginosa nos númerosblaze codepressão ou suicídio. Os estudos indicam que os casos continuam estáveis, apesarblaze cotodas as privações que o mundo está vivendo.

Mas como é possível explicar a capacidadeblaze coadaptação, a resiliência e o equilíbrio mental inesperado das pessoas num momentoblaze cotantas notícias ruins, dúvidas e incertezas sobre o futuro?

A diferença entre sentir e sofrer

Em maio e junhoblaze co2020, começaram a ser publicados os primeiros trabalhos que mediam a saúde psicológica e a qualidadeblaze covida das pessoas na pandemia.

Os dados não eram nada animadores: alguns estudos indicavam que quase metade dos entrevistados apresentavam sintomasblaze codepressão e ansiedade, enquanto outros detectaram um aumento preocupante no consumoblaze cobebidas alcoólicas e nas dificuldades para dormir.

Mas todas essas pesquisas traziam uma grande limitação: elas se baseavamblaze coentrevistas e enquetes feitas pela internet ou por telefone.

"Por mais que muitas dessas iniciativas tenham recrutado dezenasblaze comilharesblaze covoluntários, não havia comparação com a situação deles num período anterior, antes da covid-19", observa o psiquiatra Andre Brunoni, professor associado da Faculdadeblaze coMedicina da Universidadeblaze coSão Paulo.

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Legenda da foto, Especialistas apontam que, até certo ponto, é esperado sentir-se mal, triste, nervoso ou estressado dianteblaze cotantas mudanças provocadas pela pandemia. O problema é quando esses sentimentos perduram por dias (ou semanas) e atrapalham as atividades diárias

É possível especular, então, que esse tipoblaze coquestionário online ou por telefone chame mais a atençãoblaze coindivíduos que se sentem aflitos e preocupados com toda a situação. Com isso, as porcentagens podem ficar infladas e não refletem necessariamente a média da sociedade.

Outro defeito importante desses estudos: eles avaliaram sintomas, e não as doenças.

A diferença pode até parecer sutil numa análise superficial, mas ter sintomas depressivos ou ansiosos é absolutamente diferenteblaze copossuir um diagnósticoblaze codepressão ou ansiedade.

"É esperado sentir-se mal, triste, confuso e revoltado dianteblaze couma situação nova e ruim, como foi o aparecimento da covid-19. Mas há todo um processo entre esses sentimentos e o desenvolvimentoblaze coum transtorno mental", diferencia Brunoni.

Os especialistas têm uma sérieblaze cocritérios bem definidos e validados que são levadosblaze coconta antesblaze cofechar um diagnóstico desses.

O que a ciência descobriu?

Passado um ano desde que a pandemia foi oficialmente declarada, gruposblaze copesquisadores ao redor do mundo finalmente conseguiram avaliar as questõesblaze cosaúde mental com calma para obter resultados mais sólidos.

Um artigo aindablaze copré-print que foi escrito por cientistas da Universidadeblaze coLiverpool, na Inglaterra, e da Universidade Maynooth, na Irlanda, faz uma revisão sistemática e uma meta-análiseblaze cotudo que foi produzido sobre o tema até o momento.

Os especialistas selecionaram 65 estudos que acompanharam pacientes com doenças psiquiátricas diagnosticadas previamente e fizeram a comparação sobre a saúde mental deles antes e depois da pandemia.

Até foi observada uma piora dos sintomasblaze comarço e abrilblaze co2020, mas logo a situação se estabilizou e voltou aos níveis pré-coronavírus.

O mesmo fenômeno foi observadoblaze copelo menos duas outras pesquisas que utilizaram uma metodologia parecida, que é a que garante os resultados mais confiáveisblaze coacordo com o rito científico.

Uma investigação feita pelo Centro Médico da Universidadeblaze coAmsterdãblaze coconjunto com outras instituições holandesas não encontrou pioras consideráveis no quadro mentalblaze comaisblaze co1,5 mil indivíduos acompanhados durante o primeiro semestreblaze co2020.

Os participantes que já tinham um diagnóstico prévio, como depressão, ansiedade e transtorno obsessivo-compulsivo, apresentaram um impacto negativo, quando os resultados das avaliações foram comparados com análises feitas entre 2006 e 2016. Mas esse mesmo prejuízo não foi perceptível no grupoblaze coindivíduos saudáveis.

Um resultado parecido foi observado num terceiro estudo, liderado pelo Institutoblaze coSaúde Pública da Noruegablaze coparceria com outros órgãos internacionais, divulgadoblaze cofevereiro no periódico científico The Lancet Regional Health.

Aqui no Brasil, cientistas devem publicar nas próximas semanas um artigo que analisa a situação dos participantes do Estudo Longitudinalblaze coSaúde do Adulto, conhecido pela sigla Elsa.

O mecanismo foi o mesmo: eles compararam maisblaze co14 parâmetrosblaze cosaúde mental e dez tiposblaze codiagnósticos psiquiátricos colhidosblaze co2018 e, depois, durante a pandemia.

"Nós também não observamos elevações nesses indicadores", adianta Brunoni.

Os dados brasileiros completos já foram submetidos aos editoresblaze corevistas científicas e deverão ser publicadosblaze cobreve.

E o lockdown?

A tese defendida por Bolsonaroblaze coque fechar tudo aumentaria os casosblaze cosuicídio também não encontra respaldo na ciência.

Uma revisãoblaze coestudos assinada por especialistas da Universidadeblaze coBolonha, na Itália, e da Universidade Pace, nos Estados Unidos, analisou os achadosblaze co25 estudos, que envolveram maisblaze co72 mil pessoas.

"O impacto psicológico dos lockdowns durante a pandemia são pequenosblaze comagnitude e altamente heterogêneos, sugerindo que essas medidas não têm consequências prejudiciais uniformes à saúde mental e a maioria das pessoas mostrou-se resiliente a esses efeitos", concluem os autores.

Mais especificamente sobre o risco maiorblaze coatentar contra a própria vida, o trabalho ítalo-americano não encontrou qualquer relação significativa e chega até especular que "a pandemia pode ter mudado a forma como as pessoas enxergam a saúde e a morte e isso torne o suicídio menos provável".

Mas é claro que essas observações são generalistas e esse impacto pode ser absolutamente diferenteblaze cooutros contextos ou para indivíduos específicos.

'Terraplanismo psiquiátrico'

O médico e pesquisador Jose Gallucci-Neto, diretor do Serviçoblaze coECT e Vídeo-EEG do Institutoblaze coPsiquiatria do Hospital das Clínicasblaze coSão Paulo, classifica a não adoção do lockdown sob a justificativablaze coque isso vai aumentar os casosblaze cosuicídio como uma "falácia".

"O fenômeno do suicídio é complexo e multifatorial. Na maioria das vezes, não dá pra relacionar o ato a um episódio específico, como o lockdown", explica.

No dia 12blaze comarço, Gallucci-Neto e Brunoni escreveram uma colunablaze coopinião para o site do Instituto Questãoblaze coCiênciablaze coque descrevem os argumentos e preocupaçõesblaze coBolsonaro com a questão como "terraplanismo psiquiátrico".

"Terraplanistas não são apenas pessoas que não acreditam na esfericidade do planeta. O terraplanismo é um empirismo às avessas, uma negação sistemática das evidências científicasblaze coprolblaze covisões particulares, superficiais e opinativas, seja por ingenuidade, seja por perversidade. Após o terraplanismo clínico, imunológico e epidemiológico, a autoridade máximablaze conosso país eblaze cocoorte nos oferecem, agora, o terraplanismo psiquiátrico", apontam.

Numa transmissão ao vivo realizada no dia 11blaze comarço, o presidente chegou a citar um suposto casoblaze cosuicídio que teria relação com o lockdown e leu uma cartablaze codespedida da vítima.

Crédito, Marcos Corrêa/PR

Legenda da foto, Em discursos e transmissões ao vivo, presidente Bolsonaro diz que lockdown poderia aumentar casosblaze cosuicídio, mas isso até agora não foi observado pela ciência

Seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) foi além e postoublaze cosuas redes sociais a foto do corpo e da carta escrita à mão.

A atitude dos políticos vai na contramãoblaze cotodas as recomendações estabelecidas desde 1999 pela Organização Mundial da Saúde para a prevenção do suicídio.

Entre as diretrizes, a entidade orienta a não divulgar histórias detalhadas ou sensacionalistas sobre o suicídio, não descrever o método usado, não dar detalhes sobre o local e não divulgar fotos ou vídeos.

Um dia depois da live presidencial, a Associação Brasileirablaze coPsiquiatria (ABP) divulgou uma carta reforçando o cuidado necessário ao abordar o tema, mas não chegou a citar diretamente a açãoblaze coJair e Eduardo Bolsonaro:

"A ABP,blaze coconcordância com as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), reforçablaze copostura contrária ao compartilhamentoblaze conotícias sobre suicídio, especialmente àquelas que contenham informações explícitas sobre meio letal, fotografias, entre outros. Veículosblaze cocomunicação e pessoas,blaze coum modo geral, precisam ter cautela ao noticiar óbitos por suicídio ou compartilhar notícias."

A reportagem da BBC News Brasil procurou a ABP para realizar entrevistas com representantes da entidade, mas até o fechamento desta reportagem não obteve nenhuma resposta.

Então está tudo bem com o mundo?

O que as pesquisas mais recentes nos apontam é que, ao menosblaze co2020, aquela "quarta onda"blaze cotranstorno mentais que era prevista pelos especialistas não aconteceu na prática — graças à resiliência do ser humano e a despeitoblaze couma piora na qualidadeblaze covida eblaze coum esperado aumentoblaze cosentimentos como tristeza, frustração, raiva e nervosismo.

Mas é preciso destacar que alguns grupos foram mais atingidos que outros, como é o caso dos profissionais da saúde e as mulheres, que precisaram lidar com a sobrecargablaze cotrabalho.

E nada garante que esse tsunami não vá aparecer agorablaze co2021.

"A grande dúvida é o futuro. Será que conseguiremos manter a resistência e a resiliência que tivemos no ano passado?", questiona Gallucci-Neto.

O especialista aponta que o atual recrudescimento da pandemia no país pode ser um fator importante para uma eventual piora nos indicadoresblaze cosaúde mental. "O Brasil vive um cenárioblaze coque o númeroblaze cocasos e mortes dispararam, não há perspectivablaze comelhora no curto e médio prazo, não tem vacina, não tem coordenação nacional e não tem implementaçãoblaze comedidasblaze couma forma coesa. Isso gera uma insegurança muito grande na população", descreve.

E, por mais que medidas drásticas como o lockdown possam até ter um estrago psicológico, o risco à saúde públicablaze conão tomá-las neste momento é muito maior.

"Por ano, o Brasil registra entre 12 e 15 mil suicídios. Isso é o que está morrendoblaze copessoas toda a semana por covid-19", compara Gallucci-Neto.

"Para diminuir o impacto do fechamento, é necessário auxiliar e apoiar aquelas pessoas que não têm como trabalhar, como abrir seu comércio. Precisamos pensarblaze codiminuiçãoblaze coimpostos e fazer uma cobertura econômica que compense a perda financeira para que todos fiquem mais tranquilos e se sintam mais seguros", completa.

É impossível ser feliz sozinho?

Alémblaze coreforçar os cuidados preventivos contra o coronavírus, com o usoblaze comáscaras e o distanciamento social, a nova ondablaze corestrições exige atenção redobrada com a saúde mental.

"Esses cuidados envolvem medidas simples, como criar uma rotina adaptada à nova realidade, fazer atividade física, manter contato com amigos e familiares pela internet, ter bons hábitosblaze cosono e reservar momentos do dia para atividades que tragam prazer e relaxamento", recomenda o médico Antonio Egidio Nardi, professor titularblaze copsiquiatria da Universidade Federal do Rioblaze coJaneiro.

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Legenda da foto, Enquanto medidas mais restritivas são necessárias, uma saída para manter laços com amigos e familiares é utilizar ferramentas e aplicativosblaze covideochamadas. Outra recomendação é compartilhar informações cientificamente validadas, como o uso corretoblaze comáscaras

"A atenção com todos esses comportamentos diminui o riscoblaze codesenvolver quadros como depressão e ansiedade", completa o especialista, que também é membro da Academia Nacionalblaze coMedicina.

É claro que adotar todas essas medidasblaze couma hora para outra é algo bastante desafiador — e é natural ter dias mais atribulados e estressantes,blaze coque todo o planejamento vai por água abaixo.

A questão é quando esses incômodos passam do limite e começam a afetar a saúde e o bem-estar.

"Quando sintomas como tristeza, apatia, faltablaze coprazer, alteração do sono, mudanças no apetite, dificuldadeblaze coconcentração, pensamentos pessimistas, diminuiçãoblaze colibido e ideiasblaze coculpa e morte perduram por vários dias, é importante buscar a avaliaçãoblaze coum especialista", orienta Nardi.

O psicólogo ou o médico podem dar orientações personalizadas e, se for o caso, fazer o diagnósticoblaze codoenças psiquiátricas e prescrever o melhor tratamento.

"É importante saber e terblaze comente que uma hora a pandemia vai acabar, não é algo que vai ficar para sempre. Mas também não devemos nos preocupar demais com quando esse fim vai chegar, pois isso não está sob o nosso controle", raciocina Gallucci-Neto.

Mas há coisas que estão, sim, sob nosso controle, garante o especialista.

"Podemos ser pró-ativos e, por exemplo, ajudar nossos vizinhos e familiares com informações sobre o uso corretoblaze comáscaras e os cuidadosblaze coprevenção. Isso nos dá um sensoblaze copropósito e pertencimento que faz bem para a sociedade e para a nossa própria saúde mental", finaliza.

blaze co * O Centroblaze coValorização da Vida (CVV) dá apoio emocional e preventivo ao suicídio. Se você estáblaze cobuscablaze coajuda, ligue para 188 (número gratuito) ou acesse www.cvv.org.br.

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