O índio executado a tiroonabet hackercanhão tido como 'primeiro mártir da homofobia no Brasil':onabet hacker

Tibira do Maranhão, detalhe da telaonabet hackerMiguel Galindo

Crédito, Miguel Galindo

Legenda da foto, A execuçãoonabet hackerTibira do Maranhão trata-se do primeiro caso documentadoonabet hackermorte por homofobia no Brasil

"Estamos dispostos ainda a mobilizar outras igrejas para reconhecê-lo logo como um santo, independentemente do Vaticano", afirma o antropólogo à BBC News Brasil. Mott defende que Tibira seja reconhecido como "o primeiro mártir da homofobia no Brasil" e busca revestironabet hackerhistóriaonabet hackersimbolismo,onabet hackeralusão aos crimesonabet hackerhomofobia ainda hoje praticados no país.

Quem esteve por trás da condenaçãoonabet hackerTibira — segundo Mott, uma "execução arbitrária e sem autorização do papa nem da Inquisição" — foi o religioso e entomólogo francês Yves d'Évreux (1577-1632), frade capuchinho que integrou expedição francesa ao Brasil Colônia.

E a documentação detalhada, no caso, é o relato do próprio religioso, publicadaonabet hackerlivro intitulado História das Coisas Mais Memoráveis Acontecidas no Maranhão nos Anosonabet hacker1613-1614.

A execução

Tibira do Maranhão,onabet hackerilustração

Crédito, WikiCommons

Legenda da foto, 'Tibira' é um termo utilizado por indígenas para se referir a um homossexual

No seu livreto, Mott atenta que a narrativa do frade escancara "a visão altamente etnocêntrica e o preconceito da moral cristã contra a sodomia, alémonabet hackersua ardilosa tentativaonabet hackerjustificar eticamente a penaonabet hackermorte contra o infeliz selvagem pecador".

"Um pobre índio (sodomita), bruto mais cavalo do que homem, fugiu para o mato por ouvir dizer que os franceses o procuravam e aos seu semelhantes para matá-los e purificar a terraonabet hackersuas maldades por meio da santidade do Evangelho, da candura, da pureza, e da clareza da religião Católica Apostólica Romana", relatou d'Évreux.

"Apenas foi apanhado, amarraram-no e trouxeram-no com segurança ao forteonabet hackerSão Luís, donde deitaram-lhe ferros aos pés; vigiaram-no bem até que chegassem os chefes principaisonabet hackeroutras aldeias para assistirem ao seu processo e proferiremonabet hackersentença eonabet hackermorte, como fizeram afinal. Não esperou o prisioneiro pelo princípio do processo e ele mesmo sentenciou-se, porque dianteonabet hackertodos disse: 'Estou morto, e bem o mereço, porém desejo que igual fim tenham os meus cúmplices'."

O antropólogo pontua que outros relatos da época corroboram a ideiaonabet hackercomo os europeus se chocaram com a "diversidade sexual e lascívia exacerbada dos ameríndios". Em seu Tratado Descritivo do Brasilonabet hacker1587, o empresário, agricultor e historiador português Gabriel Soaresonabet hackerSousa (1540-1591) escreveu que "são os tupinambá tão luxuriosos que não há pecadoonabet hackerluxúria que não cometam. Não contentesonabet hackerandarem tão encarniçados na luxúria naturalmente cometida, são muito afeiçoados ao pecado nefando, entre os quais se não tem por afronta".

Afirmou ainda que "o que se serveonabet hackermacho se tem por valente e contam esta bestialidade por proeza" e "nas suas aldeias pelo sertão há alguns que têm tenda pública a quantos os querem como mulheres públicas".

Quando os capuchinhos franceses chegaram ao Brasil, portanto, já estava consolidada essa imagemonabet hackerque era preciso "purificar a terraonabet hackersuas maldades". Catequizados pelos religiosos, os próprios indígenas se tornaram aliados nesta missão. D'Évreux relata que após ser sentenciado, Tibira teve o direitoonabet hackerpedir para ser batizado — o argumento era que, se ele aceitasse, "apesaronabet hackersua má vida passada, iria direto para o Céu apenas seonabet hackeralma se desprendesse do corpo".

O frade conta que, temendo uma repercussão negativa, como se estivesse endossando a execução, resolveram que não seria conveniente que ele próprio o batizasse. Assim, instruiu o carrasco para que o fizesse, "antesonabet hackerir ao suplício sem as cerimônias da Igreja".

Aqui há um simbolismo que não passa incólume aos olhos dos pesquisadores. No batismo cristão, Tibira foi chamadoonabet hackerDimas. De acordo com a hagiografia, São Dimas é considerado o "bom ladrão". Foi um dos homens crucificados ao ladoonabet hackerCristo que, arrependidoonabet hackerseus errosonabet hackervida, recebeu a promessaonabet hackerque ainda naquele dia estaria no Paraíso.

O historiador Sérgio Muricy e o antropólogo Luiz Mott com telaonabet hackerSão Tibira do Maranhão

Crédito, Sergio Muricy

Legenda da foto, A históriaonabet hackerTibira do Maranhão foi resgatada pelo sociólogo e antropólogo Luiz Mott (dir.)

Para o Grupo Gay da Bahia, reside neste fato o principal argumento que permitiria qualificá-lo como santo mártir: assim como o "bom ladrão" foi posteriormente reconhecido como santo, o mesmo deveria ocorrer com o indígena brasileiro.

"Recebeu o batismo com tranquilidade e sem tristeza, na presença dos principais selvagens, depois do que um dos principais, chamado Caruatapirã, lhe disse estas palavras: 'Tens agora ocasiãoonabet hackerestares consolado eonabet hackernão te afligires, pois presentemente és filhoonabet hackerDeus pelo batismo que recebeste (…) com permissão dos padres. Morres por teus crimes, aprovamos tua morte e eu mesmo quero pôr fogo no canhão para que saibam e vejam os franceses que detestamos as sujeiras que cometeste. Mas repara na bondadeonabet hackerDeus e dos padres para contigo, expelindo Jurupari para longeonabet hackerti por meio do batismo,onabet hackermaneira que apenas tua alma saia do corpo vá direto para o Céu ver Tupã e viver com os Caraíbas que o cercam. Quando Tupã mandar alguém tomar teu corpo, se quiseres ter no Céu os cabelos compridos e o corpoonabet hackermulher antes do que oonabet hackerum homem, pede a Tupã que dê o corpoonabet hackermulher e ressuscitará mulher, e lá no Céu ficarás ao lado das mulheres e não dos homens'.", escreveu o frade. Na mitologia indígena, Jurupari é o próprio mal — seria o equivalente ao demônio do cristianismo.

Na sequência,onabet hackerseu relato, D'Évreux apressou-se a corrigir essa interpretação feita por Caruatapirã do evangelho cristão. "Desculpareis este pobre selvagem, não cristão e nem catecúmeno, falando da ressurreição. Ele nos ouviu ensinar queonabet hackerum dia ressuscitariam todos os homens, regressando cada alma do lugaronabet hackerque estava para ocupar o seu corpo, acrescentando o que pensou ser indiferente à ressurreição, isto é que, uma alma recebe um corpoonabet hackerhomem ouonabet hackeruma mulher, no que se enganou", pontuou.

Tibira foi levado a um canhão instalado na muralha do forteonabet hackerSão Luís. Amarram-no pela cintura à boca da arma. Quando lançaram fogo, "em presençaonabet hackertodos os principais, dos selvagens e dos franceses (…), imediatamente a bala dividiu o corpoonabet hackerduas porções, caindo uma ao pé da muralha, e outra no mar, onde nunca mais foi encontrada", registrou o frade.

Mott atenta para o fatoonabet hackerque não há notícia no Brasilonabet hackernenhum outro condenado que tivesse sido executado assim, na bocaonabet hackerum canhão.

São Tibira

Imagemonabet hackerSão Tibira do Maranhão, conforme capaonabet hackerlivreto publicado por Luiz Mott

Crédito, Reprodução/Acervo Luiz Mott

Legenda da foto, Mott pretende encaminhar à CNBB um pedido para que a Igreja Católica 'peça publicamente perdão' pela execuçãoonabet hackerTibira e instaure um processoonabet hackercanonização

A iniciativa do antropólogo ecoaonabet hackeroutras entidadesonabet hackerdefesa dos direitos dos homossexuais. "[A eventual canonizaçãoonabet hackerTibira] seria muito importante. Quem se doa a uma causa, a uma luta, vira mártir, não importa se é hétero, gay ou lésbica, travesti ou transexual, binário ou não binário", diz à BBC News Brasil ativista Agripino Magalhães, da ONG Aliança LGBT+. "O que importa é que ele foi morto, deu a vidaonabet hackerprolonabet hackerum sentido maior."

"Venho da base da Igreja Católica e graças a Deus sempre fui respeitado lá. Sempre me dediquei a pastorais sociais e a própria Igreja Católica muitas vezes fala que ser santo não tem a ver com sexualidade", completa Magalhães.

Arcebispo primaz da Santa Igreja Celta do Brasil, o historiador Sérgio Muricy — cujo nome religioso é dom Bernardo da Ressurreição — é o primeiro religioso a reconhecer a santidadeonabet hackerTibira.

"Fiquei impressionado com a narrativa histórica e a força exemplificadora da homofobia no período colonial no Brasil", comenta ele, à BBC News Brasil. "O índio Tibira chegou a ser supliciado, o que me chamou a atenção,onabet hackerforma cruel e sem direitoonabet hackerdefesa, sendo assassinado, motivado poronabet hackerorientação sexual."

Como ele mesmo explica,onabet hackerdenominação religiosa segue a "linha católica". "Nessas igrejas,onabet hackercondições especiais, você pode atribuir santidade sem precisaronabet hackermilagres. Temos dezenasonabet hackersantos e santas que foram canonizados pelo seu heroísmoonabet hackerdefender a fé apostólica e católica. A Igreja pode proclamar um santo pelo martírio (…) sem precisar da comprovaçãoonabet hackermilagres. São santos pelo testemunhoonabet hackerdefesa da fé", argumenta ele.

Capa do livroonabet hackerYves d'Évreux

Crédito, Reprodução

Legenda da foto, O religioso francês Yves d'Évreux (1577-1632) relatou o casoonabet hackerseu livro

"O índio Tibira foi martirizadoonabet hackeruma bocaonabet hackercanhão. Não se tem notíciasonabet hackernenhum martírio com esta crueldade na história do Brasil. Um martírio sem processo judicial, sem julgamento. Proclamar São Tibira do Maranhão, que foi martirizado pelaonabet hackerorientação sexual, é fazer esta reparação histórica, criar um símboloonabet hackerresistência para a comunidade LGBT+ e proporcional às igrejas cristãs", acredita Muricy.

"Muitas já estão revendo e corrigindo ou apagando seus preconceitos com os gays. A oportunidadeonabet hackeracolhimento a todos os cristãos independeonabet hackersua orientação sexual. Pelo relato que descreve o suplícioonabet hackerSão Tibira, ele foi batizado pelos seus algozes antesonabet hackermorrer. Então ele morreu cristão, reunindo as condições necessárias paraonabet hackercanonização ou proclamaçãoonabet hackersantidade."

O arcebispo diz que no "cristianismo celta, que foi católico e ortodoxo" há a "liberdadeonabet hackerinstituir devoções particulares". "Eu institui minha devoção ao índio Tibira pelo martírio, suplício poronabet hackersexualidade e exemplo para o combate à homofobia", ressalta. "Pretendo propor à minha igreja que São Tibira seja proclamado e reconhecido como santo mártir, dispensando processoonabet hackercanonização. Somos uma igreja inclusiva, acolhemos todo ser humano, independente da orientação sexual."

"Realizamos casamentos homoafetivos e ordenamos mulheres para todos os graus da ordem sacerdotal. Se temos santos protetoresonabet hackerpraticamente todas as profissões e situações, por que não podemos ter um santo que proteja a comunidade LGBT+, historicamente perseguida até os dias atuais na maior parte dos países? Negar a possibilidadeonabet hackercolocar no altar São Tibira do Maranhão é homofobia estrutural", defende.

Em abril, ele solicitou ao artista plástico Miguel Galindo que produzisse uma imagem sacraonabet hackerTibira. Segundo Muricy, trata-seonabet hackerum artista com experiênciaonabet hackerproduzir quadros que retratam santos. "Conversei com ele sobre as característicasonabet hackerSão Tibira e não foi surpresa para mim o resultado, pois já sabia da capacidade artística dele. Ficou bom e expressivo", comenta.

"Ele me mandou a história do santo e eu fiz minha criaçãoonabet hackeróleo sobre tela", conta à reportagem Galindo. Muricy adquiriu a tela original. Mott encomendou também uma reprodução. "Trata-se da primeira tela devocionalonabet hackerSão Tibira do Maranhão", define Muricy.

Canonização

O arcebispo da Igreja Celta acredita que solicitar ao Vaticano que analise a canonizaçãoonabet hackerTibira é "uma positiva provocação para ajudar na sensibilizaçãoonabet hackeracolhimento" da comunidade LGBT. Para ele, a Igreja Católica "precisa evoluir no processoonabet hackerrespeito a todos os seres humanos, independentemente da orientação sexual".

Procurado pela BBC News Brasil, o arcebispoonabet hackerNatal, dom Jaime Vieira Rocha, presidente da Comissão Especial para a Causa dos Santos da CNBB, afirma que não há "nenhum conhecimento oficial sobre processos" referentes a Tibira do Maranhão.

Ele explica que a Igreja costuma ouvir "o pedidoonabet hackerfiéis leigos"onabet hackerrelação à canonizaçãoonabet hackersantos. Um exemplo recente é o caso do papa João Paulo 2º (1920-2005), canonizadoonabet hacker2014. "Logo apósonabet hackermorte o povo aclamava: 'santo subito'", recorda.

Rocha explica que costumam ser várias as etapas para que alguém seja reconhecido como santo. "O caminho para a canonização passa por etapas. Normalmente, se torna um 'servoonabet hackerDeus' com a abertura do procedimento. Se ele apresentar as virtudes heroicas necessárias, é proclamado 'venerável', sem dias festivos ou igrejas emonabet hackerhomenagem, mas pode ter rezas e materiais impressosonabet hackerseu nome. Caso se prove um milagre poronabet hackergraça, pode ser beatificado, então ser venerado pela diocese local. A canonização acontece com a comprovaçãoonabet hackerum segundo milagre", explica.

"Ao se tornar santo, é inserido no calendário universal da Igreja e pode ser veneradoonabet hackertodo o mundo", ressalta o religioso. Atualmente existemonabet hackerandamento 52 processosonabet hackerbeatificaçãoonabet hackerfiguras brasileiras — que já tramitam no Vaticano. Em âmbito local, há ainda 16 veneráveis e 68 servosonabet hackerDeus.

O arcebispoonabet hackerNatal lembra ainda que há uma possibilidadeonabet hackeralguém ser declarado santo sem precisar passar por todo esse processoonabet hackercomprovaçãoonabet hackermilagres. É a chamada canonização equipolente.

"O papa pode elevar um candidato à dignidadeonabet hackersanto sem a necessidadeonabet hackercomprovaçãoonabet hackermilagres, desde que três requisitos sejam cumpridos: a prova da antiguidade e constrância do culto ou devoção popular ao candidato a santo, o fato históricoonabet hackersua fé católica eonabet hackersuas virtudes, e a famaonabet hackermilagres por ele intermediados", frisa.

Línea

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