A família que não tem impressões digitais:
Mas, depoisdécadas, aqueles pequenos sulcos que giram nas pontas dos nossos dedos — chamados dermatóglifos — se tornaram os dados biométricos mais coletados do mundo.
Eles são usados para tudo, desde viagensaeroportos até desbloquear nossos smartphones.
Em 2008, quando Apu era criança, Bangladesh introduziu um documentoidentidade nacional para todos os adultos e o bancodados exigia uma impressão digital.
Funcionários confusos não sabiam se deviam emitir um cartão para o paiApu, Amal Sarker. Finalmente, ele recebeu um cartão com o selo "SEM IMPRESSÃO DIGITAL".
Em 2010, as impressões digitais tornaram-se obrigatórias para passaportes e permissões para dirigir.
Após várias tentativas, Amal conseguiu obter um passaporte mostrando um atestadouma junta médica. Ele nunca o usou,parte porque teme que haja problemas no aeroporto. E embora andarmotocicleta seja essencial para seu trabalho como fazendeiro, ele nunca obteve permissão para dirigir.
"Paguei a taxa, passei no exame, mas não me deram a licença porque não puderam colher minha impressão digital", explica.
Amal carrega consigo o recibo do pagamento da licença, mas isso nem sempre o ajuda quando ele é parado. Já foi multado duas vezes. Em ambas as ocasiões, explicou aos policiais sobredoença, conta, e mostrou-lhes as pontas dos dedos para que vissem. A multa não foi perdoada.
"É sempre uma experiência constrangedora para mim", diz Amal.
Em 2016, o governo tornou obrigatória a comparação da impressão digital com o bancodados nacional para a compraum cartão SIM para celular.
"Eles pareciam confusos quando fui comprar um SIM, o software do sistema deles travava toda vez que colocava meu dedo no sensor", lembra Apu, com um sorriso irônico.
A compra foi rejeitada. Todos os homenssua família precisam usar cartões SIM com o nomesua mãe.
A rara doença que afeta a família Sarker é chamadaadermatoglifia.
Tornou-se amplamente conhecida2007, quando Peter Itin, um dermatologista suíço, foi contatado por uma mulherseu país que estava com problemas para entrar nos Estados Unidos.
Seu rosto combinava com a fotoseu passaporte, mas os agentesimigração não conseguiram registrar suas impressões digitais.
Isso porque ela não tinha impressões digitais.
Ao examiná-la, o professor Itin descobriu que a mulher e oito membrossua família sofriamuma condição rara, com pontas dos dedos achatadas e um número reduzidoglândulas sudoríparas nas mãos.
Trabalhando com outro dermatologista, Eli Sprecher, e o estudantegraduação Jann Nousbeck, o professor Itin examinou o DNA16 membros da família — sete com impressões digitais e nove sem.
"Os casos isolados são muito raros e apenas algumas famílias foram documentadas", diz Itin à BBC.
Em 2011, a equipe se concentrouum gene, SMARCAD1, que sofreu mutaçãotodos os nove membros sem impressões digitais da família e puderam identificá-lo como a causa da rara doença. Praticamente nada se sabia sobre esse gene. A mutação não pareceu causar outros efeitos negativos alémalterações nas mãos.
A mutação pesquisada por todos aqueles anos afetou um gene "que ninguém conhecia", diz o professor Sprecher. É por isso que demorou anos para encontrá-lo.
Uma vez descoberta, a doença foi chamadaadermatoglifia, mas o professor Itin a apelidou"doença do atraso na imigração" —homenagem a seu primeiro paciente que teve problemas para entrar nos Estados Unidos — e o nome pegou.
A doença que atrasa a imigração pode afetar várias geraçõesuma família. O tioApu Saker, Gopesh, que moraDinajpur, a cerca350 kmDhaka, teve que esperar dois anos antesobter o passaporte.
"Tiveviajar a Dhaka (capitalBangladesh) quatro ou cinco vezes nos últimos dois anos para convencer as autoridadesque sofria da mutação", diz Gopesh.
Quando seu trabalho começou a usar um sistemacomparecimento por impressão digital, Gopesh teve que convencer seus chefes a deixá-lo usar o sistema antigo — assinando uma folhapresença todos os dias.
Um dermatologistaBangladesh diagnosticou a doença da família como ceratodermia palmoplantar congênita, que o professor Itin acredita ter evoluído para adermatoglifia secundária, uma versão da doença que também pode causar ressecamento da pele e redução do suor nas palmas das mãos e solas dos pés.
Os Sarkers relataram todos esses sintomas.
Mais testes precisariam ser feitos para confirmar se a família possui alguma formaadermatoglifia.
O professor Sprecher diz queequipe ficaria "muito feliz"ajudar a família com os testes genéticos.
Os resultados desses testes podem dar aos Sarkers alguma certeza, mas eles não aliviariam o fardoenfrentar um universo sem impressões digitais diariamente.
Os membros da família que possuem a mutação relatam contratempos.
Amal Sarker passou a maior partesua vida sem muitos deles, mas agora diz se sentir triste por seus filhos.
"Não está nas minhas mãos, é algo que herdei", diz.
"Mas a maneira como meus filhos e eu estamos nos metendotodos os tiposproblemas é muito doloroso para mim."
Amal e Apu acabamreceber um novo tipodocumentoidentidade nacional emitida pelo governoBangladesh, após apresentarem um atestado médico. O cartão usa outros dados biométricos — uma varredura da retina e reconhecimento facial.
Mas eles ainda não conseguem comprar um cartão SIM ou obter uma permissão para dirigir. A emissãoum passaporte é um processo longo e árduo.
"Estou cansadoexplicar minha situação repetidamente. Pedi conselhos a muitas pessoas, mas ninguém pode me dar uma resposta definitiva", lamenta Apu. "Alguém sugeriu que eu fosse à Justiça. Se todas as outras opções falharem, é o que tereifazer."
Apu espera conseguir um passaporte, diz. Ele adoraria viajar para foraBangladesh.
As fotos são cortesia da família Sarker
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