Crise na Venezuela: ‘Nunca pensei que passaria fome na velhice’ - o dramaapp blaze crashviver com aposentadoriaapp blaze crashR$ 7:app blaze crash
Norma caminha lentamente, vestida com uma túnica um tanto surrada, arrastando um sapato que imita a marca Crocs, que usa com meiasapp blaze crashlã. Ela se sentaapp blaze crashuma pequena cadeiraapp blaze crashplástico e conta que vive na Freguesia 23app blaze crashJaneiro, uma área popularapp blaze crashCaracas, desde que nasceu.
"Meu pai tocava tímpano (um instrumentoapp blaze crashpercussão)app blaze crashuma orquestra, aqui sempre havia muita salsa e merengue", conta.
"Comprei esta casinha com meu marido e, aos poucos, fomos fazendo melhoras. Quando fiz 40 anos, Deus me ouviu, e eu tive meu único filho, demorei muito para engravidar. Ao meu filho, nunca faltou nada."
Seu marido, Rafael Alcalá, trabalhava como auxiliar no departamentoapp blaze crashsistemasapp blaze crashum banco, e ela trabalhouapp blaze crashum órgão público, o Institutoapp blaze crashPrevidência e Assistência Social do Ministério da Educação. O instituto presta assistência médica a professores que trabalham para o Estado.
"Eu me formei como técnicaapp blaze crashprontuário e fizapp blaze crashtudo, fui secretária, mensageira. Entrava às 10h e saía às 21h", conta Norma, que começou a trabalhar aos 19 anos.
Em 2000, ela estava no emprego quando sofreu um acidente vascular cerebral, uma obstrução ou redução brusca do fluxo sanguíneoapp blaze crashuma artéria do cérebro, o que causa a faltaapp blaze crashcirculação na região. Quando a pessoa não morre, ela pode ficar com sequelas sérias.
"Minha pressão subiu muito, caí no chão e fiquei gravemente doente", lembra Norma.
Com o tempo, ela recuperou a fala e voltou a andar com a ajudaapp blaze crashuma bengala, mas não pôde voltar a trabalhar. O Estado concedeu-lhe uma aposentadoria por invalidez, que antecipouapp blaze crashaposentadoria por velhice.
Naquela época, o que Norma recebia era equivalente a R$ 925 por mês, o que lhe permitia cobrir todas as suas necessidades básicas.
"Comprava comida, pagava o telefone, os remédios, e meu marido também trabalhava", conta.
O ex-presidente Hugo Chávez havia promovido uma reforma da Constituiçãoapp blaze crash1999 que incluía a obrigação do Estadoapp blaze crashpagar um salário mínimo que cobria as necessidades básicas das pessoas, e as aposentadorias seguiam essa mesma regra.
Em 2015, o maridoapp blaze crashNorma morreu e aapp blaze crashaposentadoria passou a serapp blaze crashúnica renda.
Colapso
Formalmente, o sistema previdenciário na Venezuela é uma modalidadeapp blaze crashque os trabalhadores ativos contribuem com uma porcentagemapp blaze crashseu salário para pagar as pensões da populaçãoapp blaze crashidadeapp blaze crashaposentadoria — da mesma forma que no Brasil.
Mas a contribuição hoje é muito pequena, porque muitos trabalhadores, principalmente os mais qualificados, deixaram o país. Além disso, os salários são baixos, o bolívar está desvalorizado e boa parte dos empregos está no setor informal da economia, que não contribui para o sistema.
Portanto, o custo das aposentadoriasapp blaze crash4,5 milhõesapp blaze crashvenezuelanos recai sobre o Estado. E as contas não batem.
A principal fonteapp blaze crashrenda é o petróleo,app blaze crashonde vem noveapp blaze crashcada dez dólares que entram no país. E a extração caiu drasticamente desde 2017. Essa é uma das causas do Estado estar empobrecido, sem recursos, ao que se soma à maior inflação do mundo
Nesse ambiente, há três anos, o Banco Central da Venezuela vem cortando continuamente a ofertaapp blaze crashdólar, ao qual os venezuelanos recorrem para tentar poupar. Isso fez o preço da moeda norte-americana subir muito.
O colapso fez com que a qualidadeapp blaze crashvida da grande maioria dos idosos diminuísse violentamente, deixando-os altamente vulneráveis.
Vivendo com quase nada
Depois da supervalorização do dólar, os bolívares que Norma recebe como aposentadora equivalem a R$ 7 por mês.
Ela também recebe um adicional para aposentadoria e títulos que o governo distribui para tentar amenizar a deterioração. Mas ao somar toda aapp blaze crashrenda, o que ela recebe não chega a R$ 27 por mês, o que dá para comprar um quiloapp blaze crashcarne.
Entre suas prioridades, entretanto, não está a carne, mas os remédios que toma diariamente para regular a pressão arterial.
Ela consegue o remédio no sistema governamentalapp blaze crashdistribuiçãoapp blaze crashmedicamentos, mas nem sempre os remédios são entregues no prazo. Portanto, ela guarda dinheiro para essa eventualidade.
"Não consigo comprar uma caixa cheia, mas pelo menos compro meia caixa, que dá 20 comprimidos".
Ela explica que os médicos alertaram para a importânciaapp blaze crashela regular a pressão arterial para minimizar o riscoapp blaze crashoutro derrame.
"Graças a Deus, estou sem remédio há apenas alguns dias. Às vezes, meu filho faz um esforço e compra para mim. Quando não tomo, não consigo dormir, fico assustada", conta Norma.
Para chegar à farmácia, ela caminha comapp blaze crashbengala cercaapp blaze crashum quilômetro e meio até a estaçãoapp blaze crashmetrô mais próxima. Ao sairapp blaze crashcasa, se depara com uma descida íngreme, na qual é fácil perder o equilíbrio.
Em seguida, ela atravessa calçadas com buracos e declives, ocupadas por vendedores ambulantes e sacosapp blaze crashlixo. Ao retornar, a descida se torna uma subida que a obriga a parar para descansar várias vezes.
No metrô, gratuito para idosos, ela percorre três estações. "Tenho que andar. Se ficarapp blaze crashcasa, vou ficar na cama e não quero isso. Às vezes, meu pé dói, porque há um tempo caí e torci o tornozelo, está inchado, mas eu ando", diz Norma.
Pouca comida
A alimentaçãoapp blaze crashNorma depende exclusivamente das cestas básicas que o Estado distribui para as pessoasapp blaze crashbaixa renda.
"A cesta chega a cada mês e meio. A última veio com dois quilosapp blaze crasharroz, dois pacotesapp blaze crashfarinha para fazer arepas (um tipoapp blaze crashpanqueca), dois quilosapp blaze crashmacarrão, alguns pacotesapp blaze crashgrãoapp blaze crashbico e café. Desta vez, não veio açúcar", explica Norma.
"Hoje vou comer um pãozinhoapp blaze crashfarinha no café da manhã, um café e um ovo que me deram. Ao meio-dia, grão-de-bico com um poucoapp blaze crasharroz e à noiteapp blaze crashnovo grão-de-bico. Faz muito tempo que não como carne, frango, leite. Nunca pensei que passaria fome na minha velhice e não estou sozinha, muitos no bairro são iguais", acrescenta.
Seu filho não pode ajudá-la agora, diz. "Ele tem 25 anos, é casado e tem dois filhos. Até recentemente trabalhavaapp blaze crashum restaurante, onde pagavam um salário mínimo, mas com a pandemia ele teve que sair. Para comer, está vendendo bolos com a esposa."
Luzes fracas e água amarela
Norma tem uma velha máquinaapp blaze crashlavar que ainda funciona, uma geladeira e uma televisão que serveapp blaze crashdistração — relíquias da épocaapp blaze crashque ela podia comprar eletrodomésticos.
Seu medo é que as variações na voltagem da eletricidade e os cortesapp blaze crashenergia, que se tornaram recorrentes no país, danifiquem os aparelhos. "Foi assim que meu micro-ondas quebrou, não liga. Agora está impossível comprar outro", diz preocupada.
E não foi só o serviçoapp blaze crashenergia elétrica se deteriorou no bairro.
"Quase sempre fico sem água dois dias por semana. Felizmente, quando meu marido era vivo, comprou uma caixa d'águaapp blaze crashplástico que tenho no banheiro. Mas a água está ficando muito suja, amarela, por isso tenho que ferver."
Norma esquiva-se da questão política, evita falar sobre se apoiou ou não o ex-presidente Hugo Chávezapp blaze crashalgum momento ou se votará nas eleições parlamentares marcadas para dezembro deste ano.
Ela está resignada, sem expectativasapp blaze crashuma mudança que amenize seu dia a dia. "Não espero mais nadaapp blaze crashbom, tudo é sempre pior."
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