'Por que queremos voltar ao mesmo mundo que destruiremosalguns anos?', questiona Nobel da Paz:
Mas quão factível é este novo modelo econômico e como ele se desenvolve no contexto da crise causada pela pandemia, que alguns preveem como uma das piores da história?
Da biblioteca dacasaDhaka, Bangladesh, Yunus respondeu a essas e outras perguntas da BBC News Mundo, serviçoespanhol da BBC.
BBC - Seu trabalho sobre microfinanças propôs a introduçãoalgumas medidas para reinventar o acesso ao financiamento para os mais pobres na agenda internacional. Mas a desigualdade continua a aumentar e a pandemia a reforçou: a covid-19 empurrou milhõespessoastodo o mundo para uma pobreza mais profunda. Qual é avisão sobre isso e o que podemos fazer?
Muhammad Yunus - Cada crise é uma oportunidade para trazer à tona o que hámelhornós mesmos, nossas capacidades e criatividade e, ao mesmo tempo, é um desafio.
A pandemia desacelerou a máquina econômica e um grande númeroações e iniciativas surgiram para retornar à situação pré-pandêmica, à economiaantes. Não gostamos do que está acontecendo e estamos ansiosos para voltar. Mas a questão é: por que estamos tão ansiosos para retornar a essa economia? Eu não gostariavoltar a ela.
Acho que viemosum sistema péssimo e o coronavírus,certa forma, nos salvou dele porque parou a máquina. Isso pode favorecer, entre outras coisas, o combate ao aquecimento global, que é urgente porque temos cada vez menos tempo e,fato, a contagem regressiva já começou.
Por que desejaríamos retornar a um mundo que destruiremosalguns anos? É suicida, um trem prestes a descarrilar.
O mesmo ocorre com a distribuição da riqueza global, nas mãos1% da população. Que tiposistema construímos? É uma situação prestes a explodir que faz com que as pessoas fiquem cada vez mais ressentidas e se perguntem por que trabalham tanto enquanto alguns continuam a acumular toda a riqueza.
O curso deve ser mudado. Agora temos a oportunidade perfeitanos perguntar como fazer isso. A resposta não é retornar ao mundoantes, mas criar um novo. E a pandemia nos deu a oportunidaderedesenhar o sistema.
Pense nisso como se fosse um software: primeiro você decide aonde quer ir, o que deseja alcançar e,seguida, projeta o sistema, e não o contrário. O problema é que continuamos dizendo a nós mesmos que o sistema econômico que temos agora é o melhor possível, mas não é.
BBC Mundo - Seu livro A World of Three Zeros (Um mundotrês zeros,tradução livre) fala sobre uma economia alternativa. Quais são os pilares e o por que não é aplicado?
Yunus - Precisamos redesenhar o sistema garantindo uma nova economiatrês zeros: zero pobreza, zero desemprego e zero emissões líquidascarbono. E sabemos como fazer. O problema é que somos muito preguiçosos e estamos muito confortáveis no sistema que temos, não queremos sair da nossa zonaconforto.
É como uma pessoa obesa ganhando cada vez mais peso, sabendo que deve fazer dieta e exercícios, mas prefere não fazer esaúde fica prejudicada. Também sabemos o que temos que fazer, mas não fazemos.
É por isso que devemos aproveitar esta grande oportunidade que a pandemia nos oferece para criar um mundo mais justo, agora que o trem, que estava prestes a descarrilar, parou.
BBC Mundo - Uma das expressões que mais ouvimos ultimamente é o "novo normal". O que você acha desse conceito?
Yunus - Isso não faz sentido! Em primeiro lugar, diria que não viemosuma situação "normal" — é normal a destruição do planeta? É uma situação anormal. Nossa "casa" está pegando fogo e não temos onde nos refugiar, isso não pode ser normal. E temos um sistema financeiro que distribui riqueza nas mãospoucos e que se baseia no fatoque quanto mais temos, mais queremos.
Portanto, a palavra normal é totalmente inadequada. Chamamos assim porque estamos acostumados a essa situação, mas não é.
Proponho quevez disso busquemos a normalidade. Temos que criar um mundo normal. Um mundoque distribuímos riquezas entre todos e não apenas entre alguns, entre muitas outras coisas.
BBC Mundo - Vamos falar dessa "normalidade". O senhor destacou repetidamente o papel das novas gerações na construçãoum mundo que não continue a perpetuar a pobreza. Como os jovens podem mudar um sistema com séculoshistória?
Yunus - Quanto mais velhos ficamos, mais solidificada nossa mente se torna e menos propensos estamos a mudanças no sistema. É por isso que os jovens têm um papel superimportante, porque pensar diferente é mais fácil quando se é jovem.
Você tem todo o poder para desafiar o sistema e deve fazer isso logo.
Por outro lado, esta geraçãojovens é a mais poderosa da história. A tecnologia é tão poderosa... Cada umvocês é muito poderoso, cabe a vocês mudar o mundo! O problema é que eles se acostumaram comzonaconforto, como seus pais. E agora eles dizem que as gerações anteriores roubaram seu futuro, mas eles não o estão desafiando, eles não estão pensandocomo eles mesmos podem mudá-lo.
No entanto, no discurso"nosso futuro foi roubado", há uma luta pela mudança. Eles já estão tendo mais clarosuas mentes como é o mundoque querem viver. Eles precisam agir e estar cientesque podem redesenhar o sistema para alcançar esse mundotrês zeros (pobreza zero, desemprego zero e emissão líquidacarbono zero).
BBC Mundo - Mas como mudar todo um sistemameio a uma crise global e quando, segundo você, estamos sem tempo?
Yunus - Existem dois pontos principais. O primeiro é perceber que nosso mundo é governado pela maximização do lucro, que se tornou uma religião global à qual devemos renunciar. O capitalismo nos transformoumáquinasfazer dinheiro; ele interpreta o ser humano somente a partirseu egoísmo, como seres que se movem unicamente por interesse próprio. Penso que essa interpretação está errada.
Sim, somos movidos pelo interesse próprio, mas também pelo interesse coletivo, que é uma parte muito maior que nos torna humanos. A economia não pode nos definir apenas por interesse próprio.
A segunda parte é criar um novo tipoeconomia baseada no interesse coletivo e no empreendedorismo social para ajudar aqueles que mais precisam. Devemos desafiar o sistema atual, que se baseia no ganho pessoal, e dar preferência aos negócios sociais, criados e concebidos para enfrentar os problemas sociais; começar empreendendo negócios sociais, por menores que sejam, que contribuam para a mudança.
BBC Mundo - Qual seria a chave dessa mudança?
Yunus - O mais importante são as ideias, o empreendedorismo. É isso que vai definir o futuro da humanidade.
E há outro atributo que considero extremamente importante: a imaginação. Imagine o mundoque você quer viver. Tudo o que acontece no mundo é porque alguém já imaginou antes e depois se perguntou como tornar isso possível. É por isso que a imaginação é a chave do empreendedorismo.
Todos os seres humanos nascem com a capacidadeserem empresários, mas nosso sistema educacional nos faz pensar que é melhor trabalhar para os outros. Por isso que o ser humano precisa usarcriatividade.
Nossa missão é descobrir até onde pode nos levar essa criatividade e todo o potencial que temos para redesenhar o mundo, o que é muito.
Esta entrevista é parte do Hay Festival Arequipa 2020, encontro digitalescritores e pensadores que acontece entre os dias 28outubro e 8novembro.
Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube ? Inscreva-se no nosso canal!
Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimosautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticausocookies e os termosprivacidade do Google YouTube antesconcordar. Para acessar o conteúdo clique"aceitar e continuar".
FinalYouTube post, 1
Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimosautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticausocookies e os termosprivacidade do Google YouTube antesconcordar. Para acessar o conteúdo clique"aceitar e continuar".
FinalYouTube post, 2
Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimosautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticausocookies e os termosprivacidade do Google YouTube antesconcordar. Para acessar o conteúdo clique"aceitar e continuar".
FinalYouTube post, 3