O longo processo na Rússia para identificar o último Romanov (e o interesseber365 comPutin na dinastia):ber365 com
Yurovski e seus seguidores enterraramber365 comvalas comuns nos Montes Urais naquelas noite não apenas os corpos do czar Nicolau 2º,ber365 comesposa Alexandra e os cinco filhos do casal (Olga, Tatiana, Maria, Anastásia e Alexei), mas um dos maiores mistérios do século 20.
O paradeiro — e, depois, o destino — dos Romanov foi por maisber365 comum século um dos temas mais polêmicos do imaginário popular, político e religioso da Rússia.
Hoje, eles são objetober365 comuma estranha disputa entre dois poderes que voltaram a se reconciliar na Rússiaber365 comPutin: a Igreja e o Estado.
Durante maisber365 comduas décadas, a cúpula da Igreja Ortodoxa Russa se negou a reconhecer os restos encontrados nos arredoresber365 comEcaterimburgo como sendo da família real.
Mesmo dianteber365 comsucessivos testesber365 comDNA, impediu que as ossadasber365 comAlexei eber365 comsua irmã Maria fossem enterrados da Catedralber365 comSão Pedro e São Paulo, o cemitériober365 comfato da dinastia Romanov.
O tema voltou a ser notíciaber365 comjulho, quando o Comitêber365 comInvestigação da Rússia, o principal órgãober365 cominvestigação criminal do país, confirmou que, após 37 análises forenses, era possível concluir — novamente — que os ossos pertenciam aos membros da família real.
"Baseando-se nos numerosos achados dos especialistas, a investigação chegou à conclusãober365 comque os restos pertencem a Nicolau 2º,ber365 comfamília e as pessoasber365 comseu entorno", diz um comunicado.
Mas por que o principal órgãober365 cominvestigação criminal da Rússia segue reconfirmando fatos relacionados a um homicídio que aconteceu maisber365 comum século atrás?
Um longo caminho
O paradeiro dos restos da família real foi uma das informações mais bem guardadas da Rússia comunista.
Apenasber365 com1979 um geólogo com uma veiaber365 comdetetive amador, Alexander Avdonin, descobriu os primeiros ossos nas cercanias da Casa Ipátiev,ber365 comEcaterimburgo.
E, por temer represálias do regime, voltou a enterrá-los onde os encontrou e lá os manteve até 1991, quando a União Soviética se desintegrava.
Uma ampla investigação e uma sérieber365 comexamesber365 comDNA (para os quais até o príncipe Philip, marido da rainha da Inglaterra, Elizabeth 2ª, doou sangue) comprovaram que as ossadas pertenciam a Nicolau 2º,ber365 comesposa, três dos cinco filhos e quatro empregados que também foram assassinados naquela noiteber365 com1918.
Um das grandes perguntas que a Rússia se fazia na época era onde estavam os restos dos outros dois filhos do casal (o paradeirober365 comAnastasia também foi motivober365 comespeculação, mas os indícios apontam que ela morreu na execução junto comber365 comfamília).
"Em 1998, depoisber365 comuma investigaçãober365 comcinco anos, o governo russo decidiu enterrar as ossadas no sepulcro familiar dos Romanov na Catedralber365 comSão Pedro e São Paulo,ber365 comSão Petersburgo, como um gesto políticober365 comreconciliação e expiação pelos crimes cometidos no período soviético", diz Marina Alexandrova, professora da Universidade do Texas, nos Estados Unidos.
O Santo Sínodo, órgão dirigente da Igreja Ortodoxa, entretanto, se opôs à decisão e pediu uma investigação mais aprofundada antes do enterro.
"Devido à motivação política do evento e a ausênciaber365 comconsulta à Igreja Ortodoxa Russa, o patriarca não participou da cerimônia e rejeitou os resultados dos testes", diz a professora.
O presidente do país na época, Boris Yeltsin, desafiou a Igreja e deu sinal verde para a realização do funeral. O ato foi panober365 comfundober365 comuma grande fricção que marcou o governober365 comYeltsin e a cúpula da Igreja Ortodoxa — à época debilitada após perder espaço durante as décadasber365 comregime soviético.
Yeltsin renunciaria pouco depois, na noite do dia 31ber365 comdezembrober365 com1999, deixando o cargo nas mãosber365 comseu então primeiro-ministro, um antigo agente da KGB que havia se tornadober365 comdiscreta sombra: Vladimir Putin.
Uma nova etapa da relação entre Estado e Igreja então começava.
Putin, a Igreja e o último czar
Conforme explica Pablober365 comOrellana, professor do King's Collegeber365 comLondres, no Reino Unido, o início do governober365 comPutin marcou uma nova fase,ber365 comresgate da dinastia Romanov, que foi além das águias douradas e dos símbolos da Rússia Imperial.
"Ember365 comgestão, foram recuperadas algumas tradições da Rússia czarista, como o banhober365 comum lago gelado na Páscoa ou no Natal, que alguns czares faziam para pedir bênção à nação — e é algo que Putin voltou a fazer", pontua.
"Mas acredito que um dos elementos mais importantes nesse sentido é a recuperação da Igreja Ortodoxa, que voltou a ser tão poderosa quanto antes e se intitulou outra vez como religião oficial."
Em um referendo realizadober365 comjunho para definir se Putin seguiria no poder até 2035, os russos também votaram para converter a crença ortodoxaber365 comreligião oficial do país, o que foi visto como uma consolidação das relações entre o Patriarcadober365 comMoscou e o Kremlin.
E é nesse novo contexto que os Romanov se tornam figuras-chave para os poderes. "A família imperial russa é vital para o regime atual e para a narrativa nacionalista que o impulsiona, porque é a conexão entre o passado e o presente da Rússia, entre o antes e o depois do regime soviético", avalia De Orellana.
"Para a Igreja, o tema dos Romanov é central, porque a Igreja Ortodoxa Russa é parte da família real e a família real é parte da Igreja."
Desde a ascensãober365 comPutin ao poder, a cúpula da Igreja Ortodoxa Russa proclamou como santos o último czar,ber365 comesposa e seus filhos, o que foi visto com receiober365 comum país onde a família real ainda éber365 comparte lembrada pelos massacres e pela fome aos quais submeteu o povo russo.
Além da canonização, a Igreja também decidiu construir um grandioso templo no localber365 comque a família foi assassinada.
Mas um tema continuava sendo um empecilho: a autenticidade dos restos mortais dos últimos czares.
"A Igreja russa tem se mostrado relutanteber365 comreconhecer as ossadas como pertencentes à família Romanov desde que foram exumadas oficialmenteber365 com1991 próximo a Ecaterimburgo", afirma Alexandrova.
"E, ainda que múltiplos testeber365 comDNA e análises forenses na Rússia eber365 comoutros países tenham demonstrado que elas pertencember365 comfato à família real, a seu médico e a três membrosber365 comseu círculo íntimo, o tema segue sendo controverso até hoje."
Maria e Alexei
Os restos dos dois filhos do czar que não foram encontrados com a família só foram descobertos muitos anos depois,ber365 com2007.
"E testesber365 comDNA realizados dentro e fora da Rússia confirmaram se tratar dos restosber365 comMaria e Alexei", afirma a professora da Universidade do Texas.
"A Igreja Ortodoxa Russa, entretanto, novamente se negou a reconhecer a descoberta e negou a realização do enterro no sepulcro familiar."
Nos anos seguintes, as caixas com os fragmentosber365 comossos — uma "massaber365 comcinzas e cabelos" — permaneceramber365 comestantes empoeiradas nos arquivos estatais russos.
"Seus restos ainda não foram enterrados, o que, ironicamente, vai contra a tradição ortodoxaber365 comforma geral."
Novas investigações
Em 2008, a Suprema Corte da Rússia reabilitou oficialmente a família real e reconheceu que Nicolau 2º eber365 comfamília foram vítimasber365 comrepressão política.
Dois anos depois, outro tribunal russo determinou que a investigação sobre o assassinato fosse reaberta, o que ficou a cargo do principal órgãober365 cominvestigação criminal do país.
Em 2015, por determinaçãober365 cominstâncias da Igreja Ortodoxa, os restos da família real foram mais uma vez exumados e submetidos a testesber365 comDNA, que confirmaram novamente que se tratava do czar eber365 comsua família — inclusive Alexei e Maria.
O funeral dos últimos Romanov estava previsto para acontecerber365 comoutubro deste ano, mas a Igreja pediu para postergar novamente a cerimônia para realizar uma investigação por conta própria. "Até hoje não foram anunciados resultados", diz Alexandrova.
Às vésperas do centenário do massacre,ber365 com2018, o governo russo anunciou que uma nova pesquisa havia confirmado mais uma vez que as ossadas pertenciam aos Romanov. Neste ano, mais uma vezber365 comuma data próxima à efeméride, voltou a divulgar os achados.
As razões para o debate
De acordo com De Orellana, a disputaber365 comtorno da autenticidade dos restos mortais encontradosber365 comEcaterimburgo mostra como durante o governo Putin a Igreja voltou a ser uma "instituição legitimadora" — e que, portanto, "legitima também o que se quer contar da história".
"Vemos issober365 comcomo a Igrejaber365 comvárias ocasiões teve a palavra final, como na questãober365 comonde os corpos ficarão", pontua.
Nesse sentido, o especialista acredita que a posição da igreja no caso dos Romanov gera um delicado conflito político.
"O governo Putin precisa dar um fim à história, precisa que os corpos sejam 'encontrados' tambémber365 commaneira simbólica, 'trazê-los para casa' e ter um localber365 comque eles possam ser celebrados."
"Toda essa reconstrução é importante, porque Putin reinventou o nacionalismo russo com base nas mesmas teorias nacionalistas dos czares. Ou seja, não é apenas uma obsessão para demonstrar que as ossadasber365 comfato pertencem à família real, mas um esforço para estabelecer uma continuidade entre o passado e a Rússiaber365 comhoje", completa.
Roman Lunkin, diretor do Centro para o Estudo da Religião e da Sociedade, uma organização estatal, avalia que tanto o governo quanto a Igreja estão envolvidosber365 comum processo mútuober365 comrevisionismo da história do czarismo para "benefício próprio".
"A Igreja russa não quer reconhecer que os restos mortais pertencem à família real, porque existe um riscober365 comdivisão interna como consequência disso", pondera.
Segundo Alexandrova, conforme as crenças ortodoxas, é um pecado grave rezar ante "imagens falsas". A igreja, porber365 comvez, se mostra reticenteber365 comaceitar o resultado das investigações feitas até hoje sob o argumentober365 comque não foi convidada a participar do processo.
Alguns cristãos ortodoxos russos acreditam que membros da família real conseguiram escapar e vivember365 comsegredo na Europa e nos Estados Unidos.
"Pensam que o que houveber365 com1918 foi um assassinato ritual por bolcheviquesber365 comorigem judaica. Também há um movimento que vê Nicolau 2º como um Cristo que morreu pelos pecados dos russos."
Ainda que esses movimentos não sejamber365 comfato populares, diz ele, teriam força o suficiente para causa repercussão nos meiosber365 comcomunicação, algo que a cúpula da Igreja certamente gostariaber365 comevitar.
"Para a Igreja, o assassinato da família real é um símbolober365 comtodo o mal do período soviético, do satanismo e da ideologia marxista. Para o Estado, entretanto, o período soviético é também um períodober365 comvitórias — e o último czar não é um exemplober365 comlíder forte", afirma Lunkin.
"Então, é evidente que a glorificação da família real significa coisas diferentes para Estado e Igreja."
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