'Meu bisavô africano vendeu escravos, mas não deve ser julgado pelos padrões atuais', diz escritora negra:

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Legenda da foto, Os legados dos comerciantesescravos coloniais estão sendo reavaliados, mas e os africanos que lucravam?

Em meio ao debate global sobre relações raciais, colonialismo e escravidão, alguns europeus e americanos que fizeram fortuna no comércioescravos viram seus legados reavaliados, suas estátuas tombadas e seus nomes removidosprédios públicos.

A jornalista e romancista nigeriana Adaobi Tricia Nwaubani escreve que umseus ancestrais vendia escravos, mas argumenta que ele não deve ser julgado pelos padrões ou valores atuais.

Confira o depoimento dela.

Meu bisavô, Nwaubani Ogogo Oriaku, era o que prefiro chamarempresário, da etnia Igbo do sudeste da Nigéria. Ele negociou uma sériemercadorias, incluindo tabaco e produtospalma. Também vendeu seres humanos.

"Seu bisavô tinha agentes que capturavam escravoslugares diferentes e os traziam para ele", meu pai me disse.

Comerciantes britânicos desempenhavam papel central no comércioescravos, antesa abolição da escravatura

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Legenda da foto, Comerciantes britânicos desempenhavam papel central no comércioescravos, antesa abolição da escravatura

Os escravosNwaubani Ogogo foram vendidos por meio dos portosCalabar e Bonny, no sul do que hoje é conhecido como Nigéria.

Pessoasgrupos étnicos ao longo da costa, como Efik e Ijaw, trabalhavam como estivadores dos comerciantes brancos e como intermediários dos comerciantesigbo como meu bisavô.

Fábricasescravos, ou complexos, mantidas por comerciantesquatro países europeus no Golfo da Guiné, no que é hoje a Nigéria. 1746 gravura por Nathaniel

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Legenda da foto, Várias nações europeias tinham 'fábricasescravos' no que é hoje a Nigéria

Eles carregaram e descarregaram navios e forneceram comida e outras provisões aos estrangeiros. Eles negociavam os preços dos escravos do interior e depois cobravam royaltiesvendedores e compradores.

Cerca1,5 milhãoescravos Igbo foram enviados pelo Oceano Atlântico entre os séculos 15 e 19.

Mais1,5 milhãoafricanos foram embarcados para o chamado Novo Mundo - as Américas - pelo portoCalabar, na BaíaBonny, tornando-o um dos maiores pontossaída durante o comércio transatlântico.

Venda e marcaçõesescravos antesserem embarcadosum navio, 1965

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Legenda da foto, Venda e marcaçõesescravos antesserem embarcadosum navio, 1965

A única vida que eles conheciam

Nwaubani Ogogo viveuuma épocaque os mais fortes sobreviveram e os mais valentes se destacaram. O conceito"todos os homens são criados iguais" era completamente estranho à religião e à lei tradicionais emsociedade.

Seria injusto julgar um homem do século 19 pelos princípios do século 21.

Gravura1868 mostra grupoafricanos capturados sendo levados embora por um escravo branco

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Legenda da foto, Gravura1868 mostra grupoafricanos capturados sendo levados embora por um escravo branco

Avaliar o povo da Áfricaoutrora pelos padrõeshoje nos obrigaria a retratar a maiorianossos heróis como vilões, negando-nos o direitohomenagear completamente quem não foi influenciado pela ideologia ocidental.

Petição para abolir o comércioescravos. 'Venha, ouça meus cantores melancólicos, / Vós ternos corações e filhos queridos! / E, caso isso mova suas almas para compaixão, / Oh! tente acabar com as dores que ouvir. De Ameilia Opie "O lamento do homem negro; ou como fazer açúcar", Londres, 1826

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Legenda da foto, Petição para abolir o comércioescravos. 'Venha, ouça meus cantores melancólicos, / Vós ternos corações e filhos queridos! / E, caso isso mova suas almas para compaixão, / Oh! tente acabar com as dores que ouvir. De Ameilia Opie "O lamento do homem negro; ou como fazer açúcar", Londres, 1826

Os comerciantesescravos igbo como meu bisavô não sofreram nenhuma criseaceitação social ou legalidade. Eles não precisavamqualquer justificativa religiosa ou científica para suas ações. Eles simplesmente viviam a vidaque foram criados.

Isso era tudo que eles conheciam.

Comerciantes brancos inspecionam escravos africanos durante uma venda, por volta1850

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Legenda da foto, Comerciantes brancos inspecionam escravos africanos durante uma venda, por volta1850

Escravos enterrados vivos

A história mais popular que ouvi sobre meu bisavô foi como ele enfrentou com sucesso representantes do governo colonial britânico depois que eles apreenderam algunsseus escravos.

Os escravos estavam sendo transportados por intermediários, juntamente com uma remessaprodutostabaco e palma, da cidade natalNwaubani Ogogo, Umuahia, para a costa.

Meu bisavô aparentemente não considerou justo que seus escravos tivessem sido capturados.

Escravo capturado na África no século 19. From Africa Por Keith Johnston, publicado1884

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Legenda da foto, Escravo capturado na África no século 19. Africa Por Keith Johnston, publicado1884

A compra e vendaseres humanos entre os igbo já ocorria muito antes da chegada dos europeus. As pessoas se tornaram escravas como punição por crime, pagamentodívidas ou prisioneirosguerra.

A venda bem-sucedidaadultos era considerada uma façanha pela qual um homem era aclamado por trovadores, semelhante a vitórias na luta livre, na guerra ou na caçaanimais como o leão.

FamíliaAaobi

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Legenda da foto, FamíliaAaobi

Os escravos Igbo serviam como empregados domésticos e trabalhadores. Às vezes também eram sacrificadoscerimônias religiosas e enterrados vivos com seus senhores para atendê-los na eternidade.

A escravidão estava tão arraigada na cultura que vários provérbios Igbo populares fazem referência a ela:

  • Quem não tem escravo é escravo dele mesmo
  • Um escravo que observa enquanto um colega escravo é amarrado e jogado na sepultura com seu mestre deve perceber que o mesmo pode ser feito com ele algum dia
  • É quando o filho recebe conselhos que o escravo aprende

A chegadacomerciantes europeus que trocavam armas, espelhos, gins e outros produtos exóticos por pessoas aumentou enormemente a demanda, levando a um aumentosequestros e tráfico humano.

A reunião na igreja Sociedade Missionária. A Sociedade foi fundadaAldersgate Street, na cidadeLondres,12abril1799. A maioria dos fundadores era membro da Clapham Sect, um grupocristãos evangélicos ativistas. Eles incluíam os parlamentares Henry Thornton e William Wilberforce. Os fundadores do CMS estavam comprometidos com três grandes propostas: abolição do tráficoescravos, reforma socialcasa e evangelização mundial

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Legenda da foto, A Sociedade Missionária foi formadaLondres1799 por abolicionistas britânicos contra a escravidão

Resistindo à abolição

O comércioafricanos continuou até 1888, quando o Brasil se tornou o último país do hemisfério ocidental a aboli-lo.

Quando os britânicos estenderam seu domínio ao sudeste da Nigéria no final do século 19 e início do século 20, começaram a impor a abolição por meioação militar.

Igrejaterra doada por comercianteescravos

Crédito, Adaobi

Legenda da foto, Igrejaterra doada por comercianteescravos

Mas, usando a força e não a persuasão, muitas pessoas locais, como meu bisavô, podem não ter entendido que a abolição tinha a ver com a dignidade da humanidade e não era uma mera mudança na política econômica que afetava a demanda e a oferta.

"Achamos que esse comércio deve continuar", disse um rei localBonny, infame no século 19.

"Esse é o veredictonosso oráculo enossos sacerdotes. Eles dizem que seu país, por maior que seja, nunca pode impedir um comércio ordenado por Deus."

No que dizia respeito ao meu bisavô, ele possuía uma licença comercial da Royal Niger Company, uma empresa britânica que administrava o comércio na região no fim do século 19.

Assim, quando suas propriedades foram confiscadas, Nwaubani Ogogo, ofendido, foi corajosamente se encontrar com as autoridades coloniais responsáveis e lhes entregoulicença. Eles libertaram seus bens e seus escravos.

"Os brancos pediram desculpas a ele", disse meu pai.

Comércioescravos no século 20

O aclamado historiador igbo Adiele Afigbo descreveu o comércioescravos no sudeste da Nigéria, que durou até o final da década1940 e o início da década1950 como um dos segredos mais bem guardados da administração colonial britânica.

Mas se o comércio internacional terminou, o comércio local continuou.

Casa da famíliaAdaobi

Crédito, Adaobi

Legenda da foto, Casa da famíliaAdaobi

"O governo estava ciente do fatoque os chefes costeiros e os principais comerciantes costeiros continuaram comprando escravos do interior", escreveu Afigboseu livro The Abolition of the Slave Trade in Southern Nigeria: 1885 to 1950 (A Abolição do ComércioEscravos no Sul da Nigéria: 1885 a 1950,tradução livre).

Ele acrescentou que os britânicos toleravam o comércioandamento por motivos políticos e econômicos.

Eles precisavam dos chefes do tráficoescravos para garantir uma governança local eficaz e para a expansão e crescimento do comércio legítimo.

Às vezes, eles também fecharam os olhos,vezpôrrisco essa aliança vantajosa, como parece ter acontecido quando retornaram os escravosNwaubani Ogogo.

Esse incidente levou Nwaubani Ogogo a ganhar statusdeus entre seu povo. Aqui estava um homem que enfrentou com sucesso os poderes brancos do exterior. Ouvi a históriaparentes e li sobre ele.

Foi também o iníciouma relaçãorespeito mútuo com os colonialistas que levou Nwaubani Ogogo a ser nomeado chefe supremo pela administração britânica.

Ele era o representante do governo para as pessoas emregião,um sistema conhecido como imperialismo indireto.

PaiAdaobi

Crédito, Adaobi Tricia Nwaubani

Legenda da foto, O paiAdaobi, Chukwuma Hope Nwaubani, viveuma terra pertencente a Nwaubani Ogogo

Registros dos Arquivos Nacionais do Reino Unido mostram como os britânicos lutaram desesperadamente para acabar com o comércio internoescravos por quase todo o período colonial.

Eles promoveram o comércio legítimo, especialmenteprodutospalma. Eles introduziram a moeda inglesa para substituir as mercadorias, como latão, os comerciantes dependiam dos escravos para carregar. Eles processaram infratores com sentençasprisão.

"Na década1930, o establishment colonial estava desgastado", escreveu Afigbo.

"Por isso, eles torciam para que o efeito corrosivo ao longo do tempo da educação e da civilização fosse levar ao fim daquele tipo comércio".

Trabalhando com os britânicos

Como chefe supremo, Nwaubani Ogogo ganhava uma comissão para recolher impostos para os britânicos.

Ele presidiu casostribunais nativos. Forneceu trabalhadores para a construçãolinhas ferroviárias. Também voluntariamente doou terras para missionários construírem igrejas e escolas.

Adaobi Tricia Nwaubani

Crédito, Adaobi Tricia Nwaubani

Legenda da foto, Adaobi Tricia Nwaubani é jornalista e romancista

A casa onde cresci e onde meus pais ainda moram ficaum terreno que está com a minha família há maisum século.

Era outrora o local da casahóspedesNwaubani Ogogo, onde ele hospedava autoridades britânicaspassagem pela região. Eles lhe enviavam envelopes com chumaçosseus cabelos para que ele soubesse quando chegariam.

Nwaubani Ogogo morreu no início do século 20 e deixou dezenasesposas e filhos. Não existem fotos dele, mas aparentemente ele teria uma pele notavelmente clara.

Em dezembro2017, uma igrejaOkaiuga, no EstadoAbia, no sudeste da Nigéria, comemorou seu centenário e convidou minha família para receber um prêmio póstumoseu nome.

Os registros deles mostraram que meu bisavô cedera uma escolta armada para os primeiros missionários na área.

Ele era conhecido por suas proezas nos negócios, ousadia notável, liderança forte, vasta influência, imensas contribuições para a sociedade e avanço do cristianismo.

Certificado

Crédito, Adaobi Tricia Nwaubani

Legenda da foto, Nwaubani Ogogo doou terras para missionários cristãos

Os igbo não têm uma culturaerguer monumentos para seus heróis - caso contrário, algum dedicado a ele poderia estaralgum lugar da regiãoUmuahia atualmente.

"Ele era respeitado por todos ao redor", disse meu pai. "Até os brancos o respeitavam."

Como os escravos eram comercializados na África

  • Os compradores europeus aguardar no litoral
  • Vendedores africanos traziam escravos do interior a pé
  • As viagens poderiam seraté 485 km
  • Escravos eram normalmente acorrentadosdupla pelo tornozelo
  • Escravos capturados eram amarradosfila indiana por cordas no pescoço
  • 10% -15% dos escravos morriam durante a jornada

Fonte: Encyclopaedia Britannica

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