Coronavírus: como obesidade pode prejudicar combate e facilitar contágio:
Idosos não são os únicos mais vulneráveis a covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus. Pessoas com pelo menos um fatorrisco associado, as chamadas comorbidades, também fazem parte desse gruporisco.
E entre as doenças pré-existentes mais prevalentespacientes com o vírus, estão hipertensão, diabete melitus, doenças coronarianas e vasculares cerebrais, apontam estudos realizados na China.
Neste sentido, a obesidade - com as quais muitas dessas enfermidades estão intimamente ligadas - pode acabar se tornando um grande fator complicador para quem contrai o coronavírus, apontam especialistas.
Como resultado, países onde grande parte da população tem excessopeso, como o Brasil, têm mais chancesregistrar um maior númeromortes, acrescentam.
Segundo um levantamento recente do Ministério da Saúde, umcada cinco brasileiros (19,8%) é obeso. Além disso, mais da metade da população (55,7%) tem excessopeso.
De acordo com a pesquisa, houve um aumento67,8% no númeroobesos nos últimos treze anos, saindo11,8%2006 para 19,8%2018. A alta foi maior entre os adultos25 a 34 anos e 35 a 44 anos, com 84,2% e 81,1%, respectivamente.
Em relação à diabetes, 7,7% da população adulta brasileira foi diagnosticada com a doença2018, um crescimento40%relação ao ano2006 (5,5%). As mulheres apresentam maior percentualdiagnóstico (8,1%) do quehomens 7,1%. Em ambos os sexos, quanto mais jovem, menor o porcentual.
Os dados são PesquisaVigilânciaFatoresRisco e Proteção para Doenças crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel)2018.
O parâmetro para avaliar a obesidade e o excessopeso, segundo o Ministério da Saúde, é o ÍndiceMassa Corporal (IMC). Por meio dele, diz a pasta, "é possível classificar um indivíduorelação ao seu próprio peso, bem como sabercomplicações metabólicas e outros riscos para a saúde".
De acordo com o último Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde sobre covid-19, divulgado na segunda-feira (6abril), oitocada dez brasileiros (78%) que morreram da doença apresentavam pelo menos um fatorrisco associado.
A obesidade, por si só, não foi o principal fatorrisco para pacientes acima60 anos - grupo que compõe a maioria dos mortos -, embora apareça na listacomorbidades.
Mas doenças normalmente resultantes dela, sim.
Cardiopatias foram, por exemplo, a condição mais prevalente ligada às mortes investigadas entre aqueles que tinham mais60 anos (81% do totalmortos). Nessa mesma faixa etária,segundo lugar vêm os diabéticos, seguido por quadrospneumopatia e doenças neurológicas.
Entre os mais jovens, as comorbidades mais predominantes foram, nessa ordem: diabetes, cardiopatia e obesidade.
Doenças cardíacas
Nos Estados Unidos, o país que lidera o ranking mundialobesidade, um número considerável dos mortos por covid-19 era obeso. O mesmo acontece no México, que ocupa a vice-liderança.
Conscientes dessa realidade, as autoridadessaúdeambos os países alertaram sobre o problema no início da crise do coronavírus.
"Temos uma população com saúde cronicamente deteriorada, pesam contra nós a magnitude da epidemiaobesidade, sobrepeso, diabetes e, com elas, um conjuntodoenças crônicas como a hipertensão, que estão associadas às mesmas causas", disse o subsecretáriosaúde do México, Hugo López-Gatell.
"O México, diferentementeoutros países, tem uma taxa muito altadiabetes mellitus tipo 2, uma taxaobesidade associada à hipertensão, com problemas respiratórios (...) para que pudéssemos ver mais casos aqui por esse motivo", concordou Cristian Morales, representante da OPAS/OMS no México.
Das quase 100 mortes no México até domingo, mais35% viviam com obesidade, hipertensão ou diabetes. Um grande número tinha duas ou até três comorbidades associadas.
Já nos EUA, o coronavírus tem sido muito mais letalNova Orleans, onde é registrada uma taxamortalidade duas vezes maior que aNova York, segundo a agêncianotícias Reuters. E especialistas também apontam a obesidade na cidadeLouisiana como uma explicação.
Covid-19 e os obesos
"Definitivamente, é preocupante que pacientes com obesidade apresentem maior riscocomplicações por infecçõescovid-19", diz Salim Virani, professor da Baylor School of MedicineHouston (EUA) à BBC News Mundo, o serviçonotíciasespanhol da BBC.
A obesidade, por si só, causa um estadoinflamação crônica no corpo. Isso afeta o funcionamento das células esuas superfícies, que interrompemfunção naturalbarreira protetora e facilitam o ataquevírus como o coronavírus.
Também tem efeitos negativos no sistema imunológico, como a diminuição da produçãoproteínas vitais para defender o corpo contra possíveis infecções.
Como explica o cirurgião bariátrico mexicano José Antonio Castañeda, o coronavírus entra no corpo aderindo à enzima conversora da angiotensina, localizada principalmente nos pulmões, rins e vasos sanguíneos.
O nível dessa enzima é aumentadopacientes com diabetes, o que facilita a entrada e a infecção do novo coronavírus neles.
Virani, membro do Colégio AmericanoCardiologia, lembra ainda que quem sofreobesidade severa pode ter os pulmões afetados para respirar normalmente, ou mesmo sofrerapneia do sono e problemasoxigenação.
Mark Lazarovich, especialistaimunologia do Centro Médico da UniversidadeVermont, nos EUA, destaca que alguns estudos sobre os efeitos da obesidade na gripe sugerem que esse fatorrisco pode prolongar o tempo que os vírus permanecemnossos corpos.
"Isso potencialmente aumenta o tempo que eles podem espalhar a doença para outras pessoas e também prolonga o tempointernação dos casos mais graves nos hospitais", diz ele à BBC News Mundo, acrescentando que a mesma lógica poderia ser aplicada ao novo coronavírus.
Castañeda, que trata pacientes obesos nos últimos 15 anos, destaca que, alémestarem no grupo dos mais vulneráveis à infecção, há ainda "o problema do quão difícil sãotratar depoisadquirir o vírus".
"São pacientes que podem passar dias ou meses tentando combater a infecção", diz.
A obesidade geralmente está por trásmuitas das condições pré-existentes que foram definidas comoalto risco para a possível disseminação do coronavírus.
Assim, é um fatorrisco conhecido para o desenvolvimentohipertensão e doenças cardiovasculares. Ao mesmo tempo, alguns estudos sugerem que pessoas obesas têm três vezes mais riscoter diabetes.
"Essas doenças estão totalmente conectadas. Sempre andammãos dadas", diz Castañeda, que realizou várias cirurgias para ajudar na perdapesoJuan Pedro Franco, um jovem mexicano que já foi considerado o homem mais obeso do mundo.
O governo mexicano estima que 90% dos casosdiabetes mellitus tipo 2 no país são decorrentes do excessopeso e obesidade. Doenças cardíacas e diabetes são as principais causasmorte entre a população mexicana. Cenário semelhante ocorre no Brasil.
O que fazer
Ciente dessa crescente vulnerabilidade, o Instituto MexicanoSeguridade Social fez um apelo específico para que pessoas com obesidade fiquemcasa. No México, não há toquerecolher ou quarentena obrigatória.
Além das recomendações genéricas para lavar as mãos e manter distânciaoutras pessoas, os especialistas lembram que esse grupo deve tomar medidas extremasprevenção por causaseu sistema imunológico mais fraco.
A orientação das autoridades é que essas pessoas sigam uma dieta que contribua para aumentar suas defesas e tentar ser ativascasa, exercitando-se por pelo menos 1h por dia.
"O diabético deve verificardieta e seu nívelglicose. O hipertenso verificarápressão e seguirá uma baixa ingestãosal. E o paciente obeso deve começar a se conscientizar fazendo atividades físicas, começando a comer bem e cuidandosi", explica Castañeda.
"Comemos demais e nos movimentamos muito pouco", acrescenta Lazarovich.
Segundo o governo mexicano, metade das 600 mil mortes registradas a cada ano no país está relacionada à má alimentação, principalmente devido ao excessosal, gordura, açúcar e calorias.
Na opinião da organização mexicana El Poder del Consumidor, essas doenças pioraram no país devido ao aumento da ingestãoprodutos ultraprocessados e à faltapolíticas públicas para impedir esse consumo.
"As pessoas acabam responsabilizadas pelo que comem, mas, na realidade, precisamos saber quais alimentos estão disponíveis. No México, temos um excessooferta monstruosa e monumentalalimentos industrializados com valor nutricional muito baixo e poder calórico muito alto", afirmou López-Gatell, do Ministério da Saúde do país.
Especialistas esperam que a crise do coronavírus deixe pelo menos uma lição aprendida para a população que sofre dessas doenças.
"Por causa do que está acontecendo, acredito que muitas pessoas se conscientizarãocomo prevenir essas doenças ou, se já as tiverem, começarão a tomar decisões sérias porsaúde. Mas o que esperamos é que isso acabe", conclui Castañeda.
Com reportagemMarcos González Díaz, da BBC News Mundo no México
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