Quanto tempo o Brasil tem até que o envelhecimento da população dificulte o crescimento econômico:
Esse impacto demográfico gerado pela combinação da queda na fecundidade (menos crianças nascendo) e do aumento do númeropessoas ingressando no mercadotrabalho tende a fazer a economiaum país prosperar.
Foi o que aconteceu com o Brasil - e com outros países da América Latina - nas últimas décadas.
Especialistas dizem que os países precisam aproveitar esse "empurrão" decorrente da mudança da estrutura etária da população para alavancarcondição socioeconômica.
Bônus demográfico é oportunidade para dar um salto no desenvolvimento
Em outras palavras: ficar "rico" antes"velho".
"O bônus demográfico é o momento ideal para um país dar um salto no desenvolvimento humano e na qualidadevida da população", diz à BBC News Brasil José Eustáquio Diniz, professor do mestrado e doutoradoPopulação, Território e Estatísticas Públicas da Escola NacionalCiências Estatísticas (Ence/IBGE).
"Todos os países que atingiram um IDH (ÍndiceDesenvolvimento Humano) acima0,900 passaram pela transição demográfica e aproveitaram adequadamente essa janelaoportunidade. Não há exceção, pois todo país ricoqualidadevidasua população passou e aproveitou o bônus demográfico".
"Não existe exemplopaís que tenha desperdiçado o bônus demográfico e tenha avançado para o blococima do IDH", conclui Diniz.
Sendo assim, quanto tempo o Brasil e outros países latino-americanos ainda têm?
No caso brasileiro, a resposta não é muito alentadora, estimam demógrafos.
Segundo as últimas projeções da população do IBGE (Instituto BrasileiroGeografia e Estatística), essa janelaoportunidade vai se fechar no fim deste ano, cinco mais cedo do que o previsto. Na projeção anterior, divulgada2013, o bônus demográfico terminaria apenas2023.
Isso marca o começo da trajetóriaaumento do graudependência econômicaquem gera renda.
Em 2010, por exemplo, havia 47,1 pessoas na faixa etáriadependência para cada 100 que estavamidade economicamente ativa. Em 2017, essa proporção caiu para 43,9, o menor índice já registrado. No entanto, segundo o IBGE, a partir do ano que vem, o indicador vai subir para 44 - o primeirouma sequência42 anos projetadoscrescimento.
Em 2060, por exemplo, deve chegar a 67,2 (67,2 pessoas dependendo100 trabalhando), quando os idosos vão formar 25,5% da população brasileira, ou 58,2 milhõespessoas. Atualmente, essa taxa é9,2% (19,2 milhões).
Diferentemente do Brasil, outros países da América Latina têm mais tempo para aproveitar os benefícios do bônus demográfico.
Na Argentina, por exemplo, essa janelaoportunidades só deve se fechar2038, enquanto no México,2033, segundo dados da divisãopopulação da ONU.
Brasil poderia ter aproveitado melhor o bônus demográfico?
Como lembrou o professorpós-graduaçãoeconomia da FGV-RJ Samuel Pessôa emcoluna no jornal FolhaS. Paulo, "no período do bônus demográfico, é possível o produto per capita crescer mesmo que o produto por trabalhador, a produtividade, não se expanda. Basta que a população que trabalha cresça mais rapidamente do que a população total".
De fato, os dados mostram que, entre 1982 e 2016, o produto per capita do Brasil cresceu 1% ao ano, enquanto a produtividade do trabalho registrou uma expansão anualapenas 0,5%, acrescenta Pessôa.
"Não é que o Brasil não tenha aproveitado o bônus, mas poderíamos tê-lo aproveitado melhor", diz Cássio Turra, professor do DepartamentoDemografia da UFMG.
Em entrevista à BBC News Brasil, Ronald Lee, professor eméritoDemografia da Universidade da CalifórniaBerkeley, calculou que,seu pico, o bônus demográfico acrescentou 0,55% por ano ao crescimento do produto per capita no Brasil. Ele descreve essa janelaoportunidades como um "ventocauda".
"É uma ajuda, mas não é necessário ou suficiente para o crescimento econômico. No caso brasileiro, desde 1950, o bônus elevou o crescimento do produto per capita33% cumulativamente. Claro que ajudou, mas muitos outros fatores são mais importantes", explica.
Diniz, do IBGE, concorda. Ele acrescenta que "o bônus demográfico só se torna efetivo e real se a estrutura etária favorável for capitalizada pela dinâmica socioeconômica através da melhora das condiçõessaúde, educação e mercadotrabalho".
"O problema é que isso não vem ocorrendo no Brasil. As condições estão precárias, pois houve a difusãodoenças transmissíveis como Dengue, Chikungunya, Zika, febre amarela, sarampo, etc. Além disso, a mortalidade infantil e a mortalidade materna aumentaram. A educação brasileira cresceuquantidade, mas não suficientementequalidade. Dessa forma, as más condiçõessaúde e educação significam uma população com menores níveisprodutividade", acrescenta.
O maior desafio, contudo, vem acontecendo no mercadotrabalho, diz Diniz. "O Brasil vive a mais longa e profunda recessãosua história e isso tem reduzido as oportunidadesemprego. Significa que o bônus demográfico está sendo jogado na latalixo da história", acrescenta.
Segundo dados do IBGE, no 2º trimestre2014, a população brasileira era202 milhõeshabitantes. Naquele momento, o númeropessoas que estavam ocupadas no mercadotrabalho era92,1 milhões e o númeropessoas não-ocupadas era109,9 milhões.
Quatro anos depois, o quadro piorou bastante. No 2º trimestre deste ano, a população brasileira chegou a 208,4 milhõeshabitantes (alta3,2% no período). Já a população ocupada caiu para 91,2 milhões (queda1% no período) e a população não-ocupada passou para 117,2 milhões (alta6,6% no período).
Ou seja,2018, menos pessoas (91,2 milhões) passaram a sustentar mais gente (208,4 milhões).
Para Diniz, o bônus demográfico não se fechou completamente no Brasil, mas "começou a se fechar". Segundo ele, essa janelaoportunidades chegará ao fim apenas2035 (ante a 2041), pois considera o períodoque a razãodependência é inferior a 50%, ideia que não é consenso entre especialistas.
Comparação internacional
Diferentemente do leste da Ásia ("que registrou um bônus demográfico muito forte e o aproveitou bem") ou o Sudeste asiático ("que ainda está passando pelo bônus demográfico"), a América Latina teve um "panofundo demográfico atípico", explica Lee.
"Em muitos países da América Latina, a fecundidade começou a cairníveis altos por volta1900 (como na Europa), e então se estabilizou na metade do século. Na Ásia, por outro lado, a queda na fecundidade só começou nos anos 60 ou 70", afirma.
"Isso significa que alguns dos benefícios potenciais do bônus nesses países já haviam ocorrido no século 20. Isso não se aplica ao México ou ao Brasil, mas foi que aconteceu no Uruguai e no Chile, por exemplo", acrescenta.
Segundo Lee, a Costa Rica é um exemplopaís latino-americano que aproveitou o bônus demográfico emtotalidade. "O país investiu bastante ou pelo menos inteligentementeeducação e saúde", diz.
Existe uma luz no fim do túnel?
Isso quer dizer que, com o fim do bônus, ficaremos para sempre estagnados no mesmo nível socioeconômico?
Nem tudo está perdido. Embora o fechamento dessa janelaoportunidades prenuncie um períodomaiores dificuldades, já que a dependência cresce por causa da população idosa, há luz no fim do túnel. Sem a ajuda da demografia, o Brasil precisa elevarprodutividade se quiser chegar ao patamar dos países ricos.
"Para isso, vamos precisar melhorar a qualidadenossa educação e estimular o empregonovas tecnologias. Além, claro,implementarmos reformas que aumentem a eficiência da alocação dos fatoresprodução", assinala Pêssoa.
Turra, da UFMG, lembra ainda que há dois elementos que podem ajudar a contrabalançar o fim do bônus demográfico: o bônusgênero (a crescente participação feminina no mercadotrabalho) e a permanência dos idosos na população ocupada - ora adiando a aposentadoria ora voltando a trabalhar depoisse aposentarem.
"As mulheres ainda estão aumentandoparticipação no mercadotrabalho no Brasil. Além disso, a participação dos idosos poderá aumentar, especialmente com a reforma da previdência social", explica.
No entanto, Diniz faz um alerta: "O tempo para colher os últimos frutos do bônus demográfico está se estreitando, assim como a chanceo Brasil se tornar o país do futuro".
"Se o Brasil perder esta oportunidade histórica, perderá também a chancepular para o blococima dos países com alto IDH. Se isto ocorrer, ficaremos eternamente preso à "armadilha da renda média", pois nenhuma nação conseguiu enriquecer depoisenvelhecer", conclui.
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