Como a extrema direita se apropriou do assassinatoaposta minima betanouma adolescente na Alemanha:aposta minima betano
Quando Karin entrouaposta minima betanoseu apartamento, viu que a porta da sala estava fechada.
"Isso era incomum", diz ela. "Procurei minha filha pelo apartamento, fui ao quarto dela, mas ela não estava lá."
Então ela entrou na sala. "Eu a vi sentadaaposta minima betanofrente ao sofá, sufocada com um cachecol cheioaposta minima betanosangue."
Keira tinha sido esfaqueada maisaposta minima betano20 vezes.
Estrela da patinação
Karin conversa com a BBCaposta minima betanoseu escritórioaposta minima betanoadvocacia durante um dia muito frioaposta minima betanoBerlim.
"Os dias não são tão ruins", diz ela. As noites são muito mais difíceis.
Karin fala sobre a mais traumática experiência imaginável com surpreendente clareza. Ela quer que as pessoas entendam como tem sido conviver com a perda da filha.
"Quero que todos se lembrem do que aconteceu com ela", diz Karin à BBC.
Keira era uma garota popular e simpática que, aos 14 anos, já era uma estrela da patinação no geloaposta minima betanoBerlim. Karin não era casada e Keira eraaposta minima betanoúnica filha.
"Levou apenas algumas horas para militantesaposta minima betanoextrema direita começarem a postar publicações com a hashtag 'Keira' no Twitter e no Facebook", diz Oliver Saal, pesquisador da Fundação Amadeu Antonio, uma organização que combate extremismos.
"Começaram a aparecer mensagens sobre o caso sugerindo que imigrantes tivessem cometido esse crime", conta Saal.
"A identidade do assassino ainda era desconhecida, e eles sabiam disso. Mas porque Keira tinha sido morta com uma faca, eles supuseram que alguém não alemão tinha cometido o crime."
"Militantesaposta minima betanoextrema direita diziam que nenhum alemão jamais seria capazaposta minima betanofazer algo do tipo."
As especulações pareciam confirmar os piores medosaposta minima betanomuitos alemães que foram contra a decisão da chanceler Angela Merkelaposta minima betanoaceitar centenasaposta minima betanomilharesaposta minima betanorefugiados no país no verãoaposta minima betano2015.
Preocupações com a imigraçãoaposta minima betanomassa levaram ao sucesso do partidoaposta minima betanoextrema-direita AfD (Alternativa para a Alemanha,aposta minima betanoalemão), que entrou no parlamento alemão como terceiro maior partido do paísaposta minima betano2017.
Houve um aumentoaposta minima betanocrimes cometidos por imigrantes na Alemanha desde 2015. Alguns pesquisadores atribuem esse fato à alta proporçãoaposta minima betanorefugiados que são homens e jovens. No mundo todo, jovens homens cometem mais crimes do que qualquer outro grupo.
No entanto,aposta minima betanogeral o crime está caindo na Alemanha – as taxasaposta minima betanocrimes são as baixas no país desde 1992. Embora os crimes violentos tenham aumentado entre 2014 e 2016, eles caíram 2,5% entre 2016 e 2017.
Mentiras online
Quatro dias depois do homicídioaposta minima betanoKeira, a polícia anunciou que havia prendido um garotoaposta minima betano15 anos. Quando a polícia contou seu nome a Karin, ela ficou chocada.
"Eu não o conhecia pessoalmente, mas tinha ouvido falar muito nele", diz ela. "Keira tinha fotos deleaposta minima betanoseu quarto. Ela estava um pouco apaixonada por ele, mas os dois não estavam juntos. Ela sempre falou dele como se fosse um irmão."
O adolescente era branco e alemão. Inicialmente, nemaposta minima betanoetnia, nem aaposta minima betanoherança religiosa foram revelados para o público. Apesaraposta minima betanoisso ser um procedimento policial normal, as redes sociais ficaram cheiasaposta minima betanoposts criticando as autoridades.
Um representante do AfDaposta minima betanoBerlim publicou um post no Twitter perguntando por que a "origem" do suspeito tinha não tinha sido divulgada. O editor do Bild, o tabloide mais popular do país, pediu para que "informações regulares" sobre o suspeito fossem reveladas.
A sugestãoaposta minima betanoque informações importantes estavam sendo "escondidas" do público alimentou a narrativaaposta minima betanoque o establishment estava "encobrindo provasaposta minima betanouma ondaaposta minima betanocrimes cometidos por imigrantes".
Oliver Saal diz que um homem teve um papel crucial na disseminação dessa teoria da conspiração: Lutz Bachmann, fundador do grupo Pegida, uma organizaçãoaposta minima betanoextrema-direita anti-Islã, que tem muitos seguidores nas redes sociais.
Logo após a morteaposta minima betanoKeira, ele disse na internet que sabia a identidade do suspeito. Afirmou que o culpado era um "animal do Cáucaso", um "muçulmano checheno" e um "ex-refugiado".
Há muitos imigrantes chechenos muçulmanos na Alemanha.
Bachmann postou a fotoaposta minima betanoum garoto na internet, com seu nome completo e um link paraaposta minima betanopágina do Facebook. O post foi muito compartilhado.
Mas o garoto não era o suspeito da morteaposta minima betanoKeira.
O garoto que Bachmann acusou não tinha absolutamente nada a ver com o crime – só tinha as mesmas iniciais do verdadeiro suspeito.
Posts acusando o garotoaposta minima betanohomicídio proliferaram na internet, e o garoto tornou suas contas nas mídias sociais privadas. A BBC não conseguiu entraraposta minima betanocontato com ele.
A BBC também tentou contato com Lutz Bachmann através do Pegida, que disse que o grupo e Bachmann "não tinha nenhum interesse"aposta minima betanofalar.
O postaposta minima betanoBachmann estava tão longe da verdade que a polícia se sentiu compelida a responder na internet, o que é raro. Eles postaram um print do postaposta minima betanoBachmann e explicaram que era uma mentira.
Nem refugiado, nem muçulmano
O adolescente que foi preso não era nem refugiado, nem muçulmano.
Ele era um adolescente alemão, branco,aposta minima betanofamília cristã – que por ser menoraposta minima betanoidade recebeu o pseudônimo legalaposta minima betano"Hannes".
"Quando ele foi preso, contou uma história estranha à polícia", diz Roland Weber, advogado criminal contratado por Karin Gross para representá-la no caso – na Alemanha, parentes das vítimas têm o direitosaposta minima betanoter um representante nos procedimentos na Justiça.
"Ele disse que a filha da minha cliente queria cometer suicídio e havia implorado para que ele fizesse isso por ela", conta o advogado.
No entanto, o comportamentoaposta minima betanoKeira com amigos e família nos dias antesaposta minima betanosua morte não sugeriam que ela estivesse planejando se matar. Sua agenda estava cheiaaposta minima betanoplanos que ela havia feito para os meses seguintes.
Conforme a investigação foi avançando, uma imagem muito diferente começou a surgir. A polícia descobriu que Hannes havia premeditado o crime muito mais do que havia admitido.
Ele tinha levado uma mochila à casaaposta minima betanoKeira. Nela havia uma trocaaposta minima betanoroupa, luvas e uma máscara. Algunsaposta minima betanoseus colegasaposta minima betanoescola disseram à polícia que, nos dias que antecederam o crime, Hannes havia falado,aposta minima betanodetalhes, sobre o que ele iria fazer. Na verdade ele tinha até ligado para um deles minutos depois do crime para dizer que tinha ido até o fim.
'A coisa mais difícil do mundo'
Karin foi a todos os dias do julgamento. Hannes sentou comaposta minima betanomãe no lado aposto do tribunal.
"Foi uma das coisas mais difíceis do mundo, isso que passei", diz Karin. "Não vi nenhum tipoaposta minima betanoarrependimento, nem recebi nenhum pedidoaposta minima betanodesculpas – nemaposta minima betanosua família. Falou sobre o que fez como se fosse o mesmo que roubar um carro."
Professores descreveram Hannes como um garoto amigável, popular, mas havia um lado bem diferente emaposta minima betanopersonalidade.
"Ele não tinha certeza se seus amigos eramaposta minima betanoverdade", diz Roland Weber. "Então um dia ele decidiu que, se não poderia ter amigosaposta minima betanoverdade, talvez fosse melhor ser o vilão: o Curinga, o inimigo do Batman."
No julgamento foi dito que, algum tempo antes do homicídio, Hannes tinha pintado o cabeloaposta minima betanoverde e usava uma tinta branca no rosto para parecer com o personagemaposta minima betanoquadrinhos.
Provas descobertas depois do crime também sugeriam que ele tinha um frio distanciamento emocional.
Sabendo que precisava destruir o telefoneaposta minima betanoKeira – para que não houvesse registro das mensagens que eles haviam trocado – ele jogou o celularaposta minima betanoum lago. Depois foi para a casa e colocou a faca que usou para matá-la no faqueiro da cozinhaaposta minima betanoseus pais.
Em seguida, ligou o computador e começou a jogar o jogo League of Legends.
Um psiquiatra indicado pela Justiça concluiu que não havia sinalaposta minima betanoque Hannes tivesse um distúrbioaposta minima betanopersonalidade ou alguma doença mental.
"No fim", diz Weber, "todos nós – não só o juiz, mas também eu e minha cliente – tínhamos certezaaposta minima betanoque ele cometeu o crime só por diversão. Para ver como era quando alguém está morrendo".
Hannes foi condenado por homicídio e recebeu uma sentençaaposta minima betanonove anos na detenção para menoresaposta minima betanoidade.
A verdade era muito diferente da narrativa que havia sido promovida por militantesaposta minima betanoextrema direita na internet. Um porta-voz da políciaaposta minima betanoBerlim disse à imprensa que "nunca tinha visto um casoaposta minima betanohomicídio ser explorado politicamente dessa forma".
Em uma tardeaposta minima betanojaneiro, Karin levou a repórter da BBC Ant Adeane ao cemitério onde Keira está enterrada. Ela vai quase todos os dias.
Cortando as folhasaposta minima betanouma rosa laranja para deixar no túmulo, Karin contou como,aposta minima betanouma das visitas, alguns meses antes, ela fez uma descoberta perturbadora.
O túmuloaposta minima betanoKeira havia sido profanado.
Na lápide alguém havia escrito o nome do assassino, mas o descreveu como "russo". O mito do "animal do Cáucaso" persistiu.
"Foi um choque para mim", diz Karin. "Nunca achei que alguém iria escrever algo assim na lápide da minha filha."
"Para mim, não faria a menor diferença se o assassino fosse russo ou japonês ou qualquer coisa", diz ela. "Minha filha continua morta."
Karin tentou tirar a pichação com água, mas não saía. Ela teve que levar acetona, e mesmo assim demorou horas para deixar o mármore limpo.
Karin ainda mora no mesmo apartamento ondeaposta minima betanofilha foi assassinada.
"As pessoas se perguntam como eu suporto", diz ela. "Eu não mudei nada, tirando o sofá. Mas todo o sangue e as evidências do que aconteceu já se foram."
"Eu não consigo pensaraposta minima betanome mudar. Foi um dia horrível. Mas há tantos anosaposta minima betanomemórias boas aqui."
Recentemente ela fez as primeiras tentativasaposta minima betanopatinar na pistaaposta minima betanogelo onde Keira treinava. Ela usou as roupasaposta minima betanopatinação da filha.
"Elas me servem, embora eu tenha um corpo diferente – os sapatos dela também", diz Karin.
"Talvezaposta minima betanodez anos eu também seja uma patinadoraaposta minima betanovelocidade. Só faço isso porque quero estar próxima a ela. Vou lá para me divertir."
"Não estou sozinha. Tantos amigos dela vêm patinar no gelo comigo. Fazemos isso juntos,aposta minima betanomemória dela."
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