A épocabet354que o Brasil barrou milharesbet354judeus que fugiam do nazismo:bet354

Bairro judeubet354Chelmza, Polônia

Crédito, Yad Vashem

Legenda da foto, Moradores do bairro judeubet354Chelmza, Polônia, país invadido por tropas nazistasbet3541939

Os documentos - que estão sendo incorporados ao Arquivo Virtual Sobre Holocausto e Antissemitismo (Arqshoah) - jogam luz sobre um lado pouco conhecido da história da imigração no Brasil.

Formação étnica do Brasil

Segundo Tucci, as recusasbet354visto a judeus seguiam ordens do alto escalão do governo. A partirbet3541937, o Ministério das Relações Exteriores emitiu ao menos 26 circulares secretas impondo barreiras à entrada do grupo, considerado indesejável para a formação étnica do povo brasileiro numa épocabet354que o Brasil estimulava a migraçãobet354europeus brancos e cristãos. Restrições semelhantes foram impostas a estrangeiros negros e asiáticos.

No caso dos judeus, porém, as barreiras afetavam um grupo que se via cada vez mais acuado por medidas discriminatóriasbet354boa parte da Europa. Calcula-se que cercabet3546 milhõesbet354judeus tenham sido mortos pela máquinabet354guerra nazista, o maior genocídio do século 20.

Adolf Hitler

Crédito, Yad Vashem

Legenda da foto, Adolf Hitler discursa para soldadosbet354Dortmund,bet3541933; nos anos seguintes, Alemanha pôsbet354marcha plano para exterminar judeus

As regras que barravam judeus vigoraram mesmo após o Brasil declarar guerra à Alemanha e enviar soldados para a Itália, só perdendo validade no fim do governobet354Eurico Gaspar Dutra,bet3541950, quando os horrores do Holocausto já haviam sido amplamente difundidos.

"Os documentos derrubam o mitobet354que o Brasil sempre recebeu imigrantesbet354portas abertas e reforçam a postura colaboracionista do governo Vargas com a política antissemita da Alemanha", afirma Tucci à BBC News Brasil.

Segundo ela, o governo impunha restrições a judeus e outras minorias por meiobet354documentos secretos enquanto, no exterior, buscava apresentar o Brasil como um país "com projetos humanitários e salvacionistas". Uma circular que tratava do tema ordenava que a recusabet354vistos a judeus deveria "ser justificada sem qualquer referência à questão étnica".

Autorabet354vários livros sobre o antissemitismo no Brasil, Tucci estuda os documentos desde 1995, quando o Itamaraty abriu seu acervo sobre o tema. Ela diz acreditar que os númerosbet354vistos recusados a judeus tenham sido muito superiores aos que já contabilizou.

Judeus 'subversivos'

A primeira das circulares secretas listava uma sériebet354regras para barrar "numerosas levasbet354semitas, que os governosbet354outras nações estão empenhadosbet354afastar dos respectivos territórios".

A justificativa, segundo o ministério, era impedir a entradabet354migrantes que buscavam, "numa inadmissível concorrência ao comércio local e ao trabalhador nacional, absorverem, parasitariamente, (...) uma parte apreciávelbet354nossa riqueza, quando, além disso, não se entregam, também, à propagandabet354ideias dissolventes e subversivas".

A circular determinava, entre outros pontos, que não fossem dados vistos a judeus, exceto nos casosbet354que tivessem cônjuges brasileiros, possuíssem bens no país, pretendessem viajar a turismo ou tivessem "notória expressão cultural, política e social". As mesmas restrições não se aplicavam a europeus cristãos.

Caso o consulado suspeitasse que um judeu tentava se passar por cristão para obter o visto, poderia pedirbet354certidãobet354batismo e suspender o processo até que, "por meiobet354investigação, se consiga esclarecer a dúvida". Segundo a circular, as regras haviam sido elaboradas pelos ministérios das Relações Exteriores e do Trabalho e aprovadas pelo presidente Getúlio Vargas.

Família Gottlieb

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Família Gottliebbet3541939; grupo fugiu para o Brasil com certidões falsasbet354batismo

Na época, outros órgãos do Estado também adotavam políticas racistas. No artigo Discriminação e Intolerância: os indesejáveis na seleção do Exército brasileiro, o pesquisador do Arquivo Histórico do Exército (AHEx) Fernando da Silva Rodrigues cita normas que impediam o acessobet354judeus, negros e muçulmanos às escolas que formavam os oficiais da corporação. As regras foram definidasbet3541937 pelo então ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, e valeram até 1946.

Deportaçãobet354Olga Benário

Muitos historiadores já analisaram os laços entre o governo Vargas e o regime nazista na Alemanha, quando os dois países mantinham acordos secretos para a trocabet354informações sobre militantes comunistas. A cooperação mais célebre envolveu a deportação pelo Brasil da judia alemã Olga Benário, cônjuge do líder comunista brasileiro Luís Carlos Prestes. Devolvida à Alemanha, ela foi presa e executada numa câmarabet354gás no campobet354Bernburg,bet3541942.

Foi só após sucessivos ataquesbet354submarinos alemães e italianos à Marinha Mercante brasileira e sob forte pressão dos EUA que o país rompeu os laços diplomáticos com as potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão),bet3541942, unindo-se dois anos depois aos Aliados nos camposbet354batalha.

Os documentos do governo brasileiro indicam que a afinidade entre o governo Vargas e a Alemanha nazista ia além da oposição ao comunismo - e que muitos altos diplomatas brasileiros tinham visões antissemitas.

Tucci diz que o próprio chanceler Oswaldo Aranha, homenageadobet354Israel por seu papel na Assembleia Geral da ONU que resultou na criação do país,bet3541947, expôs ideias antissemitas e concebeu parte das ordens secretas que barravam a entradabet354judeus no Brasil.

Filabet354judeus

Crédito, Yad Vashem

Legenda da foto, Judeus identificados por faixas nos braçosbet354Varsóvia, Polônia,bet3541941

Em carta enviadabet3541938 ao então interventor federalbet354São Paulo, Adhemarbet354Barros, Aranha alertava sobre os riscos da imigraçãobet354judeus para o Estado.

"O israelita, por tendência milenar, é radicalmente avesso à agricultura e não se identifica com outras raças e outros credos. Isolado, há ainda a possibilidadebet354vir a ser assimilado pelo meio que o recebe (...). Em massa, constituiria, porém, iniludível perigo para a homogeneidade futura do Brasil", escreveu o chanceler.

Aranha disse que poucos dias antes havia sido procurado por um judeu austríaco radicado no Brasil, Frederico Zausmer, que pedia a regularização migratóriabet354outros 300 judeus residentesbet354São Paulo - fato que, para o chanceler, despertava "justas suspeitas da existênciabet354um 'Getto' jábet354formação nessa capital".

Naquele anos, guetos eram os bairros nos países sob jugo nazista onde judeus eram obrigados a morar, ebet354onde foram recolhidos e enviados aos camposbet354extermínio.

Velhos e crianças órfãs

Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), muitos dos formuladores das restrições à migraçãobet354judeus permaneciam no governo brasileiro. Em 1948, o Conselho Nacionalbet354Imigração e Colonização instruiu o Ministério das Relações Exteriores a reforçar as barreiras contra o grupo.

Uma circular orientava os consulados brasileiros a "não visar passaportesbet354judeus" - o que, segundo Tucci, fechou as portas para muitos velhos e crianças órfãs que haviam sobrevivido ao Holocausto e buscavam uma nova pátria.

Apesar das restrições, milharesbet354judeus conseguiram se mudar no Brasil antes e depois do Holocausto, dando origem a uma comunidade que conta hoje com 120 mil membros, segundo a Confederação Israelita do Brasil (Conib). Tucci diz que boa parte do grupo entrou no país com documentos falsos, com vistosbet354turistas ou passando-se por cristãos.

Alma Adler

Crédito, Acervo Heimann

Legenda da foto, Alma Adler, idealizadora da boneca Estrela; família foi auxiliada pelo advogado José Mindlin para conseguir trazer todos os integrantes para o Brasil

Foi o caso da família formada por Avraham, Frymet, Markus, Salomea, Josef e Sara Gottlieb, judeus poloneses que conseguiram vistos na embaixada brasileirabet354Roma com certidões falsasbet354batismo.

Outros contaram com a ajudabet354judeus brasileiros proeminentes, como o advogado José Mindlin (1914-2010), que negociou pessoalmente a concessãobet354vistos com autoridades. Mindlin teve papel central na reunificaçãobet354várias famílias, como os Adler, judeus alemães.

Tucci conta que,bet3541938, o comerciante Moritz Adler foi preso pelos nazistas e levado a um campobet354concentração pertobet354Frankfurt. Mindlin foi acionado por parentes do alemão que já estavam no Brasil e conseguiu um visto para que ele deixasse o país rumo ao Brasil com a esposa, Frieda. O consulado do Brasilbet354Frankfurt, porém, negou os vistos para as duas filhas do casal, Tilly e Elsberg.

A mãe resolveu ficar com as crianças, e Moritz viajou sozinho. A família só voltou a ficar completa no fimbet3541941, quando Mindlin obteve os vistos para as meninas. No Brasil, os Adler criaram a Estrela, até hoje uma das principais marcas nacionaisbet354brinquedos.

Houve ainda judeus que chegaram ao país graças a diplomatas que se recusaram a cumprir as ordens restritivas. Um deles foi Luiz Martinsbet354Souza Dantas, embaixador do Brasil na França entre 1922 e 1943, que concedeu centenasbet354vistos a judeus sem informar ao governo a origem étnica dos requerentes.

Uma das famílias salvas por Dantas foi a da pintora tcheca Lise Forell, quebet3541940 embarcou no navio Alsina rumo ao Brasil com os pais, avós maternos e um tio. Forell teve uma carreirabet354sucesso no Brasil, expondo obras no Museubet354Artebet354São Paulo (Masp) ebet354várias galerias.

Souza Dantas

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, O embaixador Souza Dantas, ao centro, com Oswaldo Aranha (esq.) e Getúlio Vargas (dir.)

Por causa da insubordinaçãobet354Dantas, Vargas instaurou um processo administrativo contra o embaixador, que passou 14 meses detido na Alemanha após tropas nazistas invadirem a embaixada brasileira,bet3541942. Em 2003, ele foi reconhecido como um Justo entre as Nações pelo Yad Vashem (Museu do Holocausto),bet354Jerusalém.

Questionado pela BBC, o Itamaraty afirmou por meiobet354sua assessoriabet354imprensa que as políticas migratórias da época eram elaboradas pelo Ministério da Justiça e que os diplomatas apenas as executavam.

Neto e autorbet354uma biografia sobre Oswaldo Aranha, Pedro Corrêa do Lago foi procurado por intermédiobet354sua editora, mas não respondeu.

Ressurgimento do antissemitismo

Tucci diz que conhecer a postura do Brasilbet354relação a judeus que fugiam do nazismo tem grande valia num momentobet354que o mundo volta a debater formasbet354lidar com grandes levasbet354migrantes e refugiados.

"Temos aqui um espelho muito interessante para repensar uma sériebet354políticas e ações restritivas que estão sendo adotadas por vários países", afirma a professora.

Tucci afirma ainda que a discriminação dos judeus nos temposbet354Vargas e Dutra servebet354alerta para o "revigoramento do antissemitismo" no Brasil e no mundo. "O antissemitismo sempre reaparece nos momentosbet354crise, nas erosões do pensamento democrático, quando os mitos sobre a existênciabet354uma grande conspiração judaica para dominar o mundo ressurgem com outras roupagens", diz a historiadora.

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