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O Chile deve seu milagre econômico ao governo Pinochet?:
Mas, se não há dúvidas sobre a prosperidade econômica do Chile contemporâneo, muitos se questionam, quase três décadas depois do fim da ditadura militar, se é justo continuar dando o crédito ao governo Pinochet e àversão ortodoxa da economiamercado.
Chicago Boys
O debate não poderia ser mais atual. O modelo econômico imposto por tecnocratas formados na UniversidadeChicago, conhecidos como "Chicago Boys" logo após o golpe1973, ainda é considerado pela direita latino-americana como um exemplo a ser seguido.
Vale a pena lembrar que o recém-empossado governoJair Bolsonaro no Brasil, maior economia da região, tem uma equipe econômica liderada pelo ultraliberal Paulo Guedes.
Nos anos 80, Guedes foi viver no Chile a conviteJorge Selume Zaror, ex-diretorOrçamento do regimePinochet. Ali, atuou como pesquisador e acadêmico da FaculdadeEconomia e Negócios da Universidade do Chile, então comandada por Selume Zaror. Atualmente, a equipeGuedes se apresenta como um grupotécnicos ortodoxos que prometem colocar ordem no caos econômico reinante no país.
Ainda assim, nem todos acreditam que o sucesso econômico atual do Chile seja herança do pinochetismo.
"Acabou há 30 anos"
Óscar Landerretche, professor da Universidade do Chile e ex-presidente do conselho da estatalmineração Codelco no governocentro-esquerda da ex-presidente Michelle Bachelet, é um deles. Segundo ele, faz "pouco sentido" atribuir a atual estabilidade econômica e prosperidade do país ao governo militarPinochet.
"A ditadura chilena terminou há quase 30 anos. Enquanto isso, o Chile tem tido um desempenho econômico muito maior do que tinha durante a ditaduracrescimento econômico, estabilidade e até mesmo indicadoresequidade que, embora sejam ruins no âmbito global, são melhores do que antes e estão melhorando, ainda que lentamente", diz Landerretche à BBC Mundo, o serviçoespanhol da BBC.
As políticas implementadas pelo governo militar se mantêm polêmicas até hoje. Se,um lado, muito se fala sobre como o "milagre econômico" da era Pinochet substituiu a instabilidade social e econômica do governo depostoSalvador Allende, diversos pesquisadores e analistas apontam que o Chile cresceu muito mais durante a redemocratização.
Noah Smith, colunista da agêncianotícias Bloomberg, resumiu o debateum tuítenovembro do ano passado.
"O crescimento anualizado do PIB real per capita no Chile sob Pinochet (1973-1990) foi1,6%. O crescimento anualizado do PIB real per capita no Chile nos 17 anos posteriores a Pinochet (1990-2007) chegou a 4,36%. Pinochet está bastante superdimensionado", escreveu ele.
Tarefa complexa
Há dentro e fora do Chile, no entanto, diversos defensores da plataforma econômicaPinochet.
"É complexo analisar o desempenho econômico do governo militar chileno", diz à BBC Mundo Steve Hanke, acadêmico da Universidade Johns Hopkins que assessorou diversos governos latino-americanos.
"Nos primeiros anos da era Pinochet houve um boom, quando as medidas iniciais ajudaram a estabilizar o caos da economia socialista", acrescenta.
Quando os militares deram o golpe que resultou na deposiçãoSalvador Allende,11setembro1973, o país sul-americano enfrentava uma forte crise econômica.
O governo socialista havia nacionalizado diversas empresas privadas e permitido a tomada por trabalhadoresfábricas e propriedades rurais, o que aumentou a hostilidadegrande parte do empresariado. Além disso, a inflação afetava os salários da classe média.
Ao tomar o poder, Pinochet entregou o comando da economia a um grupoeconomistas formados na UniversidadeChicago. Quase que imediatamente, eles afrouxaram os controles estatais sobre a economia, liberaram exportações, venderam estatais e confiaram na mão do mercado para conduzir o crescimento econômico do país, algo considerado revolucionário naquele momento.
Avanço com altos e baixos
A economia chilena experimentou altos e baixos acentuados durante os anos do governo militar, incluindo uma grande crise1982 que levou o governo a recuarparte das reformas econômicas liberalizantes.
Assim, para analistas como Óscar Landerretche, da Universidade do Chile, falarum modelo neoliberal chileno "é uma visão caricatural e simplória, própriaquem busca caricaturas úteis para redes sociais".
O acadêmico lembra à BBC Mundo que "uma parte importante das medidas neoliberais implementadas no início dos anos 1970 foram revertidas nos anos 1980 pelo próprio governo militar. Um exemplo muito claro disso foipolíticadesregulamentação financeira e mudanças no tipocâmbio. Ambas, que favoreciam o capital financeiro, levaram o Chile a uma crise na década seguinte e acabaram revertidas".
Redemocratização
Após a transição para a democracia1990, os governos chilenos seguintes implementaram um processodesenvolvimento econômico que hoje é invejado no continente.
"O Chile está tão à frenteseus vizinhos que,muitos aspectos, nem parece fazer parte da América Latina", diz Hanke, da Johns Hopkins.
O país é, por exemplo, o único da América do Sul a ter classificaçãorisco 'A' entre as principais agênciasrating do mundo. Ou seja, tem menos probabilidadedar calote do que seus vizinhos.
Para Hanke, é "evidente" que a atual prosperidade chilena se baseiamedidas adotadas durante a era Pinochet. Ele cita como exemplo a continuidade do sistemaseguridade social baseadofundosprevidência privada, um dos programas emblemáticos do governo militar.
E menciona também a leimineração implementada pelo mesmo governo, que descreve como "a melhor do mundo", que "não mudou uma única palavra" desde a épocaPinochet.
Landerretche, da Universidade do Chile, discordaHanke.
"Os governos democráticos têm aumentado constantemente o papel do Estado, particularmente nas áreasinfraestrutura, políticas sociais, proteção ao consumidor, saúde e educação. Ao fim da ditadura no Chile, não havia segurosaúde universal, seguro-desemprego, gratuidade no ensino superior, nem pilares solidários no sistemapensões."
Segundo ele, "todas essas coisas foram implementadas nos últimos 30 anos, o que gerou um crescimento importante do tamanho do Estado e que levou o Chile a alcançar algum avançoigualdade socialuma época na qual a desigualdade cresce pelo mundo".
A prosperidade chilena causa, há muito tempo, um desconforto interno por causa da ligação,maior ou menor grau, com o regime militar. Mesmo após três décadas do fim do governoPinochet, a polêmica parece não ter data para acabar.
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