Venezuela: Por que Brasil ficou forapedidoinvestigação por abuso a direitos humanos:

Nicolás Maduro discursa na Assembleia Geral da ONU

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Maduro afirmou que a Venezuela é vítimauma conspiração: 'A Venezuela caminha com seus próprios pés... e nunca ficarájoelhos'

Consentino exemplifica esta sinalização menos incisiva com o encontro, planejado para esta sexta-feira, entre os ministros das Relações Exteriores do Brasil e da Venezuela - Aloysio Nunes e Jorge Arreaza.

'Persona non grata': o rompimento temporário das relações diplomáticas Brasil-Venezuela

A reunião sucede um hiatoreuniões entre chanceleres desde que as relações diplomáticas entre os dois países foram suspensas temporariamentedezembro - quando o embaixador brasileiroCaracas foi expulso e tratado como "persona non grata". O regimeMaduro justificou a decisão comentando fatos da política interna brasileira, como o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

Em relação à crise humanitária e política da Venezuela, o Brasil protagonizou acusações frequentesplenárias da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Em 2016, o Brasil,conjunto com outros países, liderou a aprovação da suspensão da Venezuela, por tempo indeterminado, do Mercosul. Um novo bloqueio do tipo foi aprovado no bloco novamente2017.

Mas,entrevista exclusiva à BBC News BrasilNova York, Nunes optou por um tom moderado e afirmou nesta quinta-feira que "não há hostilidade" entre os países.

"Temos relações diplomáticas e não há razão para negar os encontros (como o com Jorge Arreaza). Temos uma fronteira bastante extensa, uma comunidade brasileira importante morando lá, três consulados, uma imigração sem uma dimensão dramática como a que existedireção a outros países", afirmou o chanceler brasileiro.

Consentino aponta que a suspensão do Mercosul foi uma sinalização forte enviada pelo Brasil, que no entanto pode estar agora apostando mais no diálogo.

"Hoje o tom é mais brando. Talvez justamente para que a política não contamine as trocas comerciais e outras negociações", aponta o pesquisador do Insper.

Um soldado trabalha no controle do fluxoimigrantesRoraima

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Soldado trabalha no controle do fluxoimigrantesRoraima; crise na Venezuela coloca na ordem do dia da relação bilateral com Brasil a ajuda humanitária e relações comerciais

Oliver Stuenkel, professor adjuntoRelações Internacionais na Fundação Getúlio Vargas (FGV), concorda que o Brasil tem preferido o caminho do multilateralismofóruns regionaisdetrimentoações como a que recorreu ao Tribunal Penal Internacional.

"O Brasil está no GrupoLima (organização criada2017 para buscar soluções para a crise venezuelana) e tem condenado com frequência violações no país. A estratégia tem sido como aoutros países da região,condenar, nos fórus internacionais, a ruptura democrática, mas sem impor sanções", aponta Stuenkel.

"O mais importante é que, apesartodos estes avanços institucionais, a América Latina não conseguiu impactarmaneira eficaz na situação venezuelana. Ao meu ver, hoje, qualquer atuação seránatureza paliativa. Hoje não vejo ninguém com capacidadereiniciar um diálogo positivamente."

Uma fonte que preferiu não se identificar apontou ainda que a diplomacia brasileira decidiu não se juntar aos seis países que recorreram ao TPI por avaliar que, caso a acusação contra Maduro avance no tribunal, uma condenação o impediriasair do país - sob o risco eventualser preso nos países signatários do EstatutoRoma,que a corte tem jurisdição.

Assim, estaria afastada uma solução para a crise venezuelana que pudesse envolver a remoçãoMaduro - algo conhecido como uma "saída honrosa".

IneditismoHaia

O desenrolar no TPI ainda é bastante incerto - afinal, nunca na história deste tribunal, sediadoHaia, na Holanda, e fundado2002, representantesEstados membros pediram a aberturaum procedimento contra representantesoutro país membro.

"A novidade deste processo é que aqueles que fizeram a denúncia são chefesEstado egoverno. Os casos anteriores foram oriundos do trabalhodocumentação feito por organizaçõesdireitos humanos, que levaram os resultados ao tribunal", explica Juan Navarrete, ex-representante do Instituto InteramericanoDireitos Humanos na Colômbiaconversa com a BBC News Mundo, serviçoespanhol da BBC.

O especialista enfatiza que, diferentemente dos casos que são processados por outras organizações, como a Corte InteramericanaDireitos Humanos, nos julgamentos perante o TPI a responsabilidade não é do Estado, mas individual. A acusação apresentada no TPI recai sobre 11 pessoas, incluindo Maduro e membros das Forças Armadas.

"Embora se fale da denúncia contra a Venezuela, não se tratauma ação contra o Estado venezuelano, mas contra as pessoas denunciadas por violações dos direitos humanos e crimes contra a humanidade. Embora mencione Maduro, a investigação sempre afeta toda uma cadeiacomando que tornou esses eventos possíveis", acresenta Navarrete.

O chanceler brasileiro Aloysio Nunes

Crédito, AFP

Legenda da foto, 'Temos relações diplomáticas e não há razão para negar os encontros', disse o chanceler Aloysio Nunes à BBC News Brasil

O pedidoinvestigação contra a Venezuela se baseia, entre outros elementos,três relatórios sobre violaçõesdireitos humanos naquele país preparados pela ONU, a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Comissão InteramericanaDireitos Humanos (CIDH).

Segundo Fernando Fernández, professorDireito Penal Internacional da Universidade Central da Venezuela, procedimentos no TPI podem durar anos. Isto depende,parte, da colaboração dos envolvidos.

Fernandéz lembra do caso do presidente do Sudão, Omar al-Bashir.

Em 2008, a Procuradoria do TPI acusou o líder sudanês por crimesguerra cometidos na regiãoDarfur.

Al-Bashir tornou-se assim o primeiro chefeEstadoexercício a ser imputado por essa instância.

O governo sudanês rejeitou as acusações e não quis colaborar com o processo, para o qual al-Bashir ainda não pôde ser julgado.

Isso, no entanto, não o impediuviver alguns percalços. O TPI emitiu contra ele dois mandadosprisão,2009 e 2010, dificultando viagens para o exterior.

Em 2015, por exemplo, al-Bashir teve que sair às pressas da África do Sul, onde participavauma cúpula da União Africana. Ele escapava da ordemum juiz local, que acatou a ordemprisão expedida pelo TPI.

Os representantes do tribunal afirmam que todos os signatários do EstatutoRoma, que o estabeleceu, são obrigados a cumprir suas ordens.

Até agora, o presidente sudanês escapou da captura e continuou a viajar, sobretudo na África e na Ásia. No entanto, não pisou nos Estados Unidos, na Europa Ocidental eoutros países onde o riscoser detido é maior.

Nicolás Maduro falareunião observado por outras pessoas no Palácio Miraflores

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Em ação inédita, seis países apresentaram a tribunal internacional denúncia contra líder venezuelano

Assembleia Geral da ONU discute a Venezuela

Também na Assembleia Geral da ONU, a crise na Venezuela esteve na pauta esta semana.

O presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou a imposiçãonovas sanções contra o país sul-americano e falou que o regimeMaduro poderia ser "muito rapidamente" derrubado por seus próprios militares caso estes decidissem agir assim.

"Hoje, o socialismo levou uma nação ricapetróleo à falência e levou apopulação à pobreza extrema", disse Trump. "Pedimos às nações reunidas aqui hoje que clamem pela restauração da democracia na Venezuela".

Em uma aparição "surpresa", Maduro porvez falou na ONU que seu governo é vítimauma conspiração internacional.

"As oligarquias do continente - e aqueles que a comandam desde Washington - querem o controle político da Venezuela", afirmou o venezuelano. "A Venezuela caminha com seus próprios pés... e nunca ficarájoelhos".

Já o presidente do Brasil, Michel Temer, criticou medidas isolacionistas entre países e citou a Venezuela, sem, no entanto, citar diretamente a condução política do país. O presidente mencionou o compromisso brasileiro com as instituições democráticas e os direitos humanos.

"Estima-semaisum milhão os venezuelanos que já deixaram seu paísbuscacondições dignasvida. O Brasil tem recebido todos os que chegam a nosso território. São dezenasmilharesvenezuelanos a quem procuramos dar toda a assistência", disse Temer.

"Sabemos que a solução para a crise apenas virá quando a Venezuela reencontrar o caminho do desenvolvimento."

*Com informaçõesÁngel Bermúdez, da BBC News Mundo; colaborou Ingrid Fagundez, da BBC News BrasilSão Paulo

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