Suécia: País modelo ou naçãoprocessofalência?:
O presidente americano, Donald Trump, já fez críticas à Suécia, e o político anti-imigração britânico Nigel Farage afirmou que a cidade suecaMalmo "é hoje a capital do estupro na Europa".
Pessoas como Trump e Farage tentam difundir a noçãoque a Suécia é um país onde uma políticaportas abertas para o mundo e valores liberais criariam um pesadelo que hoje colocaria esses mesmos valoresrisco.
País modelo ou paísprocessofalência - qual narrativa está correta?
Por trás dos índicesassassinatos
A famosa ponte Øresund, com quase 8 kmcomprimento, conecta a Dinamarca à cidade suecaMalmo. A ponte é bem conhecida por fãsseriadossuspense escandinavos. Mas é o crime na vida real que preocupa os moradoresMalmo. E para alguns deles, a culpa é dos imigrantes.
Durante a criseimigração na Europa2015, a Suécia foi um dos países da UE que mais receberam refugiados. Ela acolheu, per capita, mais migrantes do que a Alemanha, por exemplo.
Segundo a Eurostat, agência que coleta dados estatísticos dos países-membros, foram mais162 mil pedidosrefúgio2015. Ou seja, 1.667 pedidosrefúgio para cada 100 mil suecos.
Encorajados pelos portões abertos e pelo generoso auxílio financeiro oferecido pelo Estado sueco, centenasmilharesimigrantes seguiram para o país.
Muitos se acomodaramuma áreaMalmo chamada Rosengard, que já abrigava um grande númeroimigrantes.
No passado, a região já tinha sido palcorevoltas que deixaram um legadodestruição e carros queimados. E, no início deste ano, uma delegacia foi alvoataque a bomba.
Tudo isso levou a polícia sueca a designar uma parteRosengard como "área vulnerável" - uma entre 23 áreas desse tipo existentes na Suécia hoje.
Alguns dizem que o termo "área vulnerável" é um eufemismo. Para eles, o local é hoje, na verdade, uma região a ser evitada, um gueto onde o crime está aumentando e fugindo do controle das autoridades.
O principal problema são a proliferaçãodrogas e armas. Desde o início desse ano, dez pessoas foram assassinadasMalmo.
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FinalYouTube post
Em entrevista à BBC, um membroalto escalão da polícia sueca, Glen Sjogren, explica que o último tiroteioRosengard ocorreu há poucas semanas.
"Acho que sabemos quem foi", diz Sjogren. Mas acrescenta que o suspeito ainda não foi preso.
Quando perguntado sobre o perfil das pessoas envolvidas na ondacrimes, ele admite que a maioria dos autores não parece serorigem étnica sueca.
No entanto, Sjogren, que trabalha há 40 anos na políciaMalmo, nega que a imigração esteja por trás do aumento na criminalidade na área.
Vamos aos fatos. Dez assassinatosnove meses é um índice preocupante para os padrões escandinavos, mas o que muita gente não sabe é que o númerocrimes ocorridos na cidadeMalmo não está aumentando. O policial explica:
"O númerocrimes cometidosMalmo está diminuindo", diz. "O que está aumentando é o número'tiroteios espetaculares'", entre membrosgangues e com grande atenção midiática.
O jovem assassinado recentementeRosengard, por exemplo, morava no local. "Ele era traficante. Todos os que morreramMalmo eram criminosos conhecidos."
"Essas pessoas não se saíram bem na escola, não têm emprego. Claro que são imigrantes, massegunda e terceira geração. Na verdade, são suecos."
Por trás dos índicesestupros
Em anos recentes, houve um aumento no númeroacusaçõesestupro e outros crimes sexuais Críticos dizem que a polícia não está conseguindo dar conta dos casos.
A advogada Ulrika Rogland diz à BBC que isso é verdade. A políciaMalmo está sobrecarregada.
"Temos policiais trabalhandocasosestupro e temos vários tiroteiosMalmo. Então, os oficiais têmser retirados das investigaçõesestupro para trabalhar nos assassinatos a tiro. Isso significa que os casosestupro ficam empilhados, têmesperar."
Novamente, vamos aos fatos:2013, a Suécia ampliou a definição legalestupro.
"Acho que (os índicesestupro) estão mais altos, mas é muito difícil saber por quê. Acho bom que estejam mais altos porque isso significa que mais pessoas estão reportando (os casos à polícia)", diz Rogland.
Mas ela não acha que mais pessoas estejam sendo vítimascrimes sexuais na Suécia atualmente.
"Sabemos há muitos anos que muitas pessoas não reportam (crimes sexuais), especialmente (os cometidos)casa, onde a maioria dos crimes acontece."
Segundo dados do Conselho Nacional para a Prevenção do Crime na Suécia (BRA), os índicesestupro ns Suécia atingiram seu pico2014, portanto antes da chegada da grande ondarefugiados.
Em 2015, anoque o maior númerorefugiados entrou no país, os índicesdenúnciascrimes sexuais na verdade diminuíram.
E segundo a BRA, o númerodenúnciasestuproMalmo não aumentou desde a chegada do maior grupomigrantes. Na verdade, o pico nos índicesdenúncias desse tipo na cidade ocorreu entre os anos 2008 e 2011.
Além disso, os númerosdenúnciasestupro não são mais altosMalmo do queoutras grandes cidades suecas, como Estocolmo e Gotemburgo.
É tudo, na verdade, uma questãoqual narrativa você extrai dos dados.
Suécia: a construção do mito
Para entendermos a origem da imagem da Suécia como um paísprogressistas e liberais, é preciso voltarmos a meados do século 20. Nesse período, a política sueca era dominada pelo Partido Social Democrata, com raízes no movimento trabalhista. Usando um modelo ousado que combinava socialismo e liberalismo, o partido parecia estar alcançando grandes resultados.
Para o resto do mundo, os suecos eram o povo mais rico do planeta. Tinham o padrãovida mais alto e um Estadobem-estar social que havia abolido a pobreza e eliminado as greves.
E a Suécia virou um "país modelo". Uma sociedade onde "tudo funcionava e todos trabalhavam". "O único país no mundo onde criançassete anosidade tinham aulaseducação sexual e onde o divórcio acontecia por consentimento mútuo".
Claro que, já na década1960, já havia quem questionasse essa versão idílica do país escandinavo.
O preço da globalização
Hoje, a Suécia ainda chega perto do topo nos rankings internacionais que medem felicidade e prosperidade.
No entanto, o país gasta menos do que gastavabem-estar social e serviços públicos. As discrepâncias entre a Suécia do imaginário e a Suécia real são cada vez maiores.
Analistas apontam que os anos dourados do socialismo liberal na Suécia se foram. Antigas indústrias morreram. Outras tomaram seu lugar. A transição para uma economia mais globalizada - e uma mãoobra mais educada - foi boa para alguns, mas não para todos. A economia globalizada produziu uma Suécia menos igualitária - e menos homogênea, dizem.
Da população, percepções distintas
Entrevistada pela BBC, a ativista Frida Svensson compara o passado ao presente na Suécia. E vê mudanças claras.
"Tivemos muita sorte", opina Frida. "Agora, começamos a ver dificuldades na nossa sociedade. E elas não têm necessariamente a ver com imigração. Agora, as pessoas pensam, 'eu tenho um emprego, eu trabalho o dia todo, pago meus impostos, estou fazendo tudo certo e ainda assim a escola dos meus filhos não está boa, meus pais idosos não estão sendo bem cuidados, os ônibus não estão chegando no horário'. Então, eu acho que as pessoas sentem que não estão recebendovolta do Estado o que costumavam receber antes."
O funcionário da construção civil Morgan Nilson também não está feliz com os rumos tomados por seu país. Ele mora no interior, a uma horadistânciaMalmo.
"Trabalho desde os 18 anosidade e agora tenho 52. Trabalhei na construção minha vida inteira. E todo mundo votava nos social democratas e era membro do sindicato."
Hoje, no entanto, Nilson diz que ele e seus colegas abandoram a centro-esquerda e agora estão com os democratas suecos,extrema-direita.
Nilson diz que optou pelo partido porque a políticaportas abertas à imigração não foi boa para os trabalhadores suecos. A entrada dos estrangeiros no mercado diminuiu salários e baixou preços.
"Não temos condiçõescompetir."
E quando a reportagem pergunta se ele gostariaque a Suécia saísse da União Europeia, Nilson responde que sim.
"Eu não acreditofronteiras abertas. Não conseguimos impedir que as pessoas entrem aqui, não sabemos quem está no país."
Nilson admite que a Suécia é um país com alto padrãovida. Então, qual é o problema? – pergunta a reportagem.
"Não sei qual é o problema. Eu tenho uma vida boa e muitas pessoas têm vidas boas. Mas não cuidamos dos verdadeiros doentes, dos verdadeiros pobres e dos mais velhos."
Para Nilson, a Suécia que ocupa o topo dos rankings internacionaisbem-estar não soa verdadeira. Já não é a Suécia justa e igualitária que costumava ser.
"Eu acredito nas políticas dos Democratas da Suécia,manter a Suécia como ela era antes."
Uma outra pessoa para quem a Suécia deixouser a "boa Suécia" é o filhoimigrantes libaneses Hussein, moradorRosengard,Malmo.
"É difícil explicar. Dizem que é gostoso viver aqui, mas as pessoas não se sentem bem mentalmente. Talvez seja o clima."
Hussein chegou à Suécia ainda menino. Está desempregado há três anos.
Melhor país para refugiados
Uma pesquisa publicada no ano passado classificou a Suécia como o melhor país do mundo para se viver se você é um refugiado. Essa é uma imagem da Suécia que há décadas vem sendo reforçada por políticos e pela mídia do país.
O depoimento do refugiado sírio Abdurauf al Absi, que vive na Suécia há cinco anos, confirma essa imagem.
"Este é um país justo", disse Al Absi à BBC. Segundo o refugiado, todos são tratados com igualdade na Suécia.
Hussein, porvez, diz que muitos suecos se ressentemrefugiados como Al Absi.
"Muitos suecos dizem, '(os refugiados) vêmsua guerra e recebem tudo'. Enquanto nós (suecos), quando estamos doentes, não podemos trabalhar e não recebemos dinheiro."
A não integração e o politicamente correto
Para completarmos o quadro, voltemos a ouvir o policial Glen Sjoguen.
"É preciso ser direto e falar o que está causando o problema: não estamos integrando as pessoas o bastante", diz o policial. "Você consegue viver aquivida inteira sem (precisar) falar sueco."
Ele calcula que o índicedesempregoRosengard - onde quase todo mundo é imigrante ou descendeimigrantes - seja dez vezes a média nacional, possivelmente mais.
Muitos suecos reconhecem que a integração no país tem sido um difícil. Mas, até recentemente, falar sobre isso era tabu.
Sjoguen acrescenta, porém, que não seria bem visto tocar nesse assunto entre policiais e a sociedadeMalmo.
"Eu provavelmente seria chamadoracista (ao falarintegração). Talveznazista. Não sei por quê. Estou apenas falando a verdade."
Será que, ao adotar posturas politicamente corretas, a Suécia estaria, na verdade, fazendo um desserviço, e até causando mal, a pessoas como o jovem morto no tiroteio?
"De certa forma, sim", diz Sjogren. "É preciso ver o problema como ele é. Para depois fazer algo a respeito."
Muitos veem a Suécia como uma estrela guiaum mundo polarizado. E visitam o paísbuscauma confirmação daquela antiga imagem, do país mais bem resolvido do mundo. A moral desta história é que é tudo mais complexo - e que é preciso ter cuidado com narrativas simplistas.