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Por dentrouma clínicaaborto nos EUA:
Clínicas como a Hope enfrentam forte oposição do governo conservadorDonald Trump. Meses atrás, a Casa Branca anunciou uma propostacortar o financiamento federalorganizações que ofereçam ou discutam o aborto com suas pacientes.
A Planned Parenthood, uma das organizações alvejadas, afirmou que a proposta é "perigosa, ultrajante econsequências devastadoras". Já ativistas antiaborto agradeceram Trump por "cumprir uma promessa crucial"campanha.
Quando Pittman começou a trabalhar no Hope Medical Group, nos anos 1980, o cenário era diferente da polarização atual.
HaviaLouisiana 11 organizações que ajudavam mulheres que decidiam interromper a gestação; hoje, há apenas três, às quais recorrem 10 mil mulheres, estima Pittman.
Pelo país inteiro, o númeroclínicas caiu na última década. Sete Estados têm apenas um estabelecimento cada.
E, ante regrasfuncionamento cada vez mais rígidas e financiamento escasso, esses locais vivem pressão crescente. Em 2017, 19 Estados aprovaram 63 restrições à prática do aborto. Vinte e nove Estados atualmente têm restrições o bastante para serem considerados hostis a diretos reprodutivos femininos, segundo o centropesquisas Guttmacher Institute.
No âmbito federal, Trump também mudou o equilíbrio da Suprema Corte – até então com quatro juízes conservadores e quatro liberais – com a nomeação, para um lugar vago desde o governo Obama, do juiz conservador Neil Gorsuch, alémcortar verbas a grupos que orientam mulheres que querem abortar.
E ativistas antiaborto também passaram a se mobilizar mais desde as eleições presidenciais2016.
"Vou te dizer, as coisas não estão melhorando", desabafa Pittman.
Lucy
Lucy viajou três horas para chegar à clínica Hope. Grávidaoito semanas, ela tirou uma dialicença do trabalho como caixalojauma cidade que ela prefere não citar. Pediu a uma amiga que a levasse ali.
Ela se senta com a filhadez mesesidade. Lucy, 21 anos, não deseja mais um bebê.
"Quero voltar a estudar, e não vai dar com duas crianças", diz.
Ela pretende realizar o aborto, a despeito dos desejos do pai das crianças.
"É o mesmo cara do meu primeiro bebê, e ele nem cuida dela, então não posso esperar que ele cuideum segundo filho."
Lucy é levada para uma sessãoaconselhamento obrigatória, segundo a lei estadual. É uma conversa com uma das conselheiras da clínica, e ambas discutem o preenchimentoum longo formulárioconsentimento.
Delia, a conselheira, explicadetalhes os potenciais riscos do procedimento – como infecções, coágulos, hemorragia ou perfuração da parede do útero.
Lucy escuta, mas sem demonstrar hesitação. Explica que talvez preciseajuda financeira, uma vez que o procedimento custa US$ 550 (R$ 1,7 mil), mais do que seu salárioUS$ 525 (R$ 1,6 mil). Em Louisiana, o Estado só cobre os custosabortoscasosestupro, incesto ou riscovida.
Uma contribuição da própria clínica reduzirá os custos para US$ 400. Lucy agenda uma consulta para cinco dias depois.
"Terça? Tudo bem", ela diz. "Quarta-feira é meu diafolga, então poderei descansar."
Uma divisão45 anos
O aborto é legalizado nos EUA desde um julgamento histórico da Suprema Corte1973, conhecido como Roe X Wade.
O tema gera intensos debates desde então, com divisões ideológicas e religiosas.
Um estudo2017 do CentroPesquisas Pew apontou que "a divisão partidária quanto ao aborto está muito mais polarizada" do que duas décadas atrás.
E isso ficou evidente na mais recente eleição presidencial.
Durante a campanha, Trump prometeu agir para fazer "avançar os direitoscrianças não nascidas e suas mães", masescolha para vice – Mike Pence, um dos mais ativos políticos antiaborto do país – agradou simpatizantes conservadores.
Os resultados para o governo Trump foram ambíguos. Uma lei destinada a impedir o financiamento da Planned Parenthood, maior redeclínicas para mulheres dos EUA, não passou no Congresso.
Mas,janeiro, Trump emitiu uma medida que, na prática, favorece os Estados que excluam clínicas do tipo do financimento estadual. Outra medida permite que agentessaúde se recusem a realizar abortos com baseobjeções "religiosas ou morais".
Segurança e vigilância
Na entrada da Hope, uma recepcionista abre a passagem para as pacientes atravésuma porta com segurança reforçada, que ela monitora com 15 câmeras.
Casosinvasão, roubos e vandalismo crescerammodo acentuadoclínicas pelo país desde a campanha das eleições presidenciais2016.
Relatosameaças e intimidações a funcionários dessas clínicas também aumentaram, segundo a Federação Nacional do Aborto (NAF, na siglainglês), associaçãomédicos que compila estatísticas desde 1977.
Ameaçasviolência ou morte quase dobraram nas clínicas no ano passado; casosinvasões mais do que triplicaramrelação a 2016.
Por conta disso, os médicos da Hope pedem anonimato à reportagem.
"Os inimigos do aborto têm destruído nossa capacidadesobreviver", diz um ginecologista que trabalha ali há 36 anos.
Ele realiza abortos duas vezes por semana e mantém uma clínica privada na cidade. Ativistas antiaborto deixaram panfletosseu consultório, dizendo aos vizinhos que ele "mata bebês" e ameaçando "levá-lo a Jesus". Ele precisou pedir proteção policial emcasa.
"A pressão é tamanha que outros médicos decidiram pararfazer abortos", conta.
Mas ele não planeja seguir o mesmo caminho. "É um serviço necessário, especialmenteum Estado pobre e historicamente contrário ao direitoescolha (como Louisiana)."
Ativistas
"O debate sobre o aborto está mais proeminente porque não há questões mais importantes na vida do que a vidasi", diz Chris Davis, porta-voz da comunidade antiabortoShreveport.
Ele conversa com a reportagem da BBC na entrada da Bossier Medical Suite, que fechou as portasabril2017. O estacionamento da casa agora está vazio.
"Antes, aqui ficava lotadocarros", conta Davis. "Rezávamos diariamente aqui fora e achamos que Deus atendeu nossas precesforma grandiosa."
Davis, paitrês filhos que se define como um "forte cristão", participavigílias constantes nas calçadas das clínicas.
Seu grupo se chama Praying Warriors (guerreiros das orações,tradução livre). Eles acampam fora do perímetro das clínicas e tentam chamar a atenção das pacientes a caminho do local. Leispropriedade os impedementrar no terreno das clínicas.
"Nosso foco não é necessariamente reverter (o resultado do julgamento) Roe X Wade da noite para o dia", diz Davis.
"A cada mulher que mudaideia depoisfalar conosco ou rezar, o Roe X Wade é derrubado pelos esforçosraiz. Uma mulher, um bebê por vez."
Catalya
Catalya evita qualquer contato com os manifestantes enquanto apressa o passodireção à clínica.
Vestida com uma calçamoletom, chinelos e uma camiseta vermelha gasta, a jovem22 anos dirigiu durante duas horas desde o Texas para realizar um aborto. É o seu segundo.
"Eu e meu namorado concordamos que não temos como sustentar uma criança no momento. Era ou aborto, ou (entregar para) adoção... E simplesmente não consigo me imaginar entregando meu filho."
O casal já tem uma criançaum ano.
"Trabalho à noite, e o pai trabalhamanhã", ela diz. "Mas temos tido menos ofertatrabalho recentemente, está sendo difícil seguirfrente."
Juntos, eles ganham cercaUS$ 800 (R$ 2,4 mil)turnosdez horasuma empresaprocessamento alimentar.
"E nunca estamos juntos com o Andre (filho do casal). Isso já é ruim, então como podemos fazer mais uma criança passar por isso?"
Se ganhasse mais dinheiro, diz Catalya, "com certeza" prosseguiria com a gravidez.
Casos como o dela são comuns na clínica. Dificuldades financeiras, dizem os administradores, são a principal razão dada pelas mulheres – emmaioria afroamericanas, com poucas oportunidades educacionais e baixo acesso a contraceptivos – para pôr fim a suas gestações.
Catalya diz que está hesitante quanto a seguir adiante com o aborto, mas não compartilha essa preocupação comconselheira.
Ela acha que a questão é pessoal e temser resolvida dentrocasa – seu namorado ainda não está convencido do aborto.
O ultrassom confirma que Catalya está grávidacinco semanas. Ela se recusa a olhar o monitor durante o exame.
No fim da consulta, ela caiprantos. "Não é culpa do bebê... Não é culpaninguém. Simplesmente não temos como sustentá-lo, me desculpe."
Batalhas estaduais
Voltar a tornar o aborto ilegal nos EUA seria algo complexo: apenas a Suprema Corte ou uma emenda constitucional teria poderreverter Roe X Wade.
Então,anos recentes, conservadores tentaram mudar as leisâmbito estadual,vezbuscar um veto total.
Nos primeiros seis meses do governo Trump, houve 431 medidas restringindo o acesso ao abortoEstados americanos, segundo o Guttmacher Institute.
Louisiana tem uma das leis mais controversastodas: veta o aborto após 15 semanasgestação,vez do limite20 semanas determinado pelo Senadoabril.
Se a lei for promulgada, será o segundo mais rígido limiteâmbito nacional, ao ladoMississippi e atrás apenasIowa.
Críticos consideram essas leis inconstitucionais.
"Restrições, restrições", diz Kathaleen Pittman. "Provavelmente a primeira que nos afetou dramaticamente foi o períodoespera24 horas."
Desde 1995, todas as mulheres têmse consultar com o médico ao menos 24 horas antesrealizar um aborto,duas consultas separadas. Louisiana quer ampliar esse período para 72 horas, mas a lei foi contestada na Justiça pelo CentroDireitos Reprodutivos.
"O sistemaduas consultas já é difícil o bastante", diz Stephannie Chaffee, que trabalha com Pittman há dez anos.
"Muitas mulheres perdem diastrabalho e salário, muitas têmarrumar alguém para cuidarseus filhos. E têmfazer isso duas vezes. Elas vêmlonge, às vezes têmpagar acomodação. Impor um período72 horas tornaria esse processo ainda mais custoso."
Ela acha que isso tampouco vai dissuadir as mulheresrealizar o aborto.
"95% das que nos procuram já pensaram longamente antesligar para cá", afirma Chafee. "Então a espera obrigatória24 horas raramente as faz mudarideia."
Divisões
Enquanto uma tempestade tropical avança com força sobre Shreveport no sábado, a clínica tem umseus dias mais concorridos.
Há 50 abortos agendados, o dobro do registradodiassemana. As fortes chuvas não impedem as pacientesaparecer.
Lá fora, a atividade também é incessante. Um grupoativistas antiaborto se reúne na calçada, munidoenormes guarda-chuvas.
São 32 deles,idades variadas, peregrinando a passos lentos ao redor da clínica, rezando e segurando cruzes, bíblias e rosários.
Uma van com um trailer roda por ali com um enorme cartaz colado na parede, com uma imagemum feto e as palavras: "Você vai me proteger?"
"Não estamos aqui para atacar médicos, mas sim para promover a vida bem onde ela está sendo destruída", diz Richard Sonnier, que se ajoelha e joga as mãos ao céu.
Ele conta que, 40 anos atrás, pagou paranamorada abortar e se arrepende disso desde então.
"Agora é a nossa hora. Mudanças na lei vão levar ao fechamentovárias clínicas", agrega o ativista Charles, segurando um crucifixomadeira. "Já é horaesta cidade se livrar do aborto."
Embora o conservadorismo do atual governo tenha dado forças ao movimento antiaborto, também encorajou vários defensores dos diretos reprodutivos, elevando o númerovoluntários nas clínicas.
Vestidoscoletes fluorescentes, eles acompanham as mulheres que saem dos carros estacionados. "Elas já têm muito na cabeça; ver um rosto amigável as ajuda", diz Ron Thurston, 69 anos, que frequentemente ajuda na Hope.
"Os manifestantes estão se dirigindo às pessoas erradas", agrega Christian, 23 anos. "Essa batalha diz respeito a leis. Então não entendo por que eles acham que vão conseguir o que querem gritando com mulheres já angustiadas."
Dentro da clínica, todos ficamolho nas câmerassegurança.
"Se nos sentimos intimidados? De jeito nenhum", diz Pittman, que se diz "ocupada demais para ter raiva". Há uma multidãopacientes a serem atendidas.
Após o aborto
A reportagem da BBC telefonou para Lucy uma semana após ela ter realizado o aborto na Hope. Ela estava recuperada evolta ao seu emprego como caixa.
Mas nem tudo saiu conforme o planejado.
"Foi muito ruim, muito dolorido, mesmo elas tendo dito que não seria", conta. Ela não voltaria a se submeter ao procedimento, e não só por causa da dor física.
"Eu sinto... meio que arrependimento", diz. "Falei com o pai, eretrospecto eu teria ficado com o bebê. Não achei que fosse me arrepender, mas a verdade é que me arrependo."
Catalya também seguiu adiante com o aborto, mas não mudouopinião.
Seu parceiro a levou à clínica e esperou por ela.
"Claro que é uma decisão difícil, que não tomamosmodo casual", diz.
"Mas foi melhor para nossa família. Estou aliviadater tido a oportunidade, com meus direitos como mulher,ter tido um aborto."
*Alguns nomes foram alterados para proteger a identidade dos entrevistados
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