O casoestupro coletivo que chocou a Espanha e está levando milhares para as ruas do país:
A controversa sentença judicial do caso "La Manada",que cinco jovens foram acusadosestuprar uma jovem18 anos, provocou uma ondaprotestos na Espanha. No último sábado, mais30 mil pessoas saíram às ruasPamplona, na provínciaNavarra contra a sentença determinada pelos juízes.
Na última quinta-feira, os jovens foram condenados a nove anosprisão cada um por abuso sexual. Desde então, milharesmanifestantes se reuniram diversas cidades espanholas para dizer que "não é abuso, é estupro".
Nas redes sociais do país, a expressão "eu acreditovocê, irmã" viralizou,solidariedade à vítima.
De acordo com a sentença, os cinco amigos levaram a vítima, uma madrilenha18 anos que estava alcoolizada, ao saguãoum edifício "escondido e estreito" com apenas uma saída. Ali, eles tiraram suas roupas e a "penetraram por via oral, anal e vaginal".
Eles também gravaram a violaçãovídeo e foram embora depoisroubar o celular da garota.
Os condenados afirmaram que a relação foi consensual, mas os juízes da provínciaNavarra consideraram que o caso representou abuso, mas não agressão sexual, por não ter sido comprovado que houve violência ou intimidação.
Entenda os principais pontos do caso:
1- Violência durante festa popular
O crime ocorreu2016, durante a popular FestaSan Fermín (São Firmino), celebrada todos os anos entre os dias 7 e 14julhoPamplona, capitalNavarra.
Nos últimos anos, a festa tem sido marcada por denúnciasabusos, e o caso"La Manada" - como se chamava o grupojovens condenados na última semana - colocou o problema novamenteevidência.
De acordo com dados publicados pela imprensa local, o númerodenúncias por agressões sexuais na FestaSan Fermín se manteve entre cinco e dez nos últimos anos. No entanto, especialistas acreditam que o número real pode ser muito superior.
Apenas entre 17 e 20% das ocorrênciasagressões e abusos sexuais são denunciados na Espanha, segundo dados oficiais (No Brasil, para efeitocomparação, esse índice ficatorno10%).
Em 2008, uma estudante20 anos chamada Nagore Lafagge foi estrangulada por um jovem durante a festaPamplona por negar-se a ter relações sexuais com ele.
O crime teve grande repercussão no país. Em 2012, imagens da festa mostraram inúmeros casosassédio a mulheres, o que motivou mudanças nas leis do país sobre o tema.
2- Um julgamento midiatizado e polêmico
Desde o início, o caso"La manada" atraiu grande atenção da mídia espanhola. O crime ocorreu2016 e o julgamento,2017. Os cinco jovens foram acusadosagressão sexual, crime contra a intimidade e roubo com intimidação.
A procuradoria pedia 22 anos e 10 mesesprisão para cada um deles. Os advogados da vítima, porvez, pediam uma pena24 anos. A prefeituraPamplona também se colocou como parte da acusação e pediu 25 anosprisão.
Os advogadosdefesa, porvez, dizem que as relações foram consensuais e pediam a absolvição do grupojovens, que já estavam presos preventivamente.
A estratégia da defesa durante o julgamento, no entanto, foi duramente criticada. Uma das provas apresentadas foi o relatóriodetetives particulares sobre a atividade da vítimaredes sociais após o ocorrido.
Nesta época, um vídeo gravado por duas atrizes feministas, com o lema "Eu acreditovocê" viralizou e inundou as redes sociaismensagensapoio à vítima.
Depoisuma manifestaçãoMadri, que reuniu centenaspessoas, a defesa optou por retirar o relatório da listaprovas no processo.
O vídeo96 segundos gravado pelos acusados também causou comoção ao ser exibido no tribunal. Nas imagens, a vítima era vista "de olhos fechados" e com uma atitude "passiva ou neutra",acordo com os policiais que testemunharam no julgamento.
A polícia descreveu as imagens como "repugnantes" e afirmou tê-las como provaque a garota não participou voluntariamente do ato.
A acusação revelou ainda as mensagensWhatsApp que os cinco jovens enviaram a seus amigos depois do ocorrido, dizendo coisas como "tudo o que eu conte será pouco", "que viagem incrível", "nós cinco transamos com uma só" e "temos vídeo".
Quem são os cinco do grupo "La manada"?
- José Ángel Prenda,28 anos: é considerado o líder do grupo e foi quem escreveu a mensagemWhatsApp sobre o vídeo. Em 2011, foi condenado a dois anosprisão por roubo com usoforça;
- Antonio Manuel Guerrero: guarda civil, nascido1989. Acredita-se que tenha gravado seis vídeos do crime, e admitiu ter roubado o celular da vítima;
- Ángel Boza,26 anos: tem um históricodelitos que inclui roubo com usoforça e dirigir sob influênciadrogas e álcool;
- Alfonso Jesús Cabezuelo,29 anos: é militar, e acredita-se que tenha gravado um dos vídeos;
- Jesús Escudero,27 anos: cabeleireiro.
Em seu testemunho no tribunal, a vítima explicou que não resistiu à agressão sexual por causa da superioridade numérica e física dos acusados. Ela disse que a situação a fez entrarchoque e desejar apenas que tudo terminasse o mais rápido possível.
Os acusados se disseram inocentes, mas um deles, Antonio Manuel Guerrero, pediu desculpas por ter roubado o celular da jovem.
Agustín Martínez Becerra, advogadodefesa dos cinco, disse que eles "não são modelonada" e os chamou"brutos", "imbecis". O advogado disse ainda que eles são pessoas "simplórias e primárias"aspectos como futebol e relações sexuais, mas que são "trabalhadores" e "bons filhos".
3- Sentença polêmica
A sentença dos cinco jovens foi publicada e divulgada na última quinta-feira, dia 26, quase cinco meses depois do final do julgamento.
Os juízes da Audiencia ProvincialNavarra consideraram os integrantes"La manada" culpadosabuso sexual, no qual eles se valeramuma situaçãosuperioridade manifesta que limita a liberdade da vítima. Mas não consideraram que ocorreu agressão sexual, ou seja estupro.
Os magistrados consideraram que o abuso ocorreu sem o consentimento da mulher, mas não consideraram que houve usoviolência nemintimidação, condições para considerar que ocorreu agressão sexual, ou estupro, segundo o Código Penal espanhol.
A pena para abuso sexual vaium a três anosprisão; se há penetração, a pena vaiquatro a 10 anos. Já no caso da agressão sexual, a pena éum a cinco anosprisão e, se há penetração, o caso passa a serestupro e a pena vaiseis a 12 anos.
Como este foi considerado um casoabuso agravado, o tribunal decidiu que cada um dos jovens teriacumprir nove anosprisão.
Na sentença, os juízes consideram estar provado que a vítima "sentiu uma angústia e uma intranquilidade intensas, que lhe deixaramestadoletargia e a fizeram adotar uma atitudesubmissão e passividade, fazendo o que os cinco jovens a mandavam fazer, e mantendo os olhos fechados na maior parte do tempo".
Depois da divulgação da pena, centenaspessoas entraram no tribunal gritando "não é abuso, é estupro" e "eu acreditovocê", referindo-se à vítima. Desde então, manifestações foram convocadastodo o país, enquanto as redes sociais se enchemcríticas.
4- A declaraçãoum juiz
Outro aspecto do caso que provocou indignação na sociedade espanhola foi a opiniãoum dos três magistrados encarregados do caso.
A sentença não foi unânime, e,seu voto, o juiz Ricardo Javier González defendeu a absolvição dos cinco acusados.
Segundo ele, nos vídeos do ocorrido não se percebe na expressão da vítima nemseus movimentos "nenhum traçooposição, rejeição, desgosto, nojo, repugnância, negação, incômodo, sofrimento, dor, medo, descontentamento, vergonha ou qualquer outro sentimento semelhante".
"A expressãoseu rosto está, a todo momento, relaxada e distendida e, precisamente por isso, incompatível,meu juízo, com qualquer sentimentomedo, temor, rejeição ou negação", afirmou.
"Também não percebi nela esta 'ausência e enfraquecimentosuas faculdades superiores' que se afirma na maior parte deste tribunal; pelo contrário, o que me sugerem os gestos, expressões e sons que ela emite é excitação sexual."
No entanto, o juiz nega que "esta observação suponha necessariamente uma relação sexual consensual, porque não se pode descartar que durante uma relação sexual não consensual é possível chegar a sentir e expressar uma excitação sexual meramente físicaalgum momento".
As perguntas que o magistrado fez à vítima durante o julgamento também foram polêmicas.
"O que você fez, diante deles, para que eles soubessem que você estavaestadochoque e que as relações sexuais não eram consensuais daparte? Como eles poderiam...você fez algo, manifestou algo, verbalizou algo?...", questionou.
"Eu fechei os olhos... Não falava, não estava fazendo nada, estava submissa. Eu estavaolhos fechados e sem fazer nada, nem dizer nada", respondeu a jovem.
5- Mudança nas leis?
Alémmobilizar milharescidadãos, o caso também gerou debate sobre o papel dos juízes e sobre as leis espanholas.
Um milhãopessoas apoiou uma iniciativa na internet para impedir a atuação dos juízes espanhóis que condenaram "La manada".
O presidente da associaçãojuízes da Espanha, Carlos Lesmes, saiudefesa do tribunal e afirmou que as "desqualificações" da sentença feitas por pessoas com cargos públicos comprometem "gravemente" a confiança que o sistema judicial "merece dos cidadãos".
Por causa dos protestos, o governo do presidente Mariano Rajoy anunciou que pedirá uma revisão da tipificação dos delitos sexuais no Código Penal.
O caso"La manada" deve voltar aos tribunais, porque a procuradoria e os acusados recorrerão da sentença.
Enquanto isso, o debate atravessou o Atlântico e mobilizou também atrizesHollywood que participam do movimento #MeToo, sobre assédio sexualambientestrabalho.
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FinalTwitter post
"Cinco homens estranhos disseram a uma adolescente bêbada que eles a levariam até o carro dela. Em vez disso, eles a levaram para outro lugar, onde a estupraram e gravaram. O fatovocê não se mover e estar com os olhos fechados não significa dar consentimento. Isso não é abuso. É estupro", disse a atriz Jessica Chastainseu perfilTwitter.
O ator venezuelano Edgar Ramírez e o espanhol Antonio Banderas também compartilharam opiniões semelhantes.